Bomba-relógio (Parte I)

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— Vicente já chegou lá — disse Alice, mostrando uma foto para Guiga, que estava no volante.

— Diz a ele que estamos quase chegando — anunciou a patricinha.

Yuri vinha sozinho no banco de trás, com as mãos frias e o coração prestes a sair pela boca.

Não abriu a mochila em nenhum momento desde que a pegara com Hugo mais cedo, sequer procurara descobrir o que havia dentro dela. Quanto menos se envolvesse, melhor, acreditava, mas a verdade é que já estava envolvido até o pescoço. Era como se estivesse carregando uma bomba-relógio nas costas e cada passo que dava pela rua era um passo a mais rumo à guilhotina. Havia se arrependido várias vezes desde que aceitara fazer parte do esquema, mas o namorado de Jenifer lhe prometera que, após a conclusão deste trabalho, estaria finalmente livre do crime e poderia ter a vida que sonhava ter com Jeni e com toda a comunidade, "Eu quero ser o homem que a minha vó queria que eu me tornasse", ele lhe dissera de um jeito que parecera muito sincero.

Depois de muito tempo, Jenifer finalmente encontrou uma brecha de felicidade nos braços de Hugo, que tipo de amigo Yuri seria se arrancasse isso dela agora? Fora acolhido por sua família no segundo momento mais difícil da sua vida, elas lhe salvaram quando não havia mais para onde ir, por isso, sentia-se obrigado a fazer o mesmo por Hugo agora, era a chance de conceder a ele a liberdade que a família de Sol uma dia lhe concedera.

— O que tem nessa mochila, Yuri? — ouviu Alice perguntar de repente.

— Hã? — exclamou, suando frio. — Ah, são umas coisas minhas... Se eu for dormir na casa de alguém.

— Você não vai voltar com a gente? — Alice seguiu o interrogatório.

— Se quiser um lugar pra passar a noite, tem meu apartamento, imagina nós dois dormindo juntinhos? Ando tão sozinha... — Guiga convidou em tom de brincadeira.

— Você já tá me dando essa carona, não vou te incomodar mais — Yuri disfarçou.

Sentia-se um irresponsável por envolver as colegas nessa bagunça, mas era sua forma de se proteger; se tinha que fazer aquilo, não seria imprudente e nem burro. Um homem preto andando sozinho com uma mochila pela rua era um alvo, o carro de uma patricinha, não. Se o sistema do Rio de Janeiro continuava funcionando como ele conhecia, nenhum deles teria problemas para entrar na festa.

— Eu até estranhei você ter aceitado vir com a gente — disse Guiga.

Alice soltou uma risada.

— Amiga, acho que Yuri já tem um esquema pronto. E não é com nenhuma de nós.

Guilhermina riu.

— Deixa ele. Não sabe o que tá perdendo.

Demorou apenas mais alguns minutos até chegarem à entrada da festa. Guiga estacionou o carro lá fora e os três seguiram de pé até a portaria. Enquanto a dona do veículo conversava com um dos dois seguranças, Yuri distribuía sorrisos sem graça, tentando parecer natural. Eles vão perceber. Eu vou ser preso. Alguém me ajuda!

Não perceberam. Seu coração voltou a bater no ritmo normal após o portão se fechar em suas costas. Olhou para o céu, como quem agradecia a Deus ou qualquer entidade que tivesse lhe ajudando a cometer esse crime, e seguiu caminhando pelo piso ladrilhado.

Os Werneck haviam conseguido uma nova mansão e o filho mais novo, Bernardo, decidiu que daria uma grande festa antes que os pais decidissem o que fazer com ela. A localização era em meio a vegetação densa do Jardim Botânico, um Rio de Janeiro oculto para muitos de seus moradores. Nem que Yuri quisesse vir até ali, ele saberia como chegar, então não foi completamente desonesto ao aceitar a carona da colega de turma.

Na área externa da enorme casa de três andares havia um buffet, algumas mesas e assentos espalhados ao redor de uma grande piscina. Várias pessoas estavam espalhadas por ali, a maioria com um copo de bebida na mão, aproveitando para conversar longe da barulheira que vinha do interior.

— Vocês tão vendo ele em algum lugar? — Guiga perguntou, referindo-se a Vicente.

— Deve estar lá dentro — Alice respondeu, com os olhos varrendo a área externa ainda à procura do amigo.

— Vamos entrar — Guiga sugeriu.

— Vão lá, eu vou pegar alguma coisa pra comer — Yuri disfarçou, despedindo-se das duas em seguida.

— Qualquer coisa estamos lá dentro — a influencer falou, já sacando o celular para gravar o primeiro story da noite enquanto caminhava.


O único objetivo de Yuri era encontrar quem veio procurar, entregar a mochila e sair dali o mais rápido possível. Começou a andar entre as pessoas, olhando disfarçadamente para todo rosto que via no caminho. Devia ser pouco mais de 20 horas, talvez ainda desse tempo de estar em casa antes das 22.

Veio com a melhor roupa que tinha, o que não era nada comparado ao resto dos convidados. Queria passar despercebido, mas logo percebeu que não iria conseguir, uma vez que Bernardo fez questão de convidar cada alma viva do ICAES e agora o prédio inteiro parecia estar ali dentro.

Em sua busca, acabou se deparando com Fernando sentado num estofado branco de encosto alto e espelhado. Aproveitou-se que ele estava distraído com o celular e deu meia-volta, fugindo dali com passos longos. Ao olhar para trás, para se certificar de que não fora visto, esbarrou em uma moça que estava na beira da piscina. Teve que agarrá-la para evitar que os dois caíssem na água.

— Desculpe. Foi mal, tava com a cabeça longe — explicou-se.

A moça riu. Era Bruna, a caloura, que trajava um vestido branco de manga comprida e tinha cortado o cabelo mais curto do que era antes.

— Você — ela reconheceu, não parecia brava.

As mãos dela percorreram seus braços até chegar aos ombros. Foi então que se deu conta de que ainda a segurava e soltou-a de forma atrapalhada.

— Não seria incrível se nós dois caíssemos na água agora? — ela perguntou, com um sorriso no olhar.

Não. Seria uma tragédia. Você não imagina o quanto.

— Ia estragar nossa roupa. E essa é a única que eu tenho pra hoje — respondeu, tentando parecer bem-humorado. — Você veio com o Tatá?

— O Tavinho? Não. Esse só quis usar meu corpinho, como todos os outros — ela respondeu, não parecia triste. — E o seu namorado, cadê? Não queria ser a pessoa a te dar a notícia, mas acho que você é corno.

Yuri fez uma careta.

— Tá falando do Fred? Ele não é meu namorado.

— Deixa eu adivinhar... Ele também só quis te usar e depois jogar fora? — ela rebateu com uma nova pergunta.

Vai saber...

— Ele é só meu amigo — mentiu, tentando encerrar o assunto.

Bruna riu e então tomou a sua mão.

— Deixa eu ler sua mão — ela pediu, começando a traçar linhas com o dedo.

— Você é cigana? — perguntou Yuri, desconfiado.

Foi então que ele viu o homem que procurava saindo do interior da mansão, o que lhe fez recolher a mão bruscamente.

— Fica pra próxima — disse, dando as costas e deixando a caloura para trás.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora