Te vi na água

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Esperava encontrar uma água gelada, como era comum no Rio de Janeiro, mas a temperatura estava surpreendentemente agradável. As ondas se quebravam mais atrás, mas a força delas ainda chegava à margem, tentando empurrá-lo para trás, arrastá-lo de volta para a areia como uma oferenda rejeitada. Yuri resistiu ao impulso de seguir o fluxo, ficando onde estava, com a respiração acelerada e os olhos fechados; ignorava todos os barulhos de gente ao redor, focando apenas no som do mar, teve até a impressão de ouvir um longínquo canto de aves.

- Yuri... tá tudo bem? - perguntou Fred. Reconheceu-o apenas pela voz, abriu os olhos à sua procura e o encontrou parado bem ao seu lado. Era exatamente o que precisava.

"Ninguém vai saber", a voz de Hugo ecoou em sua cabeça, fazendo-o desviar o olhar. Não podia dizer nada para ele, mesmo que o seu silêncio pusesse todos em risco mais tarde. Então torceu para esquecer o que acabara de ver. O mar o ajudaria com isso.

- Sim - respondeu enfim, com a voz baixa.

Olhou para baixo, vendo a água acima da cintura.

- Você foi pegar uma água e depois veio pra cá sem falar com ninguém. A galera ficou sem entender nada. E eu também - Fred contou, encarando-o com um olhar analítico.

Já havia entrado no mar outras vezes desde o afogamento, mas nunca tinha avançado para além da altura dos joelhos. A sensação era perturbadora. Sentia vontade de voltar para a areia e ao mesmo tempo a vontade de seguir em frente, sentia medo e também euforia, sentia como se aquele não fosse o seu lugar, mas também como se o mar estivesse chamando por ele...

- Eu não quero voltar - Yuri sussurrou, repetindo o mesmo logo em seguida em um tom levemente acima.

- Ei, tudo bem - o outro encorajou, pousando a mão molhada sobre seu ombro. - Você já chegou até aqui sozinho. Pode fazer mais.

Yuri olhou para os lados, para frente, para baixo, a respiração ofegante e o coração acelerado.

- Eu não consigo me mexer - admitiu ele, com os lábios trêmulos, contemplando a infinitude do mar. E então flashes de memória daquele maldito dia surgiram em sua cabeça como uma onda, arrastando-o para a profundeza. Fechou os olhos e mordeu os lábios, tentando escapar daquilo.

Fred segurou em seu braço depressa e foi como se o resgatasse de volta para o presente.

- Eu tô com você agora - disse ele, com firmeza. - Nada de mal vai te acontecer. Eu prometo. - ele levou a mão até o rosto de Yuri e virou-o em sua direção com cuidado. - Confia em mim?

Os olhos de Yuri pararam sobre os olhos de Fred, que à luz do sol, se iluminavam como um bonito âmbar. De alguma forma, começou a se sentir mais tranquilo, menos eufórico e menos assustado. Tudo havia desaparecido, sobrando apenas ele. Fez que sim com a cabeça... não era a primeira vez que ele lhe pedia isso, e, de novo, respondera-lhe que confiava, talvez mais até do que fosse sensato confiar.

Munido dessa segurança, deu alguns passos para frente, até a água bater na altura do peito. Então parou, engolindo em seco.

- Por que não tenta boiar? - Fred sugeriu. - Eu não vou sair do teu lado. Não vou deixar o mar te levar.

Eu não preciso boiar, eu sei nadar, quis dizer, mas então sua confiança foi embora. Será que sabia mesmo? "Ele é um peixinho" lembrou-se da voz de Marcos dizendo. Faz tanto tempo...

Yuri respirou fundo, sentiu a água mais uma vez, e depois a mão de Fred em suas costas. Olhou para o amigo, buscando aquela confiança de antes, e então ergueu uma perna enquanto jogava o corpo para trás de forma hesitante. Ergueu a outra perna. Flutuou. Sua cabeça tocou a água e ele fechou os olhos para se proteger do sol. Estava flutuando, sentindo-se leve como uma folha num lago.

De repente, parou de sentir a mão de Fred o segurando e afundou.

Seus pés tocaram o fundo de forma atrapalhada, como se tivessem amarrados. A água salgada invadiu sua boca e o terror daquele dia se apossou de todos os movimentos do seu corpo. Naquele rápido instante achou que iria morrer, mas Fred o puxou para a superfície. Não conseguia abrir os olhos totalmente, eles ardiam, a visão estava embaçada, mas ele estava ali, segurando em seus ombros, falando algo que Yuri não conseguia escutar.

- ... tava quase lá - a audição começou a voltar. - Não foi nada. Você não pode desistir agora.

- Vamos... voltar... eu... voltar - balbuciou entre uma tosse e outra. - Já deu... não consigo.

Yuri esfregava o rosto quando Fred pegou sua mão trêmula e levou-a ao seu peito, pressionando até os seus dedos se abrirem sobre os pelos que cresciam timidamente pela região. Yuri ficou paralisado, ouvindo a respiração de Fred, sentindo o ritmo estável das batidas de seu coração. De repente, teve a impressão de que o ritmo de seus batimentos equalizaram na mesma frequência do dele.

Se isso era possível ou não, não sabia dizer, mais estava se sentindo mais calmo e com os pensamentos em ordem, pronto para repetir a tentativa, e foi isso que fez, deixando a parte inferior de seu corpo ser erguida pela água.

- Eu vou tirar minha mão - Fred sussurrou ao lado dele. - Você não precisa de mim.

E ele fez o que disse. Dessa vez, Yuri não afundou, e manteve os olhos fechados, focando em não pensar em nada, apenas sentir tudo que estava ao seu redor. Fazia tanto tempo que não sentia aquela sensação que nem sabia o quanto sentia falta dela.

Lembrou-se da última semana em Lumiar, de como fora desafiado a enfrentar seus medos, a superar seus traumas e a buscar por coragem. Em algum lugar dentro de si, havia coragem, só precisava acessá-la, como fez quando foi preso ou quando se levantou para beijar Fred.

Virou e mergulhou na água, abrindo os braços e as pernas, batendo-os em movimentos familiares, como se nunca tivesse esquecido como nadar. E não esqueceu. Nadou até que seus pés não tocassem mais o chão, erguendo a cabeça para a superfície, abrindo os olhos e vendo onde estava. Começou a rir.

Fred parou ao lado dele.

- Você nadou, porra! - ele vibrou, com um olhar orgulhoso. - Eu devia ganhar um prêmio agora.

- Você? - Yuri achou graça.

- Por não ir aí te dar um beijo. É muito autocontrole - Completou.

Yuri bateu com a mão na água, fazendo-a espirrar na cara do mais velho. Afastou-se, rindo, e então mergulhou para não receber o troco. Nesse momento, sentiu-se feliz, completo, vivo.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora