O Agora

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Depois da ceia, Yuri ajudou Guiga a fazer alguns stories e ficou um tempo conversando com ela e com a professora Lumiar ao redor da fogueira. Quando voltou para o quarto, já era mais tarde do que o habitual, então imaginou que encontraria o colega dormindo, como na noite anterior. Entrou sem acender a luz, fechou a porta e atravessou o cômodo escuro até a cama vazia de maneira cuidadosa, evitando fazer barulho.

Sentado sobre a cama, começou a tirar o tênis, foi quando acendeu o abajur sobre a mesa de cabeceira e percebeu que, ao contrário do que esperava, Fred estava acordado e olhando para ele.

— Você não desceu pro jantar. Tá tudo bem? — Yuri perguntou, guardando o tênis num lugar adequado.

— Eu jantei mais cedo — Fred respondeu, sem se mexer. — Tá tudo bem com você?

— Sim — respondeu o mais novo, sentando-se em sua cama e recostando-se na parede fria de madeira. — Tô começando a achar que Dora tinha razão sobre me sentir mais leve depois de hoje. Desculpe por te fazer ouvir todas aquelas coisas.

— Eu fui atrás de você pra saber como tu tava, mas daí te vi conversando com Guiga e vazei — Fred começou depois de se sentar na cama, curvado, com os cotovelos apoiados nas coxas e o queixo apoiado nas mãos. Estava olhando para Yuri através da escuridão — Não quis interromper essa amizade repentina de vocês dois.

Yuri esboçou um sorriso involuntário.

— Preciso admitir que você tinha razão, Guiga consegue ser maneira quando não está ofendendo alguma minoria — disse ele.

— Eu sempre tenho — Fred gabou-se de um jeito animado, mas o outro percebeu que ele não estava sorrindo. Após alguns segundos de silêncio, ele acrescentou: — Yuri... tá tudo bem mesmo? Eu aprendi a identificar quando alguém está me evitando e você tá me evitando... Então me diz de uma vez, o que foi que eu fiz dessa vez?

O bolsista se ajeitou sobre a cama, ainda sentado. Sentia-se mal por fazer com que Fred se sentisse assim, mas não era mentira o que ele estava pensando. Cogitou negar, inventar uma desculpa, continuar assumindo a postura que havia adotado para se proteger, mas quando se preparou para pôr isso em prática, descobrira não ser tão cínico quanto Guiga.

— Eu gostei de você no primeiro semestre — confessou depois de uma longa pausa. Lá fora o vento agitava as folhas das árvores e os grilos cantavam sem descanso.

— Que história é essa? — Fred indagou, surpreso.

— Foi um lance bobo, você foi meu primeiro grande amigo homem e, por um momento, foi o único amigo que eu tive na faculdade. Convivendo com você, eu consegui entender que também gostava de caras... — Enquanto Yuri falava, Fred levantou-se e veio até a cama em que ele estava, sentando-se ao seu lado. — Depois você ficou com Bella, eu conheci o Fernando, tudo mudou.

— Eu nunca desconfiei... — o playboy murmurou, num tom incrédulo.

— O ponto é... que eu percebi que naquele tempo era mais fácil. Eu tava apaixonado por você, mas sabia que não havia possibilidade de existir qualquer coisa entre nós... e quer saber? No fundo, eu tava satisfeito com isso. Agora tudo mudou. Eu sinto que tô aqui só esperando a hora de tudo ruir, de você se cansar de mim ou perceber que na verdade é Bella quem você sempre quis. E quando isso acontecer... não vai ser legal. Por isso desde ontem eu venho tentando tornar mais fácil, entende?

Fred ficou calado por alguns segundos, olhando para Yuri como quem estava processando o que acabara de ouvir, talvez tentando lembrar de algum sinal, alguma dica que o amigo pudesse ter dado e ele deixara passar.

— Não — o playboy respondeu, por fim. — Yuri, eu sinto que a gente já teve essa conversa um milhão de vezes e que elas nunca levam a lugar nenhum. Nada que eu disser sobre o amanhã, vai te convencer. Então eu só posso esperar que você confie em mim hoje, agora. Você confia?

Yuri respirou fundo, pensativo. Fred sempre falava de um jeito convincente; quando estava com ele, era fácil que as dúvidas sumissem de sua mente como uma nuvem de fumaça carregada pelo vento. Viu-se concordando com a cabeça quando ainda nem tinha certeza se queria concordar.

— Hoje eu estou envolvido com você, e só você. Não tô a fim de mais ninguém e quando falo que isso não vai mudar é porque não vai mudar — ele continuou, pousando a mão sobre a nuca do mais novo e olhando fixamente para os seus olhos. — Então para de ser chato e ficar procurando motivos para me evitar. Eu não gosto disso.

— Vou tentar — prometeu Yuri, com uma expressão de culpa.

Fred se inclinou para um beijo.

— Valeu por não ter contado nada naquela época — agradeceu, acariciando suavemente o rosto de Yuri. — Eu era bem babaca, não sei como teria reagido. Provavelmente mal.

Sentados sobre a cama de Yuri, os dois escoraram as costas na parede.

— Aconteceu quando tinha que acontecer — concordou o mais novo, virando o rosto na direção do mais velho para comentar sobre uma dúvida que tinha: — Mas agora fiquei curioso, como foi que você começou a me enxergar com outros olhos?

Fred continuou olhando para frente, em direção da cama vazia.

— Ah... cedo ou tarde eu sempre acabava pegando minhas amigas, mas nunca tive vontade de beijar o Rafael, o Tatá ou você... até saber que você curtia caras, daí foi como se inconscientemente eu soubesse que essa porta estava aberta, que eu podia entrar nela, acho que todo cara sente isso, até com amigas, sabe? Quando você tem uma grande parceira que nunca teve nada — ele sorriu. — Mas só aconteceu mesmo depois daquele beijo que eu roubei no baile. Na hora foi inocente, eu tava apenas com raiva... depois também não me passou nada na cabeça. Até que uma noite eu sonhei com você... e em outras depois dessa também.

— Porra, um sonho? — Yuri interrompeu, em tom de brincadeira. Fred virou o rosto na direção dele.

— No começo eu achei que não era nada, que era mais uma ideia idiota criada pela minha cabeça. Mas quando a gente tava junto, eu sentia tudo, todos os sintomas que já conhecia de outros carnavais. E eu não ia conseguir me afastar, eu queria estar perto de você, eu me sentia bem estando perto de você. Naquele dia na roda gigante... Porra, eu estava louco de vontade de te beijar — confessou ele, Yuri notou uma certa timidez na forma com que ele virou o rosto para o lado.

— Ainda bem que não fez. Seria um grande problema.

— Ah, qual é! Vai me dizer que você não tava com vontade também — ele voltou a encarar Yuri.

— Claro que não — respondeu, dando de ombros.

— Mano, você tá mentindo — insistiu Fred, cutucando a barriga de Yuri.

— O que importa é que agora eu quero — provocou o bolsista.

Fred se inclinou em sua direção.

— Ah é? — sussurrou contra o seu rosto, o hálito cheirando a hortelã fresco.

E então eles se beijaram, deitando-se lentamente, o mais velho ficando sobre o mais novo.

— Eu acho que chegou a nossa hora de ir embora — Yuri falou, acariciando a nuca e o cabelo de Fred, referindo-se ao refúgio.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora