Sem Volta (Parte II)

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— Ela não pode contar nada pra ele. Não pode — Bella cochichou, com tensão na voz. Os três estavam “escondidos” no corredor enquanto Kate conversava com o namorado do lado de fora da casa.

— Mais um, menos um, que diferença vai fazer? — perguntou Vini, atraindo olhares de censura dos outros dois.

O coitado não faz ideia, e melhor que continue assim, pensava Yuri, quase se sentindo mal por deixá-lo de fora de todos os detalhes da trama que o envolvera.

— Ela não vai falar — garantiu para a amiga, embora não tivesse certeza de nada. O trio fazia o mínimo de barulho possível, como se Rafa fosse ouvi-los de lá.

— Rafa é um querido, mas não dá. Quando eu sair daqui, vou querer esquecer que esse dia existiu. E quanto mais gente se envolver nessa história, mais difícil vai ficar pra mim, entende? — Bella se explicou para Vini, omitindo propositalmente o real motivo de não querer que o irmão de Jenifer se inteire da sua situação.

O mais velho concordou com a cabeça, dizendo que não estava mais ali quem falou. Depois disso, os três permaneceram aguardando em silêncio.

***

Kate encheu um copo de água na cozinha para consumo próprio. Assim que terminou de beber, fuzilou Yuri com os olhos.

— Por que você não me contou esse pequeno detalhe antes? — ela lhe perguntou de maneira irônica.

Sempre ligeira nos pensamentos e na fala, a amiga de Jenifer conseguira inventar alguma desculpa qualquer para dispensar o namorado, tranquilizando Bella assim que retornara ao interior da residência. Depois chamou Yuri para uma conversa a sós em outro cômodo, deixando os outros dois batendo papo na sala. A chuva havia voltado a cair poucos minutos após a saída de Rafa e agora era possível medir sua intensidade a partir do barulho que causava nas telhas.

— Eu… É que... — tentou se explicar, mas a jovem lhe interrompera:

— Eu tive que mentir pro meu quindim, cê tem noção disso? Se ele descobrir, eu nem sei o que pode acontecer. Ele e Fred são praticamente irmãos, poxa! — Desabafou, com um ar impaciente e as linhas do rosto marcadas por tensão.

Sentiu-se culpado por isso, mas o que podia fazer? Não esperava que Rafa fosse aparecer ali e achava que Kate não compartilharia o drama de Isabella com o namorado. Se bem que devia de ter imaginado que ela podia comentar, e que Rafa poderia levar para Fred, que chegaria a conclusão mais óbvia do fato… então, no fim das contas, foi como tinha que ser. 

— Ele não vai descobrir. Não vai sair daqui — disse a amiga, tentando tranquilizá-la.

— Espero que você esteja certo... Odeio ter que mentir pra ele — ela cruzou os braços, escorando-se na geladeira com a expressão de quem não estava totalmente convencida. — E você, criatura, por que entrou nessa? Ela já sabe que vocês dois andaram se…

— Não! — percebeu que havia falado mais alto que gostaria e abaixou o tom da voz em seguida: — Bella não pode desconfiar de nada… Eu… Ela me pediu ajuda e eu não consegui negar.

Kate balançou a cabeça com um ar de reprovação, depois, encarando-lhe com um olhar inquisidor, perguntou:

— Você tem certeza que é só isso? Que você só tá querendo ajudar?

A pergunta da anfitriã veio como um soco no estômago de Yuri, que começou a sentir um frio percorrendo a espinha, afrouxando nós que mantinham presos alguns demônios dentro de si. Não é nada disso, disse a si mesmo num primeiro momento, acalmando as bestas.

— Sim… ué. Ela só tem a mim aqui na cidade… você sabe que Jenifer jamais aceitaria isso que estamos fazendo — justificou-se, com a cabeça baixa, escondido da visão atenta de Kate.

— Você tá me dizendo que não existe nenhuma parte aí dentro, uma partezinha que seja, que tá torcendo para que esse bebê não venha ao mundo?

O demônio agora estava inteiramente livre, passeando por todo seu corpo como uma besta no campo, devorando-o com seus dentes afiados e destroçando-o com suas poderosas garras. 

— Eu… — começou a catar as palavras, levando a mão ao pescoço, apertando-o de maneira ansiosa, — eu não podia pensar isso… Eu… Eu sou um monstro, não sou? — confessou, a voz frágil como o piado de um pássaro ferido.

Kate fez um som com a boca e lhe puxou para um abraço.

— Você é humano, bombonzinho, — disse ela, acariciando-lhe com ternura a parte de trás da cabeça, — eu no teu lugar ia querer o mesmo. — Afastou-se alguns centímetros, e então começou a afagar-lhe o rosto enquanto lhe encarava com um olhar afetuoso. — Só tenha cuidado pra não se machucar.

Yuri refugiou-se nos braços da amiga novamente. Não tinha noção que precisava tanto daquele afago até a chegada desse momento. Falar sobre isso estava sendo como tirar um peso de seu peito, algo que ele não conseguia nem mesmo pensar sem se sentir o pior dos homens.

De repente, Vini surgiu na cozinha com uma aura de tempestade.

— Kate, Kate… É a Bella!

Todos correram até a jovem, que estava em pé na sala, com a mão no ventre e uma expressão de dor, tomada por, segundo a mesma, fortes cólicas.

— Venha, me ajude a levar ela pra banheiro — instruiu a dona da casa.

Parado como uma estátua no meio da casa, Yuri assistiu quando Vini e Kate seguraram Isabella em cada lado e começaram a conduzi-la até o banheiro. As duas garotas ficaram lá, trancadas, e o outro veio até ele.

— Vai dar certo — Vini falou, o que soou mais como uma oração do que com uma promessa.

E Yuri rogou para que o amigo estivesse certo.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora