Retrospecto

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Não era a primeira vez que Fred e Yuri chegavam juntos ao ICAES, mas agora era diferente e a culpa era inteira do playboy, incapaz de controlar seus terríveis impulsos. Os dois deixaram o estacionamento lado a lado, o mais velho não parecia ter nenhuma preocupação, ao contrário de Yuri, que andava olhando para os lados como se quisesse se esconder de alguém. Notando isso, Fred não deixou de lançar suas provocações.

— Qual é, Yuri? Tá ficando pra trás, quer que eu segure sua mão? — Ele brincou. — Ou prefere um beijo?

— Você só vai parar quando ficar com um olho roxo — Yuri ameaçou, com um pouco de brincadeira, um pouco de irritação.

Quando saíram do estacionamento e entraram na instituição, deram de cara com Isabela, que estava chegando. Os três se olharam com estranheza por alguns segundos e então a menina seguiu o seu caminho.

— Eu vou esclarecer tudo com ela — Yuri prometeu a Fred, que estava com um semblante sério.


***


Yuri encontrou Bela e Jenifer conversando e se juntou a elas de forma acanhada. Mesmo sabendo que não fez nada de mal, não conseguia deixar de se comportar como uma pessoa com culpa no cartório. Jenifer foi logo avisando que estava chocada com as novidades, perguntando o porquê ele não ter comentado nada com ela sobre o que estava rolando com Fred. Yuri tentou explicar que o beijo foi apenas uma gracinha da parte do veterano, mas descobriu que precisava falar mais do que isso para convencer as amigas.

— Por que você nunca me contou que tinha um crush pelo meu ex? — Bela perguntou, de repente.

Yuri ficou envergonhado e nervoso, imaginou que Jenifer deixara escapar essa informação para Bela ao ouvir a fofoca de Sexta.

— Quando Jeny me rejeitou, eu reagi muito mal — começou Yuri, alternando o olhar entre as duas confidentes. — Me convenci de que deveria ser como esses playboys daqui para que você me desse atenção...

— Yuri... — Jenifer censurou.

O rapaz a ignorou e continuou a sua história:

— Então foi quando comecei a andar com Fred e inconscientemente ele alimentou esse lado reativo meu. Ele me levava para essas baladas de playboy, para clubes chiques, para casa de colegas ricos, para shows... E a gente bebia, pegava algumas meninas, reproduzia todo esse comportamento idiota. De alguma forma, eu acabei me acostumando com tudo que sempre desprezei.

— É, nós nos lembramos — Bela comentou.

— Eu não conseguia entender essa relação de vocês. Na verdade, até hoje não entendo — completou Jenifer.

— Tudo mudou de repente, quando finalmente entendi que eu estava tentando desesperadamente fugir de mim mesmo. E não era coisa daquele momento, era a história da minha vida inteira. Isso aconteceu quando me vi atraído pelo Fred, muito mais do que fiquei por Jeni ou qualquer uma daquelas garotas que fiquei enquanto andava com ele — Bela e Jenifer trocaram um olhar silencioso. — Eu tentei afogar isso dentro de mim, mas não consegui. E por isso sou grato a Fred. De alguma forma, mesmo que todo esse tempo saindo juntos tenha sido uma bagunça, essa fase foi o primeiro passo que dei para me entender melhor.

— Meu deus, Yuri — Bela exclamou. — Então todo esse tempo você foi apaix...

O rapaz não deixou a amiga continuar a pergunta, e deu continuidade a sua fala:

— Não! Eu achei que gostava dele, é verdade, mas descobri que era mais uma questão sobre mim mesmo. Fred foi um lance de descoberta. Quando Fernando apareceu, ficou claro para mim. Com tudo que tava acontecendo, eu e Fred fomos nos afastamos cada vez mais, vocês lembram? Agora nesse semestre voltamos a andar juntos. E está tudo muito melhor que antes. Hoje eu me conheço melhor, sei o que eu quero, e ele também sabe disso tudo. Nunca nos entendemos tão bem quanto estamos nos entendendo agora — um meio sorriso se desenhou no rosto de Yuri. — É isso que somos, bons amigos e nada mais. Eu ainda não esqueci o Fernando, por mais mentiroso que ele tenha sido. E Fred... Ele ainda gosta de você — Yuri admitiu.

Bela ficou mexida após a última fala do rapaz.

— Eu vou estar mentindo se disser para vocês que não sinto a falta dele — confessou ela. — Mas a minha vida está melhor agora. Não quero ficar olhando para trás.


***


Yuri chegou ao ponto de ônibus sozinho. Estava sentado lendo um livro acadêmico enquanto esperava pelo seu ônibus quando percebeu alguém sentar ao seu lado.

— Pontos de ônibus às vezes guardam história — Fernando apontou, analisando a estrutura de metal.

O bolsista verdadeiro fechou o livro e encarou o outro.

— Ainda está brincando de ser pobre? — perguntou Yuri, sem impor um tom muito crítico a voz.

— Não foi só pra você que eu fingi, lembra? Tenho que manter minha história. Sou grato a você por não ter me exposto.

Yuri encarou o rosto do ex em silêncio por um breve momento.

— Eu não faria isso, você sabe — disse, e então virou o rosto para a rua, para ver se o ônibus que estava chegando era o seu. Não era.

— O Fred não vai te levar para casa? Eu vi que vocês estão juntos agora...

Naquele momento, Yuri compreendeu o que levou o playboy a roubar um beijo seu na frente de todos. A ideia de que a pessoa que te magoou está sofrendo ao imaginar que você está bem e em outra, tinha realmente um sabor agradável. Mas era fugaz, uma ilusão breve. Ele pensou em mentir, deixar o ex se afogar em suas suposições, mas não podia fazer isso.

Fernando não esperou pela resposta de Yuri:

— Quando a gente tava junto, eu suspeitava que você tinha sentimentos por ele, só não imaginava que... enfim, espero que você não termine se machucando.

— Como? — perguntou Yuri, confuso. — Você tá viajando, Nando. Eu e Fred não temos nada além de amizade. Aquilo foi só mais uma das muitas besteiras que ele costuma fazer.

O ônibus de Yuri finalmente chegou. O rapaz guardou o livro na mochila e se levantou para esperá-lo.

— Yuri. Me desculpe por ter falado todas aquelas coisas para você antes — Fernando pediu, em pé ao lado do passageiro. — É que eu ainda sinto muito a sua falta.

Yuri não disse nada, apenas lançou um olhar demorado para Fernando antes de subir no ônibus. Por mais que tentasse negar para si mesmo, toda essa situação o fez ficar estremecido. Era tudo tão familiar, tão nostálgico, que ele não conseguia evitar de sentir a vontade desesperada de descer daquele ônibus e ficar ali com o ex, juntos como naquela noite no semestre passado. Mas não foi isso que fez, lembrou-se das palavras de Bela sobre não querer olhar para trás, respirou fundo e seguiu em seu trajeto para casa.



Quando o ônibus desocupou e Yuri finalmente encontrou um assento livre, ele pegou o celular e conferiu as mensagens. Não tinha rede agora, mas as mensagens já tinham chegado, provavelmente enquanto ele ainda estava no ICAES. Vini tinha mandado um áudio para ele. Yuri colocou o fone para ouvir:

— Ei Yuri, como você tá? Cara, queria saber se o lance do DCE ainda está em pé. Não é por mal, mas é que você tem andado muito com Fred ultimamente e isso me preocupa. Podemos mesmo contar com você?

O rapaz ficou encarando a tela do celular por algum tempo, pensando no convite que Fred lhe fizera na noite anterior. Não havia dúvidas sobre qual chapa ele queria entrar, mas mesmo assim seu coração estava aflito, e isso era péssimo. Após sentir um pouco de tontura de tanto olhar para a tela do aparelho, Yuri finalmente decidiu mandar um áudio para Vini:

— Estou com vocês, pow! Pode confiar. Período que vem esse DCE será nosso!

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora