Armistício (Final)

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O silêncio desconfortável pairou sobre a mesa de jantar por alguns minutos, trazendo amargor à refeição. Nesse meio tempo, Yuri começou a se perguntar como era possível que duas pessoas, que até poucos dias atrás se diziam amigos – e até mais do que isso –, conseguiam olhar um para cara do outro como se fossem meros desconhecidos. Será que havia alguém que era mais culpado ou eles dividiam a culpa por igual? A culpa não é minha!, refletiu em silêncio, lembrando-se da noite passada, das palavras que foram ditas para Bella, de como, enquanto estava encolhido e escondido naquele sofá, sentira-se como se a história que vivera com ele não tivesse nenhum valor. Agora que estavam sozinhos era a oportunidade perfeita para confrontá-lo.   

— Eu... acho que vou dar um jeito nessa louça — disse, por fim, deitando o olhar para os pratos e talheres sujos que estavam sobre a mesa após desistir do que realmente queria dizer. Covarde. O interesse de retribuir a recepção do casal e o almoço delicioso trazido por Kate até podia existir, mas a verdade era que pretendia usar a louça apenas como desculpa para escapar da situação de desconforto com Fred, e este certamente sabia disso.

— Eu ainda não terminei de comer. Depois eu lavo a minha parte, pode deixar — o outro falou, sem emoção na voz.

Yuri fez uma menção de que iria se levantar, mas ao ver o presidente do DCE rindo para a tela do celular, desistiu de desistir e se sentou novamente, enchendo-se de coragem.

— E Bella, cadê? Por que não trouxe ela com você? — lançou a pergunta de supetão.

Fred ergueu a cabeça, encontrando seus olhos. Parecia incrédulo.

— Você tá insinuando alguma coisa? — respondeu-lhe com uma acusação, largando o celular sobre a mesa, ao lado do prato em que estava comendo.

— Eu vi vocês dois ontem à noite — revelou, sem intenção de explicar onde exatamente os vira.

Fred soltou um suspiro cansado, olhou para o prato e começou a juntar uma porção de lasanha no garfo.

— Você não tem nada a ver com isso — disse antes de levar a refeição à boca.

O desdém do playboy fez seu sangue ferver de repente.

— Não mesmo — concordou, em seguida começou a falar sem pensar: — Só achei engraçado que você ficou tão puto por eu fazer parte da oposição e agora tá aí, com Bella, que é da mesma chapa que eu. Um pouco contraditório, não acha?

Fred esboçou um sorriso enquanto mastigava, mantendo um olhar julgador sobre Yuri.

— Bella nunca mentiu para mim, nem acha que eu saio por aí levando as pessoas pra cama só pra conseguir votos.

Um sorriso involuntário subiu aos seus lábios.

— Na moral, sabe no que tu é mestre, Fred? Em supervalorizar as coisas, fazer tempestade em copo d'água.

— Sou? Tá bom então — ele ironizou, o olhar no prato a sua frente. — Antes você dizia que eu era bom com outras coisas, lembra?

Sentiu uma vontade repentina de atirar uma torta na cabeça dele, iniciar uma daquelas guerras de comida que já viu acontecendo em novelas, mas sua vida, infelizmente, não estava sendo escrita por Walcyr Carrasco.

— Preferia não lembrar. — Ah, se tivesse como... — Com licença — pediu, levantando-se.

— Sabe Yuri, é engraçado você ter comentado sobre Bella — disparou Fred antes que o ex deixasse o lugar.

— Não entendi — rebateu, encarando-o com confusão.

— Não foi só você que me viu na noite passada, eu também te vi por lá, sabia?

Sim, eu sei, Yuri quase revelou, mordendo o lábio inferior antes que as palavras lhe escapassem da boca. Jamais permitiria que ele soubesse da humilhação que enfrentara naquele estofado.

— E daí? Eu fui com Guiga e Alice, mas meti o pé cedo — justificou-se, olhando-o de cima. 

— E daí que tu vem aqui todo cheio de moral apontando o dedo pra falar sobre Bella e eu enquanto tá saindo com o Guz.

— Eu o quê? — Soltou, tão desorientado que acabou se sentando de volta na cadeira.

No primeiro instante, foi como se Fred tivesse falando sobre uma outra realidade, um mundo paralelo que não o seu. Mas logo as lembranças da noite passada vieram a sua cabeça como a correnteza de um rio, fazendo-lhe entender a origem da acusação.

— Eu tô errado? — ele empurrou o prato com resto de lasanha para frente, indicando que não iria mais comer. — Se eu tiver, queria que você me ajudasse a entender o que é que os dois foram fazer juntinhos nos quartos lá de cima.

Sentiu-se, de repente, acuado, como se tivesse sido pego no flagra pelo namorado e precisasse esclarecer o mal-entendido, mas o que iria dizer? Era a verdade ou essa história que ele criou na cabeça, e a verdade envolvia pessoas que não podiam ser expostas. E também não era só isso, acabara percebendo mais uma coisa durante a conversa, tinha medo do que Fred pensaria se descobrisse que ele fez a vez de "mula" num esquema de tráfico de drogas.

— Viu? — O mais velho continuou diante de seu silêncio, os lábios repuxando em um sorriso tênue, de desgosto. — Mano, eu cansei de me sentir errado quando tô perto de você — disparou, com um ar sério. — Hoje eu sei que esse pedestal que tu se coloca pra enxergar o mundo é feito de papel.

Um silêncio pesado caiu sobre eles. Yuri fitou as unhas da mão esquerda, refletindo sobre a acusação lançada pelo amigo de Rafa, então percebeu algo e decidir se defender:

— Deixa eu ver se entendi direito, tudo bem você ter ficado com Bia e sei lá mais quem na mesma semana em que a gente terminou, mas eu sair com alguém é um absurdo?

Fred ficou quieto, uma expressão pensativa se formou em seu rosto, como se tivesse procurando uma resposta. A que encontrou foi a mais esdrúxula de todas:

  — É — respondeu ele, simples assim. 

Yuri bufou, balançando a cabeça sem acreditar no que acabara de ouvir. Vendo sua reação, Fred decidiu acrescentar:

 — Eu sou eu. Você é você.

 — E o que isso tem a ver?  — rebateu, sentindo a sobrancelha se erguer como se tivesse vida própria.

 — Não se faça de burro, Yuri. Você não consegue ficar com qualquer um, faz sempre uma novela — ele argumentou, recostando-se na cadeira.

Um sorriso irônico se formou em seus lábios.

 — Lembra quando você tentava me ensinar a pegar geral no primeiro período? Talvez eu finalmente tenha aprendido.

Fred ficou quieto novamente, olhando para o ex como quem estudava-lhe o rosto.

— É, vai saber... — disse num tom de mistério antes de se levantar. — Já deu minha hora. Fala pra Kate que a lasanha tava uma delícia, que eu to dando minha benção pra que ela se case com Rafa. — ele pegou o celular, a carteira e as chaves que estavam sobre a mesa, guardando-as nos bolsos da calça. — Guzman mora nesse prédio, é só você subir uns andares que talvez encontre ele lá. — Ele deu uma piscada em sua direção. — Mas isso você já deve saber.  

Yuri continuou sentado enquanto Fred passou em direção à sala. Não demorou a ouvir a porta do apartamento bater atrás de si, anunciando que ele realmente fora embora.



Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora