Aceitação

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Sozinho em seu quartinho improvisado, Yuri cometeu o maior erro que alguém poderia cometer antes de dormir, pegou o celular para iniciar uma sessão de stalker. Passou de um story a outro em busca de algum vislumbre do senhor Frederico, e não foi difícil encontrar o que estava procurando. A calourada podia ter acabado para ele, mas para o maior representante dos estudantes do ICAES a noite estava apenas começando. Num story de Alice, viu-o incentivando os amigos a virar doses de alguma cachaça, de papo com uma moça desconhecida no fundo de um boomerang do Tatá, dançando com Patrícia do quarto período de Letras em stories mais novos de Vicente, declarando amor a uma variedade de gente, infernizando o Simas... e então finalmente decidiu que já tinha visto o suficiente, desligando o celular para tentar salvar o que ainda restava de seu sono.

Se não conhecesse Fred tão bem quanto conhecia, talvez Yuri estivesse agora se afogando em um mar de mágoas, mas saber que era assim que ele reagia quando se sentia ferido lhe deixava mais tranquilo. Isso era um sinal de que, para Fred, o que eles dois viveram nos últimos dias teve uma importância real, um pouco que fosse... ao menos foi dessa forma que Yuri preferiu pensar para encontrar algum consolo.

Ao virar-se para o lado, percebeu o canto vazio no colchão, abraçando a si mesmo e se encolhendo como se estivesse com frio. Yuri sabia que não era a temperatura que o incomodava, e sim o desejo desesperado de que Fred estivesse ali com ele, deitado bem ao seu lado, arrancando-lhe uma risada sincera com alguma bobagem que costumava dizer. Estava sendo o momento do dia em que mais sentira a falta dele desde que se falaram pela última vez. Por que as coisas tem que ser assim?, lamentou em silêncio, tentando ignorar o buraco imenso que crescia em seu peito e buscando alguma boa razão para se convencer de que aconteceu o que tinha de acontecer.

O problema era que sempre que fechava os olhos, recordava-se imediatamente de toda a conversa que tiveram na sala do DCE, ficando angustiado. Virava-se de um lado a outro no colchão, tentando evitar aquelas lembranças, em vão, até finalmente desistir de dormir, ficando parado com a barriga para cima, fitando o teto escuro do quartinho na garagem de Dona Sol. Em algum momento da noite, começou a adotar uma estratégia diferente. Já que não conseguia parar de pensar em Fred, voltou os pensamentos para os momentos bons, e isso abriu uma porteira para que as memórias mais doces passassem.

De repente, foi como se conseguisse ouvir o som encantador da gargalhada dele em seu ouvido, sentir suas mãos passeando por sua pele, seus braços envolvendo-o em um abraço quente, o sabor da sua boca... e foi assim, fantasiando que dividiam a cama mais uma vez, que conseguiu pegar no sono.


***


— Vocês dois são muito difíceis de entender, eu desisto — concluiu Jenifer, coçando a cabeça com uma expressão de cansaço. Ela estava sentada ao seu lado no ônibus enquanto Kate estava no assento da outra ponta, conversando com a senhora Luíza sobre os preparos dos sanduíches que estava levando para vender no ICAES.

— Não tem o que entender mais, simplesmente acabou — respondeu Yuri, com uma postura conformada.

— Pois é amigo, vocês vão virar adversários políticos, como é que você imaginava que isso ia acabar? — ela inquiriu enquanto o encarava de um jeito misterioso.

Yuri soltou um suspiro e virou a cabeça para observar o trânsito através da janela. A verdade é que nunca tinha parado para pensar nisso de forma séria. Durante todos os momentos felizes que tiveram juntos, sua maior preocupação era a situação com Fernando e a forma com que os colegas e familiares iriam reagir quando descobrissem sobre eles. Talvez porque nutrisse uma fantasia dentro de si quanto às eleições:

— No fundo eu esperava que ele me desse força, me aconselhasse sobre esse processo... — confessou para ela e para si mesmo, num tom de voz chateado —, mas o que rolou foi que ele não conseguiu aceitar que eu não vou ser um cachorrinho que abana o rabo e faz todas as vontades dos donos da universidade.

Jenifer ficou em silêncio por alguns segundos e então sugeriu:

— Talvez ele realmente tenha ficado chateado por você não ter aberto o jogo desde o começo, já pensou nisso? Porque tipo, eu também ficaria chateada no lugar dele, mas não seria o fim do mundo! Se você procurar ele pra conversar, pode ser que...

Yuri balançou a cabeça, sério.

— Não vou procurar ninguém — decretou rapidamente. — Ele deixou claro que o DCE é importante para ele. Então agora nós vamos ser adversários, não tem como mudar isso.

— É claro que é importante amigo, ele já era do DCE antes de te conhecer — Jenifer falou num tom quase irônico. — Eu sei que sempre achei a chapa atual uma piada de mau gosto, mas deixando esse aspecto de lado e falando só de vocês, quer saber o que eu to achando agora? Que você quer que ele abandone as eleições e apoie a sua candidatura enquanto Fred quer que vocês disputem essa batalha juntos. No fundo deve ser isso que aborrece vocês, saber que cada um terá que seguir um caminho que o outro não tem como fazer parte... e se nenhum dos dois vai ceder, não tem como conciliar — a crente deu de ombros. — Ah, nem deu tempo de Bela desconfiar de nada... você vai contar pra ela?

— Não vejo necessidade de falar de algo que não existe mais. Melhor assim — Yuri respondeu, encolhendo-se no seu assento.


***


Chegaram um pouco antes da hora, a manhã estava nublada, mas não parecia que ia chover. Yuri andava rápido, a dois passos a frente de Kate e Jenifer, que vinham conversando sobre a situação do Theo; recentemente absolvido das acusações de estupro, o pai de Rafa e Jeni agora pagava de grande empreendedor carioca longe de todos que conhecia. Um absurdo sem tamanho que causava dor em muita gente.

Ao passar pela entrada e chegar próximo aos degraus, Yuri identificou um homem de óculos escorado numa parede com os braços cruzados, assim que os viu, ele fez um aceno com a mão e caminhou até o trio.

— Fernando... —  Yuri o cumprimentou sem saber ao certo o que fazer. Não estava nenhum pouco preparado para vê-lo agora. — Pensei que...

— É, eu só vinha amanhã, mas decidi antecipar a viagem. Precisava te ver — adiantou-se o paulista, acenando para as meninas e depois voltando a atenção para Yuri que estava bem diante dele. — Será que a gente poderia conversar?

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora