Guzman

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- Você sabe o que eu vim fazer aqui... - afirmou, ainda de pé do lado de fora. - Tá sozinho?

- Olha, não sou gay nem nada, mas sabe como é, uma boca é uma boca, não tem gênero - o dono do apartamento brincou vendo Yuri passar pela porta.

Enquanto olhava para todos os cantos à procura de alguma alma viva, Yuri concluía seu julgamento sobre Guzman, decidindo que ele era o típico playboy escroto que dominava universidades particulares Brasil afora. E era dessa pessoa que ele viera implorar por empatia.

- A gente precisa conversar sobre a festa de ontem - cortou, num tom de voz sério.

Havia bagunça por todos os lados: peças de roupa jogadas no sofá, garrafas vazias esquecidas sobre qualquer tipo de plataforma, sandálias no meio da passagem, fora o odor, um cheiro tipicamente masculino que servia como mais um indício de que não havia outra pessoa morando ali com ele.

- Foi uma merda, não foi? - disse Guzman ao fechar a porta. Depois começou a atravessar a sala indo até a cozinha. - Aceita uma cervejinha?

Yuri respondeu que não com a cabeça.

- Guzman, papo reto, preciso que me responda uma coisa... Tu vendeu algo pra Bruna?

O dono do apartamento desistiu de ir buscar a bebida e deu alguns passos de volta em direção ao visitante.

- Não... - respondeu-lhe após soltar fumaça pela boca.

E, naquele instante, Yuri respirou aliviado, como alguém que tirava todo peso do mundo das costas, sentindo até os ombros se curvarem. Guzman, que o encarava a um metro de distância, pareceu ter percebido isso.

- Mas daí eu não sei, alguém pode ter dividido com ela.

Pronto. Voltou à estaca zero.

- Se ela usou alguma parada, eles vão descobrir e vão investigar essa porra. Você sabe disso, não sabe? Porque eu não to conseguindo entender como é que tu consegue ficar tão tranquilo assim, como se nada tivesse acontecido - expôs, falando tão rápido que deve ter transparecido o nervosismo.

O mais velho deu de ombros antes de experimentar um novo trago no cigarro.

- Ninguém vai me entregar, relaxa... Eu conheço todo mundo ali, é uma galera que se acha Deus mas não passam de um bando de cuzões cheio de medo, e a maior fraqueza deles é a reputação. Ninguém ali quer ficar com fama de drogadinho - ele respondeu com muita tranquilidade, como se tivesse cem por cento de certeza do que estava falando.

As palavras firmes do traficante, porém, não lhe convenceram.

- Você não tem como saber. Basta uma pessoa dar com a língua nos dentes pra polícia chegar em você - falou, dando alguns passos e encurtando cada vez mais a distância entre os dois. - Eu tô com medo, mano. Muito medo - confessou, olhando bem nos olhos azuis do sujeito, ignorando a fumaça que vinha até seu rosto. - Se chegarem em você, chegam em mim também. E daí tu vira o estudante de engenharia que foi pego vendendo drogas e eu o traficante. Consegue entender?

A expressão do anfitrião não lhe dizia nada, nem desdém e tampouco comoção, e isso lhe aterrorizava.

- Eu não queria tá nessa situação, cara - fungou, percebendo que os olhos haviam ficado úmidos de repente. - Só quis ajudar um amigo. Eu não acredito na política antidrogas, mas também não me meto com essas paradas. E agora... minha vida pode ter acabado pra sempre - concluiu seu apelo, expressando toda angústia que estava sentindo.

Guzman ficou em silêncio por alguns segundos, apenas lhe encarando profundamente com a mesma expressão misteriosa de antes, até que pousou uma mão sobre seu ombro e decidiu lhe responder:

- Eu tô ligado na sua, mas fica suave. Se por um acaso chegarem até mim, eu não vou falar nada de você. Prometo.

- Real? Sem caô? - perguntou, surpreso e desconfiando quanto a validade daquela promessa. Era o que queria ouvir quando decidira procurá-lo, mas não esperava ouvir de fato.

- O que eu ganharia fodendo você assim? - lançou a pergunta para o ar enquanto caminhava até um cinzeiro sobre a bancada, em que apagou o cigarro e largou a bituca entre várias outras. - Pode não parecer, mas eu não sou nenhum sacana.

Talvez pudesse estar sendo ingênuo, mas sentiu sinceridade nas palavras do colega. E isso ajudou a diminuir o peso sobre suas costas.

- Obrigado, Guzman. De verdade - agradeceu, seria capaz até de ajoelhar se ele assim lhe pedisse. - Eu nem consegui dormir ontem a noite fritando com essa parada.

- É, tô vendo. - Uma sugestão de sorriso subiu aos lábios do mais velho. - Aceita a cervejinha agora?

***

Desceu o elevador mais tranquilo do que estava quando subira. Era cedo para se sentir culpado pelo que aconteceu com Bruna, talvez ela não tivesse usado nada, talvez seu único erro tenha sido não perceber nenhum sinal nas poucas vezes em que trocaram algumas palavras, talvez fosse inútil buscar qualquer explicação...

Atravessava o térreo rumo a saída quando foi surpreendido com um rosto familiar olhando para ele.

- Yuri? - Rafael estava vestido de forma casual, uma bermuda e uma camiseta verde. - O que você tá fazendo aqui?

Ele não estava sozinho, Kate estava ao lado dele, pendurada em seu braço.

- ÉÉÉ... eu tava por perto e Kate me chamou pra almoçar com vocês - mentiu, olhando para a amiga de Jenifer com um olhar de quem pedia por ajuda.

Kate arregalou os olhos e então disfarçou

- É... Chamei - disse ela, meio que entre os dentes.

- Que estranho, você não comentou nada comigo - Rafa estranhou, o cenho franzido de desconfiança.

- Eu devo te esquecido. Sabe como é... - ela se justificou, dando um olhar tranquilo para Yuri.

- Mas se eu tiver atrapalhando vocês, posso ir embora, não tem problema - falou, desejando que fosse uma refeição a dois e que, assim, pudesse ir embora.

- Que nada, Yuri. Você é sempre bem-vindo em minha casa! - Rafa falou, sempre receptivo. - Agora bora subir, Fred já tá lá esperando.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora