Águas de Março

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Fred chegou por volta das 18 horas do domingo. Trouxe algumas sacolas com pertences de Yuri, surpreendendo-o ao falar que tinha ido em sua casa e que, com ajuda de Vanessa, conseguiu falar com Dona Edileuza. A mãe de Yuri estava aflita e triste com o que estava acontecendo, explicara o playboy, e disse também que o marido não queria que ela fosse encontrar o filho e que ia esperar a poeira baixar para vir até a casa de Sol fazer uma visita. Yuri disfarçou que estava tudo bem, mas sentia muito pela mãe e não iria procurá-la para não causar problemas... também para não correr o risco de olhar para o pai novamente depois de tudo que ouvira da boca dele.

Enquanto Sol e a sua família foram para o culto dominical, Yuri e Fred foram para um barzinho do bairro. O mais novo não quis ir para longe, pois tinha medo de perder a hora e acabar preocupando a sua anfitriã, decidindo que ficar por perto era a melhor opção.

— Eu tava mesmo precisando disso aqui — disse o rapaz, erguendo o copo americano cheio de cerveja.

Fred esboçou um meio sorriso, batendo com os dedos de uma das mãos na mesa de plástico.

— Fiquei assustado pra caralho ontem — Fred revelou, encarando o amigo de um jeito sério — Tive medo de você estar caindo no mesmo abismo que o Rafael caiu. Não to a fim de ver alguém que eu gosto muito nessa situação novamente, assistir a tudo sem conseguir fazer nada para ajudar.

Yuri não soube o que falar, ficou só ouvindo. Deveria pedir desculpas? Já o tinha feito várias vezes enquanto ainda estavam na casa de Sol. Ele pegou seu copo em silêncio e bebeu toda a cerveja que havia nele.

— Me promete que isso não vai acontecer com você? — Fred pediu, logo em seguida sugeriu que o amigo procurasse por um psicólogo, que se ele quisesse, ele teria como conseguir um pelo ICAES. Yuri desconversou.

— Como você consegue? — foi a vez do mais novo perguntar. Fred deu a ele um olhar confuso, obrigando-o a continuar: — O lance com teus pais...

— Ah, isso... — o playboy encheu o seu copo com cerveja. O litro havia secado, e ele fez um sinal pro balcão pedindo outro. — A verdade é que eu nunca conheci esse tipo de relação familiar. Sempre precisei procurar pelo afeto dos meus pais, e fiz muitas e muitas vezes, até que um dia eu cansei. Hoje somos meros estranhos vivendo sob o mesmo teto. Então é algo que eu não sinto falta, tá ligado?

Yuri fez que sim com a cabeça, Fred deu alguns goles na cerveja e começou a contar uma história:

— Quando eu tinha uns dez ou onze anos, meu irmão adoeceu. Uma infecção, algo que ele comeu que o deixou muito mal. Um dia, enquanto ele estava internado, eu e o Rafa tivemos a ideia de aprender a andar de skate, e deu muito ruim. Eu acabei caindo e quebrando o braço. Tia Clara me levou pro hospital. Até hoje eu lembro como eu tava apavorado, chorando de dor e tudo que meus pais me disseram foi "você conseguiu o que queria, chamar atenção". Depois desse dia eu não esperei mais nada deles.

Yuri estava em dúvida se se sentia mal pelo amigo ou se o invejava. O que era pior, nunca conhecer esse tipo de amor ou conhecê-lo e um dia tê-lo arrancado da pior forma possível de você? O rapaz não sabia dizer.

— Mesmo? No fundo, no fundo, tu não queria ser amado por eles não? — Yuri insistiu, estudando as feições do amigo.

Fred respirou fundo, com um ar pensativo.

— Mano, eu tenho o Rafa, o Tatá, as meninas... você. Vocês são suficientes para mim.

Nesse instante Kate chegou ao bar, percebendo a presença de Fred e vindo até eles.

— Não acredito no que tô vendo. Qual foi playboy? Errou o caminho de casa?


***


O tempo passou depressa com eles, embora Yuri não tivesse certeza se devido a companhia ou por causa da bebida. Conversaram sobre alguns assuntos banais e outros nem tão banais assim, Yuri se sentiu confortável (e falante por causa do álcool) para contar sobre o que aconteceu com seus pais, embora não tenha revelado tudo que ouviu deles, enquanto Fred e Kate se implicavam e flertavam de quando em quando, de modo que o mais novo chegou a pensar que pudesse estar sobrando.

Por volta das 21 horas, eles deixaram o bar e foram para casa de Sol, que havia chegado da igreja com a família. Uma chuva começou a cair em Piedade, e isso preocupou a dona da casa, que percebendo que Fred havia bebido, sugeriu a ele que passasse a noite na casa dela.

— Faz assim, você passa a noite aqui com Yuri e amanhã vai para casa. Vocês dois são... — Dona Sol insinuou, sem terminar a frase.

Fred e Yuri trocaram um olhar confuso, até que o rapaz percebeu o que a mulher quis dizer.

— Não! — respondeu Yuri, enfático. — Somos bons amigos.

— Quase irmãos — Fred completou, rindo.

Yuri o olhou com desconfiança.

— É... quase isso — o mais novo repetiu, ligeiramente constrangido.


***


Os dois amigos se deitaram um de costas para o outro no colchão do cômodo que agora servia de quarto para Yuri.

— Ow, vai mais pra lá, tua bunda tá quase aqui na minha — o bolsista resmungou de onde estava.

— Relaxa, filho. O que a minha bunda ia querer com a tua? — Fred rebateu, se afastando como Yuri havia pedido. — Se quiser posso virar. Já experimentou dormir de conchinha? — ele provocou, em tom de brincadeira.

— Vou botar você pra dormir na garagem — Yuri ameaçou, apoiando as costas no colchão.

O visitante sorriu.

— Tu não cansa de ser chato nem na hora de dormir? — ele continuou, também mudando a posição; agora estava de frente para Yuri, com os olhos fechados como quem estava tentando pegar no sono.

— Não — o mais novo respondeu, encerrando o assunto, pois também queria descansar.

O silêncio pairou sobre eles por alguns minutos, com o barulho da chuva lá fora preparando-os para uma boa noite de sono. Yuri ainda estava com os olhos abertos, fitando o teto com desinteresse. Sentia-se frustrado, pois mesmo após algumas garrafas de cervejas e uma noite de distrações, ainda se via com dificuldade para dormir. Ele olhou para o lado, para conferir se Fred estava dormindo. Se não estava, fingia muito bem.

— Fred... — Yuri chamou, baixinho, desejando que ele respondesse. Conversar com o playboy era o que estava ajudando Yuri a manter os maus pensamentos distantes.

— Hã? — Fred murmurou, sem abrir os olhos.

— Você ainda pensa em velejar por aí?

Antes de responder, Fred reclamou sobre Yuri querer saber disso agora.

— Se um dia eu conseguir a habilitação, quem sabe. Só vou ter tempo de tentar depois que estiver livre do ICAES. Será que até lá eu consigo companhia pra viagem?

— Vai sozinho, ué. Precisa de uma tripulação agora? — sugeriu Yuri.

— Ah, seria muito chato. Preciso de alguém pra conversar. Você podia vir comigo, o que acha?

— Isso é um convite, capitão? — Yuri olhou para o lado, encontrando Fred com os olhos abertos. Os dois riram um para o outro. — Eu bem gostaria de desaparecer no mundo agora, mas o mar não é pra mim. Não sei mais o que é dar um mergulho desde que...

— A gente vai dar um jeito nisso ai — Fred afirmou, com uma certeza que Yuri não sabia de onde vinha.

— Desiste, playboy. Eu jamais vou entrar num barco nem com você nem com ninguém — respondeu Yuri, desanimado com a realidade.

Fred apoiou-se sobre o cotovelo no colchão. 

— Quer apostar quanto que vai? — insistiu ele, estendendo a mão livre para Yuri em sinal de desafio.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora