Feridas

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Yuri entrou no carro com o coração apertado e a cabeça cheia de preocupações. A lembrança dos absurdos que presenciara nos últimos minutos repetia em looping em seus pensamentos, recordando-o de cada palavra dita, do tom de voz usado, e o pior de tudo, daquele olhar carregado de julgamento que Enrico lhe lançara e que só quem era como ele conhecia bem. Intencionalmente ou não, o Monteiro mais velho conseguiu fazer com que Yuri voltasse a noite em que fora preso e ele não queria mais estar nesse lugar.

— Fred... — murmurou Yuri, tentando fazer com que ele falasse alguma coisa. Estava sentado no banco do carona sem o cinto de segurança.

O motorista não falou nenhuma palavra desde que abandonou o Charles Pierre, na verdade estava evitando até mesmo fazer contato visual com o acompanhante, o que estava tornando a situação ainda pior. Frustrado, Yuri observou a mão dele no volante, vendo-a tremer, em seguida prestou atenção em outros aspectos do seu corpo: a respiração agitada, as sobrancelhas franzidas e um olhar de quem estava prestes a bater em algo ou alguém.

Era como se, de alguma forma, estivesse diante de um homem quebrado. Ele precisa de mim, Yuri disse a si mesmo, respirando fundo e afastando os gatilhos de sua cabeça.

— Ei... tá tudo bem? — perguntou, levando a mão ao braço do estudante de direito.

Para a sua surpresa, Fred rejeitou a aproximação, fazendo um movimento brusco com o braço como se a mão de Yuri estivesse em chamas. Em seguida, encostou o carro abruptamente em um lugar qualquer. Estagnados numa rua do Rio de Janeiro, os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, completamente sem reação.

— Desculpa... — murmurou ele, recostado no assento com a postura ereta, as duas mãos ainda agarradas no volante. Sem olhar para Yuri nenhum segundo sequer, Fred curvou-se até encostar a testa nas duas mãos que se juntaram sobre o volante. Mantinha a respiração pesada, soltando o ar pela boca. — Eu não queria que você me visse assim... — fungou.

Ele tá chorando?, perguntou-se Yuri, consternado. Não tinha certeza, porém, pois o motorista escondeu o rosto de sua vista.

— Assim como? — investigou, procurando encontrar alguma brecha naquela armadura pesada para que pudesse acessá-lo.

— Fraco... pequeno... covarde... — Fred respondeu-lhe com a voz abafada. — A forma com que ele falou com você... Cara... se eu fosse um homem, teria expulsado ele da mesa... Desculpa Yuri, desculpa... eu vou levar você pra casa. Desculpa...

Ainda hesitante por causa da tentativa anterior, Yuri estendeu o braço e pousou a mão sobre as costas tensas de Fred. Quando percebeu que dessa vez não foi repelido, começou a movê-la suavemente para cima e para baixo numa tentativa de levar conforto.

— Você não deve se envergonhar de nada e nem se desculpar comigo — Yuri tentou tranquilizá-lo. — Teu irmão é um boçal, mas nada do que aconteceu hoje te fez menos homem... e nem me fez te amar menos... — estas últimas palavras saíram da boca de Yuri sem que ele tivesse tempo de pensar, quando caiu em si, já as tinha falado, como se elas sempre estivessem ali, à espreita, só esperando por um deslize para escapar.

Fred ergueu a cabeça e lançou a Yuri um olhar ansioso. Ele não havia chorado, o carona percebeu, embora suspeitasse que talvez quisesse fazê-lo.

— Você me ama? — o mais velho perguntou com a voz suave e os olhos brilhantes.

Uma parte de Yuri se sentiu aliviada quando seu olhar finalmente se cruzou com o de Fred. Percebeu que, de alguma forma, o semblante dele havia mudado, como se estivesse voltando a ser o que era.

— Eu... acho que sim... — respondeu, desnorteado por causa do olhar do motorista e de sua declaração repentina. — Tipo... eu já amava como amigo, agora eu amo... diferente — e foi o máximo que Yuri conseguiu explicar em meio ao nervosismo e a súbita vergonha que estava sentindo.

Do I make you cringe? (Fred & Yuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora