Capítulo 21

937 100 128
                                    

TOM

O mundo desmoronava lá fora, entre águas turvas e trovões ensurdecedores. Ao pisar na grama fofa e encharcada, as gotas grotescas despencavam sobre minha cabeça, como se o vento, ao se encontrar com a árvore, tivesse feito isso de propósito.

Ela havia saído em um ato de desespero, e minha mãe exigiu que eu fosse atrás dela. Saiu sem rumo, sem direção, deixando para trás seus pertences e o seu coelho fedorento, como se fossem meros objetos descartáveis.

Eu não fazia ideia de onde ela poderia estar. Andava pelas ruas desertas, a chuva parecia aumentar a cada passo, como se o céu inteiro tivesse decidido se rebelar contra mim.

Não a culpo. Deve ser insuportável saber que assassinou sua própria mãe. As consequências dos seus atos devem parecer-lhe um pesadelo incessante, um reflexo sombrio de sua própria solidão.

Ela era a garota, aquela que ninguém via, exceto eu.

Parece um pesadelo incessante, um reflexo sombrio de sua própria solidao. E agora, enquanto a noite se arrasta e a tempestade se intensifica, eu a procuro desesperadamente.

Chego à praça do bairro, deserta e iluminada apenas pela luz trêmula dos postes. Não há sinal dela. Desço por becos e vielas, mas ela não está em lugar algum. Ela não pode ter ido muito longe, afinal, não demorei tanto para começar a procurá-la. Meus passos se detêm na cerca cortada que dá acesso a um terreno extenso coberto por árvores. O local é perigoso, mas entro sem hesitar. Tenho que encontrá-la.

Meus coturnos afundam na poça de lama, e a cada passo, o terreno se torna mais traiçoeiro. Procurá-la na densa mata é inútil. Mais adiante, o caminho leva à cachoeira, cuja força aumenta com a chuva torrencial. Corro para lá, os barulhos ao redor, o estalar dos galhos e o rugido da correnteza abafa meus pensamentos.

— Droga! — Meu braço atinge um galho inesperado, e a dor aguda me faz gritar. O sangue começa a escorrer, mas a água arrasta o ferimento rapidamente. Mesmo assim, ele persiste, como ela, que sempre retorna, não importa o quanto eu tente afastá-la.

— Mas que merda, garota! — Chego justo a tempo de vê-la se atirar na água.

Pulo atrás dela, a correnteza está furiosa, mas eu sei nadar, ela não.

— Eu te peguei! Você está bem? - Minha mão segura a dela, trazendo seu corpo para mim.

Ela pulou na água com a intenção de se afogar, a força da correnteza é um reflexo da tempestade.

—Me solta! — Ela se debate, tentando se soltar. — Eu sei nadar!

— Não, você não sabe! - Aperto ainda mais seu quadril, lutando contra a força da água.

Ela se cala, seus esforços para se desvencilhar são inúteis contra minha força. Nado com apenas um braço, o outro firmemente segurando-a, até conseguirmos chegar à superfície.

— Sobe! — Ergo suas pernas para que possa sentar em terra firme.

Assim que ela está segura, me deixo cair ao seu lado, no monte de pedras, ao lado da grama verde e molhada. Deixo minhas costas se afundarem na grama alta e pontuda, ignorando o ferimento que começa a arder com a umidade.

— Eu não aguento mais essa vida de merda! —Ela grita, atraindo minha atenção para seu desespero.

Seus olhos estão vermelhos e suas bochechas inchadas. A chuva leva suas lágrimas em milésimos de segundos, mas não consegue apagar a dor que carrega.

— Por que você me achou? - Seus olhos evitam os meus, um gesto que me irrita profundamente.

Ela está descalça, suas pernas cobertas de arroxeados e arranhões. Seu cabelo, ensopado, adere ao seu rosto.

Inefável Onde histórias criam vida. Descubra agora