Capítulo 44

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YOLANDA

O sábado finalmente havia chegado, trazendo consigo o tão esperado evento na casa de Otto. O ar parecia mais pesado que o normal, como se cada segundo estivesse repleto de expectativas que não me pertenciam. Mas, surpreendentemente, havia algo de bom na atmosfera dos últimos dias: Cassandra.

Eu não podia negar que ela não era tão irritante quanto eu pensava. Apesar de seu jeito desleixado e da maquiagem borrada que parecia feita com um toque de "não me importo", descobri um lado dela que eu até gostava. A identificação entre nós nasceu de algo quase infantil, mas significativo: numa reunião tensa com Otto, ambas fizemos caretas ao mesmo tempo enquanto ele falava, como se tivéssemos lido a mente uma da outra. Foi instantâneo, e nossas risadas abafadas depois disso nos conectaram de um jeito que eu não esperava.

Nós duas até adotamos um hábito que se tornou nosso segredo particular: chamá-lo de "Otto" pelas costas. Não "pai", não "senhor Hoffman". Apenas Otto, com o máximo de desdém que conseguíamos reunir, como uma pequena rebeldia que nos dava forças para lidar com ele.

Agora estávamos no shopping, no meio de uma extravagância de luxo. Cassandra, com seu estilo descolado e despreocupado, percorria os corredores como uma rebelde sem causa. Ela testava vestidos com a mesma paciência com que alguém experimenta sapatos apertados. Mesmo assim, conseguia encontrar algo que se encaixava perfeitamente no que ela era.

— Esse aqui tem a energia "não toque em mim ou vou acabar com você", o que acha? — Ela perguntou, segurando um vestido preto com fendas estratégicas.

— Tem, sim. Mas acho que aquele ali com as alças de couro grita mais o seu nome — Comentei, apontando para um outro modelo.

Enquanto ela escolhia seus vestidos dramáticos e sombrios, eu fazia o oposto. Meu vestido, um modelo justo, curto na frente e com uma longa cauda atrás, em um vermelho vibrante, tinha decotes profundos nos seios e detalhes que abraçavam o corpo de forma provocante. Era exatamente o tipo de look que gritava "patricinha anos 2000".

— Esse vestido parece que vai sair andando sozinho — Cassandra disse, enquanto me olhava testar o vestido no espelho.

— E o seu parece que foi arrancado direto do set de um filme de vampiros adolescentes — Retruquei, com um sorriso que ela retribuiu.

Apesar do choque de estilos entre nós, era divertido experimentar os vestidos juntas. O contraste era gritante: enquanto ela parecia uma heroína rebelde de filme indie, eu me sentia uma garota de Beverly Hills recém-saída de um editorial de moda. Ainda assim, a diferença não nos afastava, pelo contrário, era o que nos fazia rir.

Margareth estava do lado de fora do provador, sentada com a coluna ereta em uma das poltronas elegantes da loja. O celular e o tablet pareciam extensões de seus braços enquanto ela alternava entre responder e-mails e fazer ligações rápidas, mas nunca tirando os olhos completamente de nós.

— Vocês estão demorando demais — Ela disse, sem sequer nos olhar diretamente.

Eu e Cassandra trocamos um olhar conspiratório. Havíamos decidido que nossas escolhas de vestidos seriam um segredo até a última hora. Margareth definitivamente não aprovaria nenhum dos dois.

— Estamos terminando — Respondi, enquanto Cassandra fazia uma careta silenciosa atrás da cortina do provador, e foi impossível conter a risada.

Era engraçado como, apesar de todas as diferenças — a maquiagem borrada versus meu batom perfeitamente aplicado, o preto dramático dela versus o rosa intenso meu — nos entendíamos muito bem. E, naquele instante, parecia que poderíamos enfrentar qualquer coisa juntas, até mesmo a noite cheia  que nos aguardava.

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