"Ela acha que pode escapar, mas já estou dentro dela."
O consultório de Kristina sempre tinha aquele cheiro peculiar de lavanda misturado com algo que eu nunca consegui identificar. Algo medicinal, talvez. Era o tipo de coisa que grudava na memória. Eu estava sentado naquela cadeira de couro, balançando o pé com impaciência enquanto ela escrevia alguma coisa no caderno.
Eu já estava cansado dessa rotina. Minha mãe me levava a essas consultas desde os dez anos, quando a diretora da escola sugeriu que eu precisava de “ajuda profissional”. Naquela época, minha mãe tinha começado a perceber coisas que me diferenciavam das outras crianças. Ela não dizia, mas eu sabia o que ela pensava. Psicopatia. Crises compulsórias. Dualidade. Agressividade. Todos esses rótulos que ela jogava para tentar entender o que eu era.
No começo, as consultas eram um saco. Sentar ali, expor pedaços da minha mente para alguém que fingia se importar. Mas eu aprendi a jogar o jogo rápido. Descobri como manipular as respostas para parecer normal o suficiente, mas ainda manter Kristina intrigada. Era divertido, às vezes.
Mas, com o passar dos anos, as coisas pioraram. Yolanda foi embora. Depois disso, tudo desmoronou. A paciência que eu mal tinha desapareceu, e as consultas começaram a ser o único lugar onde eu podia, de alguma forma, extravasar sem causar um estrago maior.
Kristina era bonita. Não de um jeito óbvio ou exagerado, mas discreto. O tipo de mulher que chamava atenção sem esforço. Seu jaleco sempre impecável, os cabelos loiros presos em um coque, mas alguns fios teimosos caíam ao redor do rosto, quase como se quisessem suavizar a seriedade dela.
Agora, com dezessete anos. Sentado naquela cadeira, balançando o pé como sempre, enquanto ela rabiscava algo no caderno.
— Você está mais calmo hoje. — Ela comentou, levantando os olhos para me encarar.
Eu dei de ombros. Não valia a pena responder. Mas foi nesse momento que eu notei. Ela não estava apenas me encarando. Os olhos dela desceram rapidamente para os meus lábios. Foi sutil, algo que qualquer pessoa comum ignoraria. Mas eu não era qualquer pessoa. Eu vi.
Ela disfarçou rápido, voltando ao caderno. Mas eu sabia. Eu sempre sabia.
Na consulta seguinte, decidi testar. Quando ela perguntou como eu me sentia, inclinei o corpo levemente para frente, deixando minha voz ficar mais baixa, mais íntima.
— Você realmente quer saber como eu me sinto, Kristina?
Ela hesitou por uma fração de segundo. Foi quase imperceptível, mas lá estava. A dúvida. O nervosismo.
— Claro, Tom! — Respondeu, a voz estável. Mas eu vi as mãos dela se mexendo de forma sutil, como se não soubesse onde colocá-las.
Eu continuei jogando o jogo. Não porque eu gostasse dela. Não porque eu me importasse. Foi só porque eu podia. Eu sabia que era bonito, e Kristina sabia disso também. Talvez, naquele momento, eu quisesse me sentir no controle de algo. Eu estava preso àquela rotina miserável, sem Yolanda, sem qualquer emoção real. Talvez aquilo fosse só um jeito de passar o tempo.
Foi gradual. Cada consulta, eu me aproximava mais. Deixava meu olhar demorar nos dela. Um toque no pulso quando entregava algo. Palavras escolhidas a dedo, carregadas de um peso que eu sabia que ela sentiria.
E então, um dia, ela não conseguiu mais disfarçar.
Eu estava encostado na mesa dela, os braços cruzados, enquanto ela tentava manter a compostura. Mas o olhar dela caiu nos meus lábios novamente.
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Inefável
FanfictionYolanda, uma garota fria com intenções quentes, carrega a lembrança de Tony, seu protetor e amor de infância. Juntos, prometeram ficar juntos quando crescessem, mas Tony desapareceu sem deixar rastros. Anos depois, Yolanda se envolve com Tom Kaulitz...