Jujuba e suas aventuras

Ateliê da discórdia

O burburinho no ateliê do estilista é ensurdecedor. As mulheres da família Fontes e da família do noivo se reúnem em torno de Laura, minha irmã mais velha, enquanto ela experimenta o vestido de noiva. A cada novo ajuste, suspiros de admiração ecoam pelo ambiente. Ela está radiante, como uma princesa saída de um conto de fadas.

No fundo do meu coração, sinto uma mistura de felicidade por Laura e frustração comigo mesma. As brigas entre nós são constantes, e ainda estou chateada por suas palavras recentes. Ela me chamou de "menina que corre atrás de sapos no brejo", subestimando meus sonhos e aspirações.

Apesar das diferenças, sempre nos demos bem. As brigas, por mais sérias que sejam, nunca duram muito tempo. Mas hoje, o clima no ateliê está carregado de tensão. Eu me recuso a usar um vestido do mesmo estilista que Laura, optando por algo que se encaixe nas minhas condições financeiras.

Observo tudo em silêncio, sentada em um canto do ateliê. Quando Laura finalmente surge, radiante em seu vestido estilo princesa, todos ficam emocionados. Ela me encara, esperando ansiosamente minha opinião.

- Lindo, respondo alegremente, vendo a felicidade da minha irmã.

Sua expressão se fecha em desagrado. Ela não está satisfeita com minha resposta.

- Eu vou pagar o vestido que você escolher, declara ela, com um tom amoroso.

- Não precisa, Laura,respondo, meu tom firme. Já encontrei um vestido que se encaixa no meu orçamento.

Ela insiste, mas eu recuso categoricamente. Minhas tias tentam acalmar os ânimos, mas a discussão se intensifica.

- Seu namorado bilionário pode comprar um vestido luxuoso para você, por isso não quer aceitar que comprei para você, Laura ironiza.

- Ele não banca minhas despesas, retruco, nervosa. E mesmo que bancasse, não preciso da sua caridade.

- Mas ele banca seus passeios para deixar o nosso país preocupado porque saiu sem avisar, ela me lembra do ocorrido, com um sorriso sarcástico.

- Eu errei em não avisar, admito, constrangida. Mas simplesmente esqueci, não fez por mal.

A discussão se torna cada vez mais acalorada, até que minha mãe intervém, impondo um fim à nossa briga.

- Chega! ela ordena, com a voz firme. Vocês duas precisam se comportar como irmãs em um dia tão importante para a Laura.

Laura e eu nos encaramos, ambas com raiva e frustração. Mas, no fundo, sei que ela também me ama e que essa briga não vai durar muito tempo.

Sigo para casa, ainda irritada com a conversa. Mas, ao me recordar do sorriso radiante de Laura no vestido de noiva, um sorriso involuntário se forma em meus lábios. Apesar de nossas diferenças, desejo-lhe toda a felicidade do mundo em seu casamento.

Chego em casa após  tensa discussão com Laura, o coração apertado pela tristeza e a frustração de não dizer os reais motivos de não fazer o vestido com estilista. A briga com minha irmã me deixou abalada, acabo recordando do dia que fui ao ateliê para tirar as medidas para vestido que Laura queria me presentear, mas os comentários da senhora sobre meu peso e a minha cor ecoam em minha mente como um peso insuportável, pois era sonho de Laura ter um vestido feito pela estilista famosa em Brasília.

Decido me ocupar para tentar esquecer os acontecimentos do dia. Sento no computador e abro um editor de currículos, decidida a buscar um novo emprego. A incerteza do futuro após o incêndio no laboratório da faculdade me deixa ansiosa. Já não era funcionária efetiva e, com a destruição do local, as chances de mantermos nossos cargos são mínimas.

Meu irmão Raul, sempre prestativo, me ensina as melhores práticas para criar um currículo impecável. Seguindo seus conselhos, dedico-me a aperfeiçoar meu perfil online, buscando destacar minhas habilidades e experiências.

Enquanto me concentro na tarefa, sou interrompida por batidas na porta. Respondo.

- Entra, respondo com a voz ainda baixa, tentando disfarçar a tristeza.

A porta se abre e meu pai surge no quarto. Ele está com um sorriso radiante no rosto, claramente feliz com o casamento de Laura e a reunião familiar. Se aproxima e se senta na minha cama, com um jeito acolhedor do meu  papai urso me chama para sentar ao seu lado.

- Filha, que bom te ver, ele diz, entrelaçando meu braço no dele. Estou tão feliz por casar minha filha mais velha! Ter toda a família reunida é um momento especial.

Esboço um sorriso alegre, pois meu coração está feliz com o momento que  Laura sempre sonhou. Até que ele diz.

- Mas Laura chegou triste em casa hoje, ele continua. Ela disse que você não queria aceitar o vestido que ela deseja pagar para você.

Suspiro fundo, tentando encontrar as palavras certas para responder. 

- Pai, eu agradeço muito a oferta da Laura, mas já aluguei um vestido lindo com uma amiga que trabalha com roupas plus size de festa. Não preciso gastar tanto dinheiro com um vestido que só vou usar uma vez.

Ele me encara com um olhar confuso. 

- Mas você poderia ter um vestido feito sob medida, do jeito que você sempre quis ou será que sua irmã tem razão, que você não aceita porque Frederico vai bancar o vestido para você. Você não precisa se preocupar com finanças, eu posso ter o vestido, minha filha.

Sinto uma pontada de irritação. 

- Pai, eu já tinha pago o aluguel do vestido antes de começar a namorar com Frederico. Não preciso da ajuda dele, e não  preciso que ele me banque, respondo com firmeza.

Meu pai se levanta, um pouco desconcertado com minha resposta. 

- Mas, filha, você precisa entender que mulheres como você e sua mãe... bom, é mais difícil encontrar roupas que sirvam bem. Precisamos aproveitar a oportunidade quando temos um estilista que pode fazer um vestido sob medida. 

- Pai, a estilista me humilhou no dia em que fui tirar as medidas meses atrás, Laura já tinha se disposto a pagar, no início aceitei, mas depois decidi por algo dentro das minhas condições, confesso, finalmente abrindo meu coração. Ela me disse que, como irmã da noiva  tão linda quanto Laura, poderia ter uma irmã  gorda, feia e preta como eu que seu lindo trabalho seria desperdiçado. Foi horrível. Não contei porque conheço Laura, ela iria fazer um escândalo, sei que o sonho era ter um vestido desse ateliê.

Ele parece surpreso com a minha revelação. 

- Mas... você é linda do jeito que você é,ele diz, tentando se justificar. Mas realmente você precisa emagrecer um pouco para entrar no vestido longo e não estragar o casamento da sua irmã. Vestido de galã são feitos para mulheres lindas com sua irmã. Sinto uma pontada no coração.

Minha mãe entra no quarto nesse momento, provavelmente alertada pelas vozes altas. Ao ouvir o que meu pai disse, ela fica furiosa.   

- Fernando! Você não pode beber! Sempre que você bebe, você fala besteiras!

Ela se vira para mim e se desculpa pelo comportamento do meu pai. 

- Filha, por favor, não leve a sério o que ele disse. Ele não sabe o que está falando.

Meu pai tenta se explicar, mas minha mãe o leva para fora do quarto. Fico sozinha, com lágrimas nos olhos. A tristeza me invade e me sinto completamente desanimada.

Decido tomar um banho para tentar relaxar. Deixo a água quente lavar meus pensamentos e minhas mágoas. Depois de me trocar e colocar o pijama, me deito na cama, o celular vibrando com uma mensagem de Frederico.

Não quero que ele perceba que estou chorando, então recuso a ligação e optamos por conversar por mensagem. A conversa com ele me acalma um pouco, e aos poucos consigo adormecer com o celular nas mãos.