67° Capítulo

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Fim
1.2

O desespero insistia em ficar comigo. É claro que as ruas desertas, a má iluminação pública e os becos envolvidos nas trevas que faltavam ter uma placa dizendo:" estupro aqui!", não me ajudavam a ficar calma.

  Diminuí a velocidade da bicicleta,  percebendo que estava perto: porque estava rodeada de prédios decrépitos idênticos e não fazia a menor idéia de qual fosse o de Dave. Assustada por notar que não sabia onde estava, comecei a olhar em volta com o desespero crescente. De repente tudo pareceu ameaçador. Até o modo como as folhas farfalhavam parecia perigoso. Senti as mãos frias dentro de mim deslizarem e apertarem meu coração. Desci da bicicleta.  Olhei em volta inutilmente. A esquina parecia se afastar e assim que percebi que o lugar estar inóspito era uma bênção, a sorte saiu correndo e  pude ouvir passos atrás de mim.  Alguém estava ali. Sentia medo, mas involuntariamente virei a cabeça.  Ele não era mais do que uma silhueta alguns metros atrás,  mas era alto e forte.  Eu não teria a menor chance se ele tentasse alguma coisa. Com as pernas bambeantes montei na bicicleta de novo e pedalei o mais rápido possível, suspirando aliviada vendo a silhueta ficar pra trás. Eu olhava para prédios, perdida, até que, não sei exatamente como, soube que tinha chegado. Tinha um atracador de bicicleta público ao lado da escada que levava à porta. Eu me lembrava disso.  Grata, joguei a bicicleta ali, sem me importar se feria roubada e corri pra escada, abrindo a porta com uma chave que Dave tinha me dado quando me levara pra casa na noite em que ficamos juntos.  Fechei a porta atrás de mim, grata por não haver nenhum sindico, porteiro ou recepcionista nos prédios daqui. Comecei a subir as escadas que me levariam ao apartamento dele. A cada passo minha raiva aumentava. Limpei uma lágrima traiçoeira e finalmente cheguei ao andar dele.
Queria ver a cara desse desgraçado quando me visse aqui! 
___"Não vem aqui"___fiz uma imitação tosca da voz dele___Não vem aqui é uma ova!___Comecei a falar sozinha enquanto me aproximava da porta, porque sou dessa, já estava me aquecendo pro barraco___Acha que pode me jogar fora, desgraçado?
Parei de falar comigo mesma porque estava em frente a porta.
Respirei fundo e bati na madeira. Minha intenção era uma batida firme e dura, mas percebi que estava com muita raiva e a batida na porta foi mais como um soco bruto. Espantada comigo mesma, encolhi os ombros e depois, percebendo que não podia voltar atrás,  tufei o peito pra parecer mais ameaçadora quando ele atendesse.
___Finalmente Cabeça! ___falou uma grotesca  voz masculina do outro lado. Cabeça?  Quem era atrás da porta? O pai dele?
Em um segundo senti desinteresse em tudo aquilo, mas a porta foi aberta e eu já não podia fazer nada. Tinha que  encarar.
Um cara roliço e moreno surgiu do outro lado,  usava touca e tinha um cicatriz vertical que tinha sido ferida de novo,  porque havia sangue em sua bochecha.
Seus olhos encheram-se de surpresa quando me viu.  Eu sabia que  alguma coisa estava errada,  aquele homem não podia ser o pai de Dave e ele estava sangrando,  mas só o que pude fazer foi falar:
___O Dave está?
Assim que pronunciei essas palavras três coisas aconteceram ao mesmo tempo:
Escutei Dave gritar meu nome em desespero, ouvi um barulho de alguém bater nele e fui puxada para dentro do apartamento pelo cara da touca com  tanta brutalidade que não consegui caminhar à velocidade do puxão e entrei no apartamento caindo pesadamente contra o chão.
Ouvi o estalo da porta se fechando e quando levantei a cabeça,  vi Dave rastejar rapidamente pra se juntar a mim.
Sua mão estava cheia de gaze e esparadrapo,  e sua têmpora estava manchada de sangue,  meio seco, fazendo aquela mistura de negro e vermelho.
Seus olhos estavam cheios de lágrimas e percebi mais duas pessoas ali, um cara rústico sentado com uma arma(sim, uma arma!) na mão e outro com cabelos cacheados,  segurando uma mochila, olhando preocupadamente pra eu e Dave. O cara moreno que me jogou ao chão, pôs as mãos ao redor da cabeça,  xingando.
___O Cabeça não vai gostar disso!___gritou ele, e o que segurava a arma riu.
Eu não entendia nada, olhei em volta de novo.  Assustada, sem saber o que estava acontecendo. Dave estava ajoelhado ao meu lado e puxou minha cabeça pra cima de suas pernas. Naquela confusão,  tudo o que fazia sentido era ele. Olhei em seus olhos, sentindo  suas mãos no meu rosto, querendo perguntar o que era tudo aquilo, mas não conseguia.  As lágrimas que estavam presas nos olhos dele se desprenderam e caíram no meu rosto.
___Não era pra você estar aqui....___sua voz quase não era audível,  por causa do aperto em sua garganta.  Desorientada,  senti minhas próprias lágrimas se manifestarem e escorrerem pra minhas orelhas.
___D-Dave...?
___Não....era pra você vir...___ele repetiu___Amanda,  eu te amo...
Eu não entendia o que estava acontecendo.
___O quê? !___falei,  me sentando___Você disse...que...
___Não queria que você viesse aqui...disse tudo aquilo...pra você não vir aqui...
___Falei que era pra você ser convincente!___bradou o cara da arma, se levantado ameaçadoramente,mas sorriu, passando a língua pela fileira de dentes podres enquanto se aproximava de mim.___Se bem que gosto do que vejo___ele se curvou,passando o cano da arma em meu cabelo___como conseguiu uma bonequinha dessa?Talvez o Cabeça me deixe brincar um pouco com ela depois que eu acabar com vocês___ele brandiu a arma de Dave para o garoto da mochila. Ele se aproximou do meu rosto.
___Não toca nela!!___falou Dave, carregando na voz o mais ameaçador dos tons.
___Vai fazer o quê pra impedir?___retorquiu o cara, colocando a arma contra a testa de Dave, fazendo pressão.
___Para!Por favor!!!___implorei.
Ele permaneceu com a arma ali, Dave cerrou o maxilar, firme.
___Eles não têm nada com isso Mark!___se pronunciou o cara do cabelo cacheado. O cara de dentes podres, Mark,se levantou e foi pra cima dele, acertando um soco no estômago do garoto, fazendo-o desabar no chão e inspirar alucinadamente a procura de ar.
Me encolhi de susto.
___É claro que eles não têm!___berrou Mark___Mas agora, por causa de você, eles vão junto!___ele sorriu___Miles, Miles....achou mesmo que tinha se safado? Roubou as drogas do Cabeça, aí veio fugido pra casa do ex-amiginho inocente pra pedir proteção e achou mesmo que não ia ser encontrado?
Eu olhei do garoto chamado Miles pra Dave. Demostrando toda minha incredulidade. Esse Miles era o amigo de quem Dave tinha me contado. O amigo que se meteu com as pessoas erradas...
Olhei pra arma na mão de Mark, pra Miles com a mochila e pra Dave. Liguei tudo à história que ele acabara de dizer e, com um enorme aperto no peito, solucei, chorando e saltei para os braços de Dave.
___Você estava mentindo!___disse, percebendo agora o que ele tinha feito por mim.___Estava me protegendo quando disse tudo aquilo... Não queria que eu viesse....Dave...
Me abracei com mais força. Dave colocou a cabeça em meio ao meu ombro e fingou em meu cabelo.
___Desculpa...___ele disse baixinho___meu amor...desculpa....
___ Eu te amo...__falei. E dizer isso parecia aliviar grande parte daquele problema.
Miles se sentou no sofá, se recuperando. Tinha a cabeça abaixada e me olhava. Eu podia ver o pedido de desculpas nele.
___Eu não vou deixar nada acontecer com você!___falou Dave, me abraçando.
Mark riu em evidente descrença.
Se aproximou de novo.
___Acho que vou deixar você viver o suficiente pra ver o que eu vou fazer com ela,quando o Cabeça chegar___ele sorriu e tomou meu queixo entre seu polegar e indicador. Eu dobrei a cabeça, retirando seus dedos imundos do meu rosto com força.
Ele riu.
___Ah, marreta? Eu gosto assim...
Dave se colocou entre ele e,antes que Mark o batesse, falou:
___Como é fácil se defender de mim com uma arma!
Mark o encarou com fúria, percebendo a verdade.
Estávamos todos desamarrados, mas o que impedia que escapassêmos era justamente a ameaça que Mark impunha por estar com arma. Eu olhei de relance pra Miles e percebi que ele também tinha entendido o que Dave estava planejando.
Como previsto,Mark começou a bradar:
___Tommy, pega minha arma!___ele caminhou pro cara que tinha a cicatriz, que agora soube se chamar Tommy. Entregou a ele. Tommy não parecia conter a mesma vontade sádica de Mark pra ferir alguém e aquilo era do que precisávamos.
___Eu vou ensinar um ou duas coisas pra esse moleque...___ele olhou pra Dave. Miles começou a se levantar sutilmente do sofá, compreendendo que teríamos uma brecha. Eu e Dave nos levantamos e eu me mantive um pouco afastada. Estávamos bem ao lado da porta,mas Mark não parecia perceber isso. Ele começou a rodear Dave, como um animal encurralando sua presa. Dave fez um bom papel. Olhou pra mim,depois pra Miles e depois sugestivamente pra mochila e a arma. Miles compreendeu  a mensagem mental, eu estava preparada para o que tinha de fazer: abrir a porta.
Dave só gritou:___Agora!
E saltou sobre Mark acertando o murro, enquanto eu corria e abria a porta e Miles golpeava, usando a mochila, a arma da mão de Tommy. Tudo aconteceu ao mesmo tempo e quando abri e passei pela porta, a arma chocava-se do outro lado da sala, fazendo Tommy correr para pegá-lá, enquanto Miles corria junto de mim e Dave também já que com o murro em Mark, conseguira alguns segundos.
Ele foi o último a passar pela porta e a fechou atrás de si.
Imediatamente estávamos correndo para as escadas.
Minhas pernas tremiam e iriam fraquejar se eu parasse pra pensar. Por isso eu só corria em desespero.
___Para as escadas!___gritou Dave, enquanto ouvíamos Mark e Tommy xingarem já ao nosso encalço.
___Droga...___sussurrei empendido que as lágrimas viessem e turvassem minha visão; eu precisava dela. Os degraus deslizavam sob meus pés. Só ouvia os estalos de três pares de tênis pisotearem vorazmente as escadas.
Meu coração pulsava tão rápido e forte que me consumia. Era como se as paredes do prédio estivessem reverberando meus batimentos cardíacos.
___Vamos conseguir!___falou Miles quando estávamos no último lance de escadas.
Mark se curvou sobre a barreira de proteção lá em cima e atirou as cegas.
Os tiros estouraram em meus ouvidos e entrei em desespero quando alguns atingiram a balaustrada de cimento sob minha mão.
Soltei um grito com susto e me afastei abruptamente fazendo eu cair nos degraus.
___Amanda!?___Dave se ajoelhou desesperado.
___Eu tô bem!___falei, me levantando rápido e voltando a correr. Mark berrava furioso lá em cima.
Dave segurou minha mão e começou a correr mais rápido, praticamente me levando com ele.
Voltei a respirar novamente quando chegamos na sala de entrada.
___Vamos, Miles!___gritou Dave___eu não vou deixar nada te acontecer agora!Está me escutando? Eu prometo!
Miles chorou.
___Obrigado! Obrigado, Dave!

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