40° Capítulo

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Lembrança jogada fora.

Depois de sair da casa de Lia, dirigi sem rumo por horas, não sabia para onde ir,mas sabia para onde não queria ir: minha casa.
Não queria entrar ali para lembrar mais uma vez que era odiado; para olhar nos rostos da minha "família" e ver pessoas completamente alheias ao fato de que era para ela estar ali, completando mais um ano de vida, ou ainda para lembrar-me de que eu havia sido o único responsável por ela não completar mais nenhum ano.
Tinha medo da realidade em que me encontrava.
Passei o fim de 13 de setembro dentro de meu carro olhando o sol nascer, e, quando ele surgiu, seus raios dourados me causavam dor, pois era agora o novo dia,14 de Setembro, o aniversário de minha mãe... e ela não estaria ali para comemorar porque eu a matei...
***
Não desejava voltar àquela casa agora, mas me lembrei que Asqueroso estava em meu quarto, sorri em conforto, Asqueroso era o urso de minha mãe, que "herdei" após sua morte, com o qual ela dormia todas as noites desde seus sete anos. Ela dizia que nunca se separaria dele enquanto vivesse e que ele era tão importante para ela como um irmão que nunca teve. Ela o chamava de Sr.felpudo ( nome sem criatividade nenhuma, mas não podia culpá-la, afinal ela o batizou quando tinha sete anos), mas ele não tinha nada de felpudo, era tão velho e desgastado que mal havia pelúcia sobre o pano, deixando-o com uma aparência horrível, como se tivesse pegado sarda; além disso os olhos eram vermelhos e maléficos. Ainda assim ela o tratava com se fosse a coisa mais meiga e fofa do mundo. Foi então que disse a ela que Asqueroso era um nome muito melhor para defini-lo. Ela riu, e sua risada era tão viva e contagiante que tive de segui-la, juntando-me às gargalhadas. E assim ela o rebatizou. Meu pai e meus irmãos riam e faziam graças sobre ela só conseguir dormir com aquele urso mesmo com seus trinta e quatro anos.
Ela era tão alegre e divertida. Tão sincera e extrovertida.
O mundo não deveria ser tão cruel e levar pessoas assim...
Me lembro de ela me dizer que eu seria o filho que herdaria o Asqueroso; eu sorri e toquei o urso feio. Na ocasião pensei que aquilo não seria possível, porque o urso não existiria mais até que minha mãe morresse pois isso levaria décadas. E por minha causa ela só teve mais dois anos e meio depois disso.

Chorei e relembrei e...quando finalmente me convenci de que havia chorado o bastante para não entregar nada à minha família, pus a chave na ignição, liguei o carro e partir para casa... Tinha que pegá-lo no colo e sentir o conforto que ele me trazia. Assim como trouxe nos aniversários anteriores...

Me perguntava se alguém em casa fosse lembrar de que era hoje...ou se importar.

Quando cruzei a rua e estacionei em frente a minha casa, endureci por dentro e por fora; ser frio era a única maneira de não desabar quando cruzasse a porta e a sentisse mais que nunca.
Antes que pudesse abrir a porta ela se escancarou. Meu irmão saía às pressas, e nos esbarramos.
Seus olhos se ascenderam com surpresa quando me reconheceu.
Sua boca se curvou para baixo, seus olhos perderam a surpresa e se tornaram duros.
___Vai ser assim todos os dias?___ele disse em tom ácido, voltando-se para mim.
Eu não falei nada.
Mal havia trocado palavras com ele desde que chegara. A verdade era que nunca fui muito próximo dele e de Lídia, e estava bem assim.
___Olhe para mim!___Ordenou e eu o fitei com um olhar ainda mais duro.___Eu e Lídia fomos e voltamos e você continua agindo da mesma maneira, Sebastian! O que anda fazendo para voltar pra casa só de manhã? Está usando drogas?___Ele esperou minha resposta. Eu só o olhei sem emoção; como imaginado, ele não lembrava...___Estou falando com você, Sebastian!___gritou ele, me empurrou contra a parede e repetiu com mais aspereza:___Está usando drogas?

O empurrei de volta, fazendo-o cambalear.
___Não!___gritei___E não finja que se importa!
___Não estou fingindo, irmão...___seu tom agora era baixo e ameno___Estou preocupado com você, de verdade___Ele olhou para baixo, incomodado em dizer mais. Ele sempre foi esnobe e mulherengo; estava surpreso com sua nova imagem; ele abriu a boca e vi a dificuldade quando disse:___Sei que sofreu, que ainda sofre, mas não pode continuar assim... Você precisa superar...
___Superar?___cuspi as palavras em desdenho, mesmo estando surpreso.___Ou esquecer? sim, porque foi isso o que você fez,não é? ___minha voz aumentava a cada palavra, e meus olhos pareciam em brasas com as lágrimas que estavam lutando para sair.___ Quando ela morreu você me culpou e foi embora! Nunca se importou com ela de verdade! É fácil falar em superar ou esquecer uma e
pessoa quando nunca se foi próximo dela! Você não sabe o que eu senti ou o que eu sinto!Não fez nada por ela! Eu não posso esquecê-la como você, porque eu a amava! E você foi embora dois dias depois; aposto que já tinha esquecido dela no dia seguinte!

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