Capítulo 19: Tempestades

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Bianca chegou poucos minutos depois, suas sacolas do mercado balançando e a mochila pesada nas costas. Assim que nos abraçamos, senti uma onda de conforto, uma familiaridade que sempre me acalmava. Nos jogamos no sofá, envolvendo-nos em um cobertor quentinho. Na TV, um filme de terror rodava, mas nem o susto na tela me tirava do meu estado de relaxamento. Depois de um banho morno que me deixou sonolenta — algo comum ultimamente — vesti meu pijama de unicórnio, uma peça que sempre me fazia sentir um pouco mais leve.

— Como você está, fera? — Bianca perguntou, sua voz leve, mas os olhos curiosos.

— Fera? Por que essa agora? — Ri, intrigada.

— Você ainda pergunta? — Ela revirou os olhos, mas a diversão ainda estava ali.

— Mas, foi por um motivo trágico! — disse, tentando manter o tom leve.

Enquanto devorava os doces, não pude evitar a cena desengonçada de misturar tudo e comer desesperadamente. A expressão horrorizada de Bianca me fez rir ainda mais, apesar de eu estar em um momento conturbado. A gestação era uma inconstante; eu enjoava, vomitava e, ainda assim, tinha uma fome insaciável.

Então, meu celular começou a tocar, quebrando a leveza do momento. Ao olhar a tela, vejo que era o Ian. Um frio na barriga me paralisou; não queria atender na frente da Bia, mas não tive escolha.

Ligação on:

— Oi, Ian.

— Amor, tudo bem?

— Sim.

— Queria tanto dormir junto com os meus dois bebês hoje.

— Não comece com suas gracinhas, Ian!

— Qual é, Isa? Você ainda não se acostumou com a ideia de ser mãe? Eu já me considero um paizão!

— Que ótimo! Mas, ainda estou no processo de absorver essa nova informação.

— Quanto drama, Isabele...

— Boa noite, Ian... Não me ligue mais hoje!

Ligação off.

Joguei meu celular no sofá, como se ele pudesse absorver toda a frustração. A raiva e a confusão que eu sentia eram avassaladoras. Às vezes, me pegava desejando poder socar as paredes, apenas para descarregar tudo. Hoje, eu só queria esquecer e me distrair, mas Ian era um lembrete constante.

Percebendo meu estado, a Bianca se aproximou, envolvendo-me em um abraço apertado. Não consegui mais segurar as lágrimas.

— Você e o Ian já estão em crise? O que aconteceu? — A preocupação dela era palpável.

— Promete que não irá virar as costas para mim? — As palavras saíram entre soluços, como se cada uma carregasse um pedaço da minha dor.

— Jamais faria isso. Independente do que aconteça, eu sempre estarei aqui!

— Mas, em situações como a minha, todos viram as costas e julgam.

— Eu não sou esse tipo de pessoa.

— Estou grávida!

— O quê?! Não brinca?! — Ela se levantou de repente, em choque. Eu nunca a tinha visto tão agitada.

— Olhe para mim, Bianca...

— Olha você o que fez com a sua vida!

— Não foi minha culpa... Eu e o Ian sempre tomamos cuidado. Mas na primeira vez estávamos bêbados, e eu morro de vergonha disso.

— O que importa agora? Não pode voltar mais atrás, você mudou a sua vida para sempre!

— Bianca, não estou te reconhecendo...

— Exatamente, fique aí sozinha porque eu vou aproveitar a minha vida! — Ela virou as costas, saindo em direção à porta, sem ao menos esperar uma explicação.

A fúria transbordou em meu sangue. Eu me sentia traída, e a amargura da situação me atingiu como uma onda. O choro era incontrolável, não só pela perda da amizade, mas porque, no fundo ela tinha razão. A minha vida irá mudar para sempre e eu vou perder tudo, principalmente, a minha liberdade. A ideia de dar a criança para a Carla ou até mesmo considerar um aborto, cruzou a minha mente por um segundo.

Como não havia mais nada a perder, abri o pote de sorvete, a única coisa que me fazia esquecer um pouco da realidade. Eu precisava de alguém ao meu lado, não podia suportar vivenciar essa dor sozinha e eu tinha que dividir com alguém. Mesmo sendo de madrugada, liguei para o Ian.

Ligação on:

— Isabele?! Aconteceu alguma coisa? — A voz dele de sono estava ofegante.

— Aconteceu... — Forcei um tom de choro.

— Estou chegando!!!

Ligação off.

A minha mente estava cheia de pensamentos sobre o que poderia acontecer a seguir: meu pai me expulsando de casa, Léo do lado dele, e eu, sozinha e desnorteada, trocando fraldas. A ideia de abortar ainda pairava em meus pensamentos. Era trágico, mas perder tudo o que tenho seria ainda mais devastador.

Que fase horrível da minha vida, uma tempestade que parecia interminável.

O Ian chegou em alguns minutos, arrombou a porta da sala e me pegou no colo. O barulho foi alto, quase assustador. Ele correu comigo nos braços até o carro, sem dizer uma palavra. Segurei o riso enquanto ele travava as portas e ligava o motor, se preparando para sair.

— Ian... está tudo bem. — Sorri, tentando aliviar a tensão.

— O quê? — Ele me olhou com indignação, quase sem fôlego e a raiva estampada no rosto.

— Era só para você vir aqui em casa. Me desculpa!

— Eu poderia ter morrido do coração.

— Realmente aconteceu um problema hoje... A Bianca me virou as costas. — Minha voz saiu trêmula.

— Você contou para ela?

— Sim, mas não esperava essa reação dela. Me rebaixou de uma forma que me deixou mal.

— Deixe ela esfriar a cabeça... Se ela não voltar, deixe ela ir.

— Fizemos uma promessa de nunca abandonarmos uma à outra!

— Mas, agora você precisa soltar a mão dela.

— Ela soltou a minha primeiro.

— Nem tudo está perdido, Isa. Seremos muito felizes! — Ele sorriu e depositou um beijo suave em meus lábios.

Talvez o Ian estivesse certo. Quem sabe essa nova vida não veio para estragar os meus planos, e sim para completá-los? Eu não precisava de amizades que me abandonam no momento em que mais preciso. As palavras podem machucar mais do que imaginamos, mas eu jamais esqueceria de tudo o que vivemos. Eu ainda daria a volta por cima.

De Repente GrávidaOnde histórias criam vida. Descubra agora