A sala estava envolta de um silêncio acolhedor, exceto pelo suave zumbido do ventilador tentando espantar o calor da tarde. Eu reclinava no sofá, a mente navegando entre memórias e ansiedades. A luz que entrava pela janela tingia as paredes de um dourado suave, enquanto o cheiro do café recém-passado flutuava pelo ar, me lembrando de momentos mais simples. Meu estômago roncava, mas eu preferia esperar a Carla, que havia ido ao mercado.
"Devia ter ido com ela", pensei, um leve frêmito de culpa passando pelo meu coração. O médico me alertou sobre a importância do descanso, e enquanto repousava, minha mente começou a vagar para um cenário desconfortável. Como meu pai reagiria ao saber que estou grávida? O pensamento era como um peso na minha barriga. Ele, sempre tão firme, seria capaz de me expulsar de casa? Não, ele provavelmente ficaria decepcionado para sempre. O eco das minhas incertezas me consumia.
De repente, meu celular vibrou em cima da mesinha, interrompendo meus pensamentos. Ao olhar a tela, um frio na barriga me tomou: era ele. Respirei fundo e atendi.
Ligação on:
— Pai, que surpresa! Justo agora estava pensando em você.
— Eu tenho novidades!!
— Estava precisando ouvir algo bom. — minha voz transbordava expectativa.
— Estou voltando para casa em três dias.
— O quê?! Eu pensei que você ficaria aí por mais tempo!
— Você não gostou da novidade? — O tom dele, leve e divertido, quase me fez sorrir.
— É que eu e a Carla estamos aproveitando bem a nossa companhia.
— Fico feliz em ouvir isso, mas precisamos voltar.
— Vocês não podem ficar mais um tempo? Quero que aproveite bem as suas férias!
— Não. Agora, passa o telefone para a Carla!
— Ela foi ao mercado!
— Então eu ligo depois.
Ligação off.
Desliguei, o coração apertado. Ele não fazia ideia do turbilhão que se formava em minha vida. Quando a Carla entrou, com as sacolas abarrotadas de compras, não consegui evitar um sorriso.
— Trouxe as cerejas? — perguntei, quase como uma criança ansiosa.
— Claro, mas... você ainda não almoçou, né? — Revirou os olhos, claramente exasperada, mas minha alegria era contagiante.
— Não, esperei você chegar.
— Que consideração! — Carla sorriu. — O que mais aconteceu?
— Meu pai me ligou. Ele volta em três dias.
— Isso é uma boa notícia, certo?
— Não, não é bom.
Carla engoliu em seco, respondendo:
— Ah, fico feliz que ele voltará logo! Agora, vamos almoçar.
Naquela tarde, enquanto a comida era preparada, mandei uma mensagem para a Bianca, me desculpando pela ausência e convidando-a para passar a noite comigo. A angústia sobre o que havia feito me consumia. O Ian ainda não havia se manifestado após a discussão sobre a gravidez. Será que ele estava chateado? A ideia de que outros já soubessem me deixou ainda mais ansiosa.
— Carla, estava pensando em preparar uma social aqui em casa com poucos amigos.
— Quando?
— Amanhã! Estou precisando me distrair e me divertir um pouco.
— Por mim tudo bem, mas primeiro preciso falar com o seu pai.
— Ele não vai deixar. — revirei os olhos, a frustração evidente.
— Irei conversar com ele hoje e logo te dou a resposta! — Ela sorriu, e em um impulso, a abracei.
— Ah, talvez a Bianca vem dormir aqui hoje.
— E você pretende contar para ela?
— Não sei... Me ajuda?
— Faça o que seu coração mandar. Mas, não demore. Agora preciso ir! — Se despediu, antes de sair.
Sozinha, finalmente satisfeita, me entreguei ao prazer de comer cerejas e chocolate. Depois, me acomodei no sofá, onde o cansaço me envolveu em um abraço morno. Dormi como uma pedra, como o médico havia recomendado.
Quando acordei, a luz da sala já estava mais suave, quase mágica. O celular, derrubado, estava ao meu lado. Levantei-me, ainda sonolenta, e desbloqueei a tela.
Bate-papo on: Bianca / online
— Isa, já estou indo!
— Ótimo, vou pedir pizza.
— Irei passar no mercado para comprar sorvete. Alguma preferência?
— Doce com algum salgado, por favor!
— Mistura estranha, mas vou levar.
Pai / online
— Não.
— Não o que, pai?
— Não vou permitir uma reunião de amigos na minha casa.
— Por quê?
— Porque não. Basta eu viajar que você decide fazer festa.
— Prometo que será tudo organizado.
— Não faça nada sem minha autorização, irei pensar no seu caso.
— Preciso da resposta amanhã!
Ian / offline
— Contei para os meus pais, eles amaram a notícia!
Bate-papo off.
A vida realmente surpreende. Eu nunca imaginara que os pais de Ian aceitariam a gravidez com tanta leveza. Era uma ideia distante para mim, um mundo onde o amor era mais forte que os medos. Mas, enquanto a realidade me cercava, eu sentia um frio na barriga, a certeza de que não poderia esconder por muito tempo. Havia um futuro a enfrentar, e, apesar da juventude, começava a compreender que cada escolha tinha seu preço.
Com um suspiro profundo, olhei pela janela. O sol se punha, tingindo o céu de laranja e roxo, e ali, perdida entre sonhos e realidades, me perguntava: até onde o amor me levaria?
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De Repente Grávida
Genç Kurgu+16 "Ela não quer alguém que a entenda por completo. Mas ela não abre mão de alguém que acalme sua cabeça e principalmente o seu coração. Ela quer por as vezes estar junto de ti e ficar apenas em silêncio, mas que esse silêncio nunca signifique...