Earth Angel

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“Earth Angel, Earth Angel, Will you be mine? My darling dear, love you all the time, I’m just a fool, a fool in love with you…”

O sol invadiu o quarto batendo diretamente no meu rosto. Esquecemos de fechar a cortina na noite anterior, dando livre acesso a toda aquela claridade que me acordou pelas oito horas da manhã. Esfreguei levemente os olhos devagar e olhei em volta, suspirando. O ar ali era totalmente diferente de Los Angeles, meus lábios se curvaram em um sorriso bobo quando senti seu braço ao redor do meu corpo, virei-me devagar para ele, para que não despertasse. Nunca o tinha visto dormir antes, parecia tão calmo, tão frágil. Com a ponta dos dedos acariciei seu rosto sentindo os pelos da barba pinicando-me, eu gostava daquela sensação. Ele se remexeu e me assustei retirando rapidamente os dedos dele, mas ele ainda estava dormindo.
Será que estava sonhando? Se estivesse, gostaria muito de saber o que era. Gostaria muito de entrar naquela cabecinha linda e descobrir todos os seus pensamentos, medos, felicidades, traumas, memorias mais felizes, absolutamente tudo. Eu queria conhece-lo por inteiro. Cada mínimo detalhe de sua maravilhosa existência, mas o problema era que ele também queria saber sobre mim e minha vida era um baú, trancado a sete chaves. Ele respirou forte. Mordi o lábio inferior e com um pouco de dificuldade me aproximei de seu rosto, beijei seus lábios carinhosamente.
-Você nunca vai saber disso, Mr. J – sussurrei, no fundo meu interior queria que ele soubesse. Queria que ele acordasse ali e me puxasse para um beijo mais intenso, mas não aconteceu. Ele permaneceu imóvel, dormindo. Retirei seu braço de cima de mim e deslizei para fora da cama, despois de fazer minha higiene matinal desci até a cozinha. Abri a geladeira pegando alguns ovos e bacon mas antes de deposita-los em cima da mesa tive uma das visões mais lindas da minha vida. Pude ver a doca, o lago, o sol e pássaros que sobrevoavam o local animados. Se estivesse morrendo, seria a última coisa que desejaria ver. Sorri olhando para aquela imagem mas meu estomago roncou me lembrando que eu deveria alimenta-lo.
Comecei a preparar o café da manhã conforme as instruções vinham a minha mente, mas acho que faltava algumas coisas.
-Como faz essa droga? – murmurei para mim mesma, irritada com minha falta de experiência e esfregando o garfo na frigideira tentando remexer o bacon.
-Bom dia, Margot... Que cheiro é esse? – Jared apareceu na cozinha ainda usando moletom e esfregando o rosto.
-Do meu fracasso como cozinheira. – reclamei, meu bacon tinha virado toicinho. Ele se aproximou rindo e pegou o garfo da minha mão.
-Dou conta disso... Vá colocar a roupa mais confortável que você tiver. Um vestido de preferência.
-Nós vamos sair? – perguntei, ele me olhou e sorriu.
-Vamos dar um passeio. – Fiquei olhando para ele curiosa para saber o que ele havia planejado para aquela tarde. Subi de volta para o quarto e procurei alguma coisa confortável para vestir, achei um vestido peculiar que com certeza eu não usaria no meu dia a dia. Branco, flórido, que se fechava com botões na frente, era mais o estilo de Lizzy que nutria um amor intenso pelas décadas de quarenta e cinquenta, do qual eu nunca entendi ao certo, mas tudo nas décadas passadas a fascinava. Peguei uma sapatilha e desci de volta para a cozinha, Jared já havia feito nosso café da manhã. Ele parou seus olhos sobre mim por alguns segundos com a boca entreaberta me deixando sem graça, encolhi meus ombros sobre aquele olhar.
-Sei que o vestido é horrível, mas foi o único que achei.
-Você está linda. – falou.
Corei.
Porra, eu corei! Senti as bochechas queimarem diante dele. Caminhei até o balcão e olhei para os ovos com bacon que ele havia preparado e apenas sorri para ele atacando aquele café da manhã que estava delicioso.
Assim que acabamos de comer ele falou
-Pode esperar por mim na doca? Vou em um instante. – disse limpando a boca com pano.
-Claro.
Falei dando de ombros terminando meu café da manhã e indo para a doca. O sol brilhava acima do lago, andei pela doca e passei os dedos na agua gelada.
-É lindo não é? – Jared disse entrando no barco branco com uma listra azul. Ele se sentou e agarrou os remos. Olhei para o horizonte.
-É. – concordei sorrindo.
-Acho que vai querer vir comigo – voltei a olhar para ele e então caminhei entrando também no pequeno barco, me sentei a sua frente. Olhei para um violão que estava nos pés dele mas não fiz perguntas, ele apenas começou a remar para longe do cais.
-Onde vamos? – perguntei, ele apenas sorriu remando. Remou e remou enquanto eu brincava com as pontas dos dedos na água, a água era muito clara quase se podia ver peixes ali. Então ele finalmente parou de remar.
-Olhe em volta Margot – disse, levantei a cabeça e olhei ao meu redor, meus lábios se abriram em um sorriso encantada com o lugar. Havia cisnes, pássaros e patos. O Sol brilhava acima de nós, e havia muitas nuvens no céu. Não consegui dizer uma só palavra, só conseguia admirar aquela paisagem e olhei diretamente para os olhos dele, que pareciam mais claros com a luz do sol brilhando em seu rosto. Me senti dentro de um quadro, e ele era a pintura mais bela que alguém poderia ter feito.
-Faz muito tempo, muito tempo mesmo que não venho aqui – ele disse soltando os remos – e talvez seja a terceira coisa que eu mais goste de fazer.
Conseguia entender perfeitamente porque ele gostava dali.
-E a segunda? – perguntei curiosa, ele olhou para o violão depositado aos seus pés. Olhei para ele como se não acreditasse.
-Você toca?
-E canto.
Ele dançava.
Cozinhava,
Tocava,
Cantava,
E seu filme favorito era clube da luta.
Como ele poderia ter todos esses ótimos atributos? Deus já não havia sido generoso o bastante dando-o tanta beleza e inteligência?
-Toque alguma coisa. – pedi, assim que falei um pássaro vermelho pousou no nosso barco. Olhamos juntos para ele e sorrimos.
-O que quer ouvir?
-Hmm... –parei para pensar.
-Gosta de rock? – ele questionou. – um pouco de rock clássico para a Ms.
Pegou o violão pelo braço e o ajeitou em suas pernas passando os dedos pelas cordas lentamente. Olhava atenciosa para ele, para cada detalhe como se não pudesse perde-los de maneira alguma. Suspirei assim que ele abriu a boca para começar a cantar.
-Earth Angel, Earth Angel, Will you be mine? My darling dear, love you all the time
I’m just a fool, a fool in love with you…
A voz dele era rouca, mas era doce. Ele cantava olhando diretamente em meus olhos, apenas olhando as vezes para os dedos para mudar algumas notas, cruzei minhas pernas, apoiei meu cotovelo sobre ela apoiando meu queixo em minha mão. A voz dele parecia invadir minha alma junto com as notas que saiam do violão.
-Earth Angel, Earth Angel, the one i adore… Love you forever and ever more, I’m just a fool, a fool in love with you…
Outro suspiro, estava hipnotizada pela sua voz e seus olhos.
-I fell for you and i knew the vision of your love, loveliness.
-And I hope and I pray that someday I’ll be the vision of your hap, happiness.
Oh earth angel, earth angel, will be mine? My darling dear, love you all the time…
Cantamos essa última parte juntos. Ele pareceu um pouco surpreso e alegre por me ver cantando essa música. O que eu podia fazer? Adorava os clássicos. E nossas vozes soaram muito bem juntas.
Ele colocou o violão de lado e sorriu encantadoramente para mim.
-Agora eu posso confessar de que você realmente me surpreendeu. – admiti, ele ficou meio sem graça com o meu comentário e sorriu meio bobo, mas era a mais pura verdade. – costuma cantar para todas as garotas com quem está?
Juntou as sobrancelhas.
-Na verdade você foi a única.
Abri a boca sem saber direito como responder aquilo. Como uma garota deve responder ao ouvir algo assim? Mordi o lábio inferior.
-Bom... Mas qual a primeira coisa?
-Primeira coisa?
-Você disse que tinha três coisas que gostava de fazer. Duas eu já sei, qual a primeira?
Sorriu de lado apertando os joelhos com as mãos e no minuto seguinte estava sentado ao meu lado, olhando fundo em meus olhos. Segurou meu queixo com o polegar e sorriu.
-Isso. – se inclinou e me beijou. De início eu não quis aquele beijo, mas fui incapaz de lutar contra. Seus lábios pareciam combinar perfeitamente com os meus. Me vi puxando-o para mais perto de mim em um beijo mais intenso do que ele mesmo pretendia dar. Suas mãos apertavam minha cintura e eu queria não estar ali, queria estar em um quarto com ele.
Então parei de beija-lo para recobrar o ar em meus pulmões. Minhas mão ainda estavam sobre seu rosto, estudei cada detalhe daquele rosto, os olhos, as rugas, os lábios, a barba, as sobrancelhas... cada detalhe perfeitamente colocado ali para acabar com meu amor próprio.
Mordi o lábio inferior, ele também me olhava como se estivesse fazendo o mesmo que eu. Olhávamo-nos como se fossemos dois adolescentes descobrindo um novo mundo. Isso, eu havia descoberto um novo mundo.
Uma gota de água caiu na ponta do meu nariz, Jared passou o indicador sobre ele sorrindo. Olhou para o céu.
-Acho que vem vindo uma chuva de verão aí. – disse, olhei para o céu e algumas outras gotas caíram em seguida. Os pássaros começaram a voar para longe em busca de abrigo e Jared voltou a pegar os remos, mas não foi tempo suficiente. A chuva fina nos pegou ainda enquanto ele remava de volta a doca.
Saímos do barco rindo e corremos de volta para a casa do lago. Assim que entramos olhei-me no espelho que ficava na entrada da casa, ri ao ver minha situação. Estava sem sutiã e o vestido tornara-se transparente, os bicos dos meus seios eram notáveis através do vestido e meu cabelo caia sobre o meu ombro. Jared retirou a regata molhada jogando-a para longe, virei-me para ele rindo e recobrando minha respiração após a pequena corrida. Olhamos para a janela e a chuva parecia já ter ido embora, obrigada céus por estragar nosso passeio.
-Isso não estava nos meus planos – ele disse jogando o cabelo molhado para trás.
-Cadê seu violão? – indaguei, arregalamos os olhos juntos e logo caímos na gargalhada novamente. A gargalhada dele era tão gostosa e boa de ouvir. Se aproximou de mim colocando a mão na parede e fomos parando de rir fitando-nos calmamente, mas ao mesmo tempo desesperados, desesperados pelo contato de nossos lábios.
Sorri para ele e ele se aproximou beijando-me novamente. Logo todo o seu corpo se juntou ao meu me dando arrepios, nossos corpos molhados se encontrando daquela forma. Suas mãos foram até minhas costelas subindo em direção aos meus seios que ele apertou devagar.
-Hm... Jar – gemi virando o rosto para o lado dando-o a liberdade de beija-lo, o que ele fez rapidamente chupando com força aquela área. Mordi o lábio inferior. Passei sua mão em seu abdômen e o arranhei levemente, ele grunhiu. E porra, como eu amava o grunhido dele. Ele se afastou um pouco olhando todo o meu corpo com desejo, voltou a se aproximar e com as duas mãos rasgou o meu vestido abrindo-o revelando meus seios. Então rapidamente me pegou no colo e chupou um dos meus seios, mordendo o bico com delicadeza mas me fazendo soltar um leve gemido.
Entrelacei meus dedos em seu cabelo fazendo-o olhar para mim.
-Me leve para aquele quarto, me come, me fode, me ame.
Seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso e delicioso. Abaixei minha cabeça para beija-lo novamente e então... batidas. Alguém bateu na porta. Franzimos o cenho e olhamos para a porta juntos. Quem poderia ser?
-Já vai! – Jared disse alto e irritado, colocando-me no chão novamente. Fiz um biquinho, seja lá quem for, já havia ganhado minha antipatia. – vá colocar uma outra roupa, seca. E me traz uma camiseta, por favor.
Sorri para ele e fui até o quarto trocando meu vestido rasgado por uma camiseta grande dele e um short de couro, curto. A camiseta tinha o cheiro dele e o cheiro dele era muito bom. Sorri cheirando a camiseta pela décima vez, peguei uma para ele e desci as escadas. As vozes vinham da cozinha.
Assim que entrei dei de cara com um homem alto, loiro, de olhos azuis. Jared e ele estavam tomando cerveja.
-Margot, esse é Ryan Gosling. – Jared falou um pouco alegre, lhe entreguei sua camiseta.
-Margot Robbie. – ele vestia uma blusa xadrez, jeans e botas. Era bonito mas seria melhor sem todo aquele estilo caipira, ele me olhou e então desejei estar vestindo algo além da camiseta e o short curto. Seu olhar percorreu todo o meu corpo, parando rapidamente em meus seios e então ele sorriu levando a garrafa até os lábios.
Vamos ser honestas, qualquer garota sabe quando um olhar vem cheio de segundas intenções e no olhar dele havia as terceiras e as quartas também. Mas Jared parecia tão feliz com a presença do amigo que mal percebeu alguma coisa.
-Era melhor amigo de Jared até ele me abandonar para ir para nova York.
Os dois riram.
-Não podia ficar para sempre na caminhonete do seu pai atrás de garotas. – e os dois voltaram a rir.
-É, eu deveria ter ido junto com você... Não se deu bem apenas nos negócios.
Falou me deixando um pouco intimidada para ser honesta. Eu deveria dizer que Jared e eu não estávamos juntos? Será que Jared contaria a seu amigo que eu era sua amante? Eu era sua amante?
-Talvez eu seja o cara mais sortudo do mundo. – Jared disse me abraçando e beijando o topo da minha cabeça.
-Jay, me disseram no bar do Joe que você estava de volta a cidade e eu precisava checar com meus próprios olhos. Vi Cara semana passada e então imaginei que fosse verdade.
-Tive que dar uma pausa na cidade grande, as vezes aquilo tudo é um pouco irritante, cara.
Eu ainda estava tentando me acostumar ao ouvir ele chamando-o de Jay.
Ryan levou a cerveja novamente até seus lábios.
-Vamos até o bar do Joe hoje, leve sua garota para conhecer seus antigos amigos. – ele sugeriu. Mas por que sua voz soava tão pretenciosa? Jared concordou rapidamente. Ele parecia gostar daquele lugar, daquelas pessoas e daquela casa. Ficamos conversando algumas bobagens até Ryan ir embora. Assim que ele saiu percebi Jared realmente muito animado, começou a me contar histórias dos dois de quando eram crianças e pré-adolescentes e o meu sexo daquela tarde foi completamente esquecido.
Mas tudo bem porque passamos a tarde toda assistindo filmes juntos, filmes que gostávamos igualmente como American Beauty, Fight club, American Pyscho. Clássicos dos anos noventas, e quando assistimos o último filme já era oito horas da noite. E ele estava animado para ir até o Bar do Joe, e seja lá quem for esse Joe eu estava animada por conhecer esse lado da vida dele, de quando ele era um simples mortal e não um magnata.
Entramos no impala e ele dirigiu até o bar, eu não sabia ao certo se deveria lhe contar dos meus pressentimentos sobre Ryan, talvez não devesse. Aliás, eles eram amigos ah uns vinte anos, e Jared trocaria uma amizade assim por minha causa? Claro que não. Seria muito estupido se fizesse, mesmo que eu me julgasse boa demais para isso. Mas mesmo assim queria tomar todas as minhas prevenções contra Ryan, assim que parei ao lado de Jared entrelacei nossos dedos e ele olhou para aquilo surpreso. Sorri sem mostrar os dentes. E então entramos juntos no bar, tocava uma música country e o local parecia ser bem antigo. Avistamos Ryan sentado no balcão tomando sua bebida.
-Jay! – ele se levantou e olhou rapidamente para nossas mãos, retirou o palito de dente da boca – você veio, cara.
-Achou que eu perderia a chance de esfregar na sua cara que estou com a garota mais bonita do mundo?
Era estranho ouvir ele falar daquele jeito sobre mim. Primeiro porquê não estávamos juntos, e segundo porquê eu não era um objeto que se esfrega na cara de ninguém. Mas me mantive calada, além do que, já estava acostumada a ser tratada assim mas não queria ser tratada assim por ele. Ryan desviou os olhos para mim e fez uma careta.
-Tudo bem você venceu.
-Não entendi – falei olhando para Jared, pedindo explicações.
-Você pode olhar para Jay hoje e ver esse símbolo sexual – riu de si mesmo – mas na adolescência usava óculos e aparelho nos dentes, além de ser muito alto e muito magro. Como uma lagartixa anêmica.
Rimos daquilo, Jared cerrou os olhos.
-Ele só diz isso porque se parecia com Kurt Cobain na época. Cabelos longos e loiros, blusas de flanelas xadrez e all star.
Ryan pareceu um pouco ofendido mas riu.
-Mas ao menos eu conseguia garotas. Disse a Jared que talvez ele teria sorte se namorasse uma nerd. Talvez elas dessem atenção para alguém tão feio mas com uma mente incrível.
-O que vale é sempre o interior, não é? – comentei.
Ele sorriu de lado.
-Por isso digo que você tem mais do que aparenta, Margot.
A voz dele soou um pouco baixa ao dizer meu nome, fechei a cara no mesmo instante. Aquele cara não era confiável, não mesmo e me perguntei como Jared não conseguia enxergar aquilo.
-JAY?! – a nossa conversa foi interrompida por um grito agudo que quase fez todos no bar voltarem sua atenção para nós. Uma mulher morena, baixa, de cabelos longos e escuros correu e ignorando a minha presença se jogou nos braços de Jared que não sabia ao certo o que fazer. Ele tentou parecer tão animado quanto a garota, mas ela estava sufocando ele. Finalmente ela o soltou e olhou diretamente em seu rosto.
-Não acredito que é você.
-Lea, você não mudou nada. – ele falou, ela colocou a mão na cintura e sorriu para ele.
-Você por outro lado...
Limpei a garganta para lembra-los de que ainda estava ali. Mesmo confusa e um pouco perdida.
-Lea, essa é a Margot.
-Namorada. – falei voltando a segurar sua mão que ela o tinha feito soltar. Seus lábios formaram um “o” perfeito e eu sorri interiormente vendo a decepção tomar conta de seus olhos.
-Bom... é um prazer te conhecer. – disse – temos tanto o que conversar. Me conta tudo sobre vocês.
Lea era muito animada e muito bonita. Jared e eu nos entreolhamos e sorrimos, sem saber ao certo o que contar para ela, talvez devêssemos deixar algumas coisas escondidas para evitar julgamentos. Nós quatro sentamos em uma das mesas e pedimos uma rodada de cerveja para esquentar mais a noite.
-Então vocês estão juntos ah quanto tempo? – perguntou ela abrindo a cerveja com as mãos.
-Não muito... – respondi parando para pensar. Não muito.
-Mas você já está noiva? – ela olhou diretamente para a minha mão em cima da mesa, abri e fechei a boca rapidamente sem saber direito o que responder. Ryan sorriu de lado e lançou um olhar para Jared, aqueles olhares que melhores amigos fazem.
-Não pude esperar, não é sempre que encontramos um magnata por aí, não é? – tentei soar como eu soaria em uma conversa, ou até como Lizzy soaria. Arrogante, interesseira. Mas acabei percebendo que quando estava com Jared eu não conseguia ser assim, conseguia agir como uma garota normal de vinte e dois anos. Eles riram acompanhando-me.
-Ou não é sempre que encontramos uma garota como você. – Jared disse me deixando um pouco sem graça. Por mais que eu estivesse tentando fazer daquilo uma atuação as palavras dele eram sempre sinceras que me deixavam sem graça na frente de seus amigos. Ex amigos. Como deveria chama-los? Não sei direito como essas relações funcionam, acho que as pessoas mudam com o passar dos anos e quando você fica muito longe de alguém por um longo tempo aquela pessoa acaba se tornando um estranho para você e aí então vocês tem que se reconhecer, começar do zero. Por esse motivo nunca me afastei de Lila ou Lizzy.
-Jared que tal um jogo? – Ryan olhou para a mesa de sinuca vazia. Os dois se levantaram animados e foram jogar, deixando Lea e eu sozinhas.
Aproveitei para reparar bem nela, lembrava um pouco Natalie fisicamente talvez por causa da cor dos olhos e o cabelo mas só nisso mesmo. Era inteligente, madura, e sabia manter uma ótima conversa. Tinha a idade de Jared, trinta e cinco anos, professora de história no ensino médio, uma pessoa normal. Que levava uma vida simples naquela cidade.
-Bom, como você o conheceu? A última notícia que tive dele era que estava noivo.
Levantei os olhos para ela, sua voz soava um pouco magoada ou era impressão minha?
-Em um jantar. Foi tipo amor a primeira vista.
Ela sorriu amarelado e respirou fundo.
-Passei muito tempo imaginando como seria vê-lo novamente. Não imaginei que ficaria tão feliz e tão nostálgica ao mesmo tempo.
Suspirou.
Olhei em seus olhos.
-Quanto tempo vocês namoraram? – ela olhou diretamente para os meus olhos com a boca entreaberta.
-Ele falou sobre mim? – questionou. Sua voz soou um pouco alegre e esperançosa, seria ótimo para ela saber que ele ainda lembrava e falava dela para suas atuais namoradas, mas mesmo se eu quisesse fazê-la se sentir bem eu não podia, pois ele nunca havia mencionado seu nome antes nem para mim ou até mesmo para Natalie.
-É meio obvio o jeito que você olha para ele... Mas não, ele nunca mencionou você antes. – falei.
Ela relaxou os ombros e se encostou na cadeira virando o rosto para o lado. Ryan e ele estavam se divertindo jogando sinuca, sorri ao vê-lo sorrindo daquela forma.
-Nos conhecêssemos quando tínhamos treze anos, quase quatorze, e ele foi o meu primeiro sabe? E eu a dele. – outro suspiro, eu deveria sentir ciúmes dela? – mas acho que ele deve ter melhorado muito com os anos em relação a isso. Tínhamos apenas quinze anos na época, nem sabíamos o que devíamos fazer na hora. – riu de si mesma como se estivesse lembrando daqueles dias.
-Ele dizia que iria estudar história comigo para podermos ir juntos para a faculdade, mas aí Carl morreu e ele não queria mais essa vida de caipira, foi como se o Jared que eu tinha conhecido havia morrido também. E então ele me abandonou, acredita? O desgraçado escreveu uma carta e me abandonou.
Ela fingiu ainda estar magoada.
-Agora ele volta aqui com a mulher mais linda que alguém poderia ver. – sorri com o elogio dela, era uma boa mulher. Diferente de mim, muito diferente de mim aliás. – eu deveria quebrar a cara dele – disse tomando um gole da cerveja.
-Podemos fazer isso juntas – rimos.
-Ryan não acreditava no que ele tinha feito, ficou com tanto ódio que jurou quebrar a cara dele quando o visse novamente – ela olhou rapidamente para eles mas voltou-se para mim – ele estava cego de ódio mas podemos ver que a raiva já passou depois de vinte anos.
Juntei as sobrancelhas, havia perdido alguma coisa na história.
-Eu estava grávida quando Carl morreu e achei que um filho o faria se sentir bem. – falou rapidamente e depois parou um pouco para pensar – mas ele não queria filho algum, queria ir embora.
Abri a boca surpresa. Será que existia um mini Jared andando por aí com os mesmos olhos azuis? Pior, será que ele foi ganancioso o bastante para abandonar o filho e ir embora assim? Eu odiei pensar isso. Odiava pais que abandonavam filhos. Odiava mães que entregavam filhas para traficantes.
-De alguma forma acho que os deuses escutaram o lamento de Jared pois uma semana antes dele partir sofri um aborto espontâneo e então mais aliviado ele se foi.
-Não sabia que ele poderia ser tão canalha assim
Ela riu.
-Consegui perdoar ele. Mas Ryan jurou vingança. – revirou os olhos.
-Por que Ryan ficou tão furioso?
-Ele é meu irmão mais velho, queria apenas me defender.
Quanta coisa para digerir.
-Mas acha que Ryan finalmente o perdoou?
-Acho que Ryan pode ser mais do que aparenta ser... Ah por favor, não quis assustar você com essas histórias do passado, tenho certeza que ele é um homem melhor agora. Não quis intimidar você, só tenho um problema de conseguir me abrir rapidamente com as pessoas.
Não havia razões para me sentir intimidada. Não éramos noivos, não éramos nada. Talvez se fosse Natalie ali no meu lugar as duas teriam trocado olhares raivosos e se xingando mentalmente mas não havia motivos para eu fazer isso e mesmo se estivéssemos juntos ainda assim teria gostado de conhecer e conversar com Lea, isso que a sociedade diz sobre atual ter ciúmes da ex e vice versa é ridículo.
-Está tudo bem, assim conheço um outro lado dele que ele não me conta.
Nós duas rimos novamente e então depois de mais alguns minutos os dois voltaram para a nossa mesa.
-Jay está me devendo uma caixa grande de cerveja. – Ryan disse animado.
-Dá um desconto, há anos que não jogo isso.
-Vamos ver se você ganha de mim! – Lea se levantou animada e o puxando para a mesa de sinuca, Ryan tomou seu lugar sentando-se a minha frente.
Ele olhou rapidamente para os meus peitos e depois para o meu rosto.
-Caramba eu realmente deveria ter ido com o Jay – disse rindo e passando o dedo debaixo do nariz.
-Desculpe? – me fiz de desentendida.
-Ele parece realmente gostar de você.
-Sim – dei um gole na minha bebida e desviei meu olhar. Não queria conversar com Ryan e nem ficar sozinha com ele então me levantei e fui para a mesa de sinuca ver o jogo deles, Jared estava perdendo feio para Lea.
-Que vergonha, Mr. J. – zombei, todos riram. Peguei o taco de sua mão e estendi minha cerveja para que ele segurasse, me inclinei sobre a mesa e fechei um dos olhos mirando na bola a minha frente. Se eu me inclinasse um pouco para direita...
-Vermelha e verde juntas – disse encaçapando as duas bolas juntas apenas com um movimento rápido, reto e forte. Sorri para ele arrogante, Lea sorriu peguei minha cerveja e dei mais um gole nela. Lea era boa na sinuca mas era isso que eu fazia durante a minha adolescência ao invés de ir para a escola.
-Você não parece ser uma garota que curte esses jogos – Lea disse animada.
-Cresci em bares, jogos, apostas, sinucas, era tudo o que sabia fazer – além de dançar e ficar nua para homens mais velhos.
Ficamos jogando sinuca e bebendo cerveja até as 1h da manhã. Jared já estava sendo um bêbado chato e manhoso. Então decidi voltar para a casa do lago antes que ele bebesse mais, Ryan e Lea também estavam bêbado e chatos, muito descontrolados rindo e cantando como loucos.
-Vão amanhã até a casa do Lago para jantar com a gente. – Jared disse para eles enrolando as palavras.
Eu era única a estar sóbria ali. Graças a minha excelente memória para recordar caminhos conseguimos chegar a casa do lago.
-Vamos tomar um banho, Jared, você não vai dormir comigo com esse bafo de cerveja. – reclamei subindo as escadas com ele, que riu do meu comentário e jeito mandão.
O joguei em baixo do chuveiro mas ele me puxou me molhando toda, tive que tomar banho com ele. Não foi uma experiência tão ruim só queria que ele estivesse ao menos se aguentando ereto. Sem jantar fomos dormir, vesti uma calcinha qualquer e uma outra camiseta dele, ele nem se importou em colocar algo mais além de sua cueca boxer.
-Vai me dizer o que a Lea estava te contando sobre mim? – ele murmurou com a cabeça deitada sobre o meu peito e seu braço ao redor do meu corpo. Respirei fundo.
-Me contou sobre o bebê e como você a abandonou.
Ele bufou suspirando em seguida. Levantou a cabeça olhando-me.
-Não me julgue mal, Margot – passei meus dedos entre seu cabelo molhado e arrepiado – não estava pronto para ser um pai ou assumir uma família, estava prestes a completar dezessete anos. Posso ter sido um covarde mas não teria sido um pai que aquela criança iria merecer... Carl tinha acabado de morrer, Shannon estava traficando e usando cocaína...
-Shannon usava cocaína? – perguntei surpresa.
-Um ano. Foi preciso um ano para que eu conseguisse ajudá-lo a ficar limpo daquela merda.
Mordi o lábio inferior imaginando qual seria a reação dele se descobrisse que eu também era uma viciada. Obvio que graças ao meu dinheiro, uma boa alimentação e academia eu não parecia uma viciada mas era, alguns dias longe era o suficiente para me deixar louca e foi só falar da droga que senti meu nariz coçar. Pedi para continuasse com a história para que eu pudesse me distrair. Ele suspirou.
-Minha mãe que sempre foi tão forte estava desmoronando. Um bebê não resolveria nada, pelo contrário e até mesmo Lea não seria uma mãe ideal, era apenas uma adolescente que achava que conhecia o mundo mas nunca pisou o pé para fora de Fell’s church. Fiquei extremamente triste por saber do aborto mas também fiquei aliviado. Nem eu ou Lea podíamos dar uma vida digna para essa criança.
-Eu não te culpo. – disse – as vezes é melhor do que predestinar uma pessoa a uma vida triste e miserável. – falei pensando se talvez minha mãe tivesse me matado quando descobriu que eu estava na sua barriga teria me poupado tanta dor e miséria – Vocês não estavam prontos, talvez tenha sido melhor assim.
Ele sorriu sem mostrar os dentes e apertou mais seus braços contra o meu corpo.
-Já te disse hoje o quanto você é linda? – falou.
-Não. – fiz um biquinho.
-Você é linda, Margot Robbie. – Adorava como ele pronunciava o meu nome.
-Você está bêbado!
-Sim, e amanhã estarei sóbrio e você continuará linda. 

A acompanhante (CONCLUÍDA) Onde histórias criam vida. Descubra agora