72

1.5K 264 35
                                    

Branco

Olhei para o doutor na minha frente com aquele terno alinhado e gravata combinando. O cara tinha o maior estilo de playboy mesmo, de quem contava forte no dinheiro.

Tinha o cabelo bem cortado, um relógio caro no pulso e um cheiro forte de perfume importado que tomava conta da sala. Eu já sabia que a presença dele ali não era barata.

Branco: Boa noite, doutor.

Henrique: Boa noite, Michael. Tranquilo?

Branco: Na paz... quais as novidades pra mim?

Henrique ajeitou a postura e abriu uma pasta que carregava, tirando alguns papéis de dentro. Seu olhar era sério, e eu já sabia que nada do que ele fosse falar ali me traria boas notícias.

Henrique: Eu tenho recado pra você lá de fora e tenho novidades sobre o seu caso. Qual você prefere?

Branco: Sobre meu caso primeiro.

Henrique suspirou, como se já soubesse que eu não ia gostar do que estava por vir.

Henrique: Você está acusado no artigo 33. A pena varia de cinco a quinze anos.

Senti um aperto no peito, mas permaneci calado. Deixei ele continuar.

Henrique: Como você é réu primário, podemos usar isso a seu favor. Não tem nenhum indício de outro crime na sua ficha e, principalmente, eles não têm provas suficientes pra te acusarem como chefe do tráfico. Isso joga a nosso favor. As coisas não são tão ruins quanto parecem. Se tivermos um bom julgamento e você manter um bom comportamento aqui dentro, pode sair em três anos.

Passei a língua nos lábios, refletindo. Três anos ainda era tempo demais. Muito tempo longe da pista, longe do meu menor que ia nascer, longe de tudo que eu construí.

Inclinei o corpo pra frente, apoiando os cotovelos na mesa, pra ficar mais perto dele.

Branco: Eu não tenho três anos, doutor. Em menos de um mês meu menor chega na pista. Eu quero no máximo um ano pra mim tá fora daqui. Eu me garanto no bom comportamento, mas você tem que se garantir na tua profissão... tô ligado que cada hora sua aqui vale mais de cinco mil, então você tem que fazer valer a pena.

Henrique me olhou fixamente, como se calculasse as possibilidades. Depois pegou outro papel e continuou lendo.

Henrique: Seu vulgo é bem conhecido, mas seu rosto não. Ninguém sabia quem era você até então. Quando foi rendido, estava sem armas e sem nenhum tipo de substância ilícita.

Branco: Isso aí eu tô ligado. Me entreguei sem nada por isso mesmo, pra não ser acusado de outras coisas. Tá falando só do que eu sei.

Henrique: Eu não tive tempo para estudar seu caso direito ainda, mas pelo que li por cima, posso tentar reverter a situação a seu favor. O problema é que até a audiência sair, vai levar tempo. Depende da boa vontade do promotor.

Branco: Tá certo. Mas tu vai estudar meu caso direito e vai correr atrás pra mim sair o quanto antes. Te garanto que o malote no final vai ser bom.

Henrique deu um sorriso de canto, como se já soubesse disso.

Henrique: Não tenho dúvidas disso, Branco. Me pagaram o dobro pra vir aqui hoje... Mas enfim, seu caso, no momento, vai seguir parado. Vou tentar marcar a audiência o mais rápido possível, porque certamente vai precisar de mais de uma.

Eu odiava depender da justiça, odiava saber que meu destino estava nas mãos de um juiz e de um promotor que nem faziam ideia de quem eu era. Mas eu precisava confiar no trabalho do Henrique, porque ele era minha única chance.

Branco: Vou confiar no teu trabalho.

Dei um sorriso de canto, mas sem real animação. Eu sabia que era um jogo de paciência agora.

Branco: E como tá lá fora?

Henrique ajeitou os papéis e me olhou nos olhos antes de responder.

Henrique: Sua família tá bem. Sua mãe e sua irmã estão cientes e vão vir te visitar. As carteirinhas delas já estão sendo produzidas... e a da Isabella também.

Minha testa franziu automaticamente. Levantei a cabeça e olhei pra ele sem esconder a surpresa. Eu não imaginei que a Isabella viria.

Henrique: Estamos tentando agilizar a próxima visita pra daqui uma semana, por causa das condições da sua mulher. O Flávio... — ele pausou, como se soubesse que eu entendia do que se tratava — mandou avisar que está cuidando de tudo pra você.

Branco: Tenho certeza que ele tá cuidando muito bem...

Falei baixo, quase pra mim mesmo. Eu sabia que podia contar com o Lobo, mas sabia também que ele estava se aproveitando da minha ausência. Não era burro.

Branco: Esse bagulho de visita vai demorar?

Henrique: Da sua irmã tá quase pronto. Como ela é a única parente sanguínea, foi fácil. Da sua mulher, o Lobo providenciou um documento alegando que vocês são casados, então talvez demore alguns dias. Agora, da sua mãe... essa segue sendo difícil, porque ela não é sua mãe biológica.

Branco: O papo é que eu preferia que elas nem se metessem nisso, sabe? Mas sei que não vai adiantar porra nenhuma.

Henrique apenas assentiu, sem comentar.

Henrique: Me pediram pra te avisar que o seu amigo faleceu na operação. O Brito.

Meu corpo gelou. Olhei pra ele sem acreditar naquilo.

Branco: Que porra é essa, doutor?

Henrique confirmou com a cabeça. Meu sangue ferveu, minha respiração pesou.

Branco: Droga, caralho!

Bati com força na mesa, sentindo a raiva me consumir. Respirei fundo, tentando me controlar, mas estava difícil. Brito era um cara bom. Tinha seus defeitos, como todo mundo, mas sempre foi leal. Sempre me ajudou.

Branco: Manda o Flávio mandar a pensão pra mulher dele toda semana. Todo o lucro que a loja dele receber é dela.

Henrique anotou o recado e fez um gesto afirmativo.

Henrique: Nossa reunião acabou o tempo. Mas eu tento voltar da próxima vez com melhores notícias.

Branco: Fé pra tu, doutor.

Ele se levantou e saiu da sala. Logo em seguida, um dos carcereiros veio e colocou as algemas em mim. Fui conduzido de volta pra cela.

Ao chegar, sentei no chão frio e soltei um longo suspiro, encarando o teto. O ar dentro daquela cela era pesado, sufocante.

Urso: Os primeiros dias são foda, mano, depois acostuma... Quer?

Ele me ofereceu um cigarro. Peguei da mão dele e acendi, tragando devagar.

Urso: Primeiro as horas nem passam. Depois, quando você tá acostumado, o dia passa voando. A gente se diverte como pode.

Soltei a fumaça pelo nariz e bufei.

Branco: Pra mim, cada dia aqui vai ser uma eternidade.

Eu estava sozinho nessa porra. Longe de tudo. Longe de quem eu gostava. Aqui, eu não sabia se podia dormir tranquilo ou se alguém já tava na minha maldade.

E pior... eu não confiava em ninguém. E ninguém confiava em mim.

No alto do caos Onde histórias criam vida. Descubra agora