5: Klaus

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Final de Fevereiro de 2016











Klaus Shevchenko andava apressado em uma rua estreita e deserta de um bairro portuário modesto, estava atrasado justo no dia que não deveria estar, para alguém tão pontual ele se condenou por isso durante o trajeto...
   Não era um lugar tão distante, o local da entrevista de emprego, muito menos formal mas ele queria impressionar se pudesse conseguir, se tivesse a chance de conseguir o emprego seus problemas financeiros estariam resolvidos, o serviço era bem remunerado, a bonificação era atraente e dentro de pouco tempo teria dinheiro o suficiente para acertar suas dívidas e realizar o sonho que vinha cultivando ao longo dos anos com sua amada noiva.
   Ele estava ansioso mas sabia administrar os excessos de seu nervosismo, era uma ansiedade boa, de querer ser o escolhido por isso a gravata embora o emprego em si não tinha necessidade desse tipo de formalidade, e seria temporário pelo menos até a resolução de suas questões, ele não pretendia estender por mais de um ano, não suportaria ficar longe de Helena, sua noiva, dona daquele par de olhos claros comoventes, ele não sabia como lidar com aquela separação por mais breve que fosse... alguns meses no mar, afastados um do outro, deixaria a ambos enlouquecidos de saudades mas era necessário, foi o combinado entre os dois... realizações de sonhos exigiam sacrifícios.
   O romance poderia esperar por enquanto, não faria nenhum dos dois amar menos o outro depois de tudo o que viveram e por quanto passaram...
   Quando Helena conheceu Klaus, ele era apenas um turista de passagem na cidade de Berbera mas a paixão foi mais forte, irresistível, porém Helena era casada... foi difícil para ela ceder aos encantos daquele amor inesperado, ceder aquela paixão intensa que consumia seu peito todas as vezes que pensava nele, mas a jovem senhora era forte em seus princípios, no que acreditava ser correto e demorou para tomar uma decisão, se ela abandonaria o marido e se arriscaria naquele amor, havia risco e consequência e agora ela pagava, mas quem perguntasse a ela se haveria arrependimento ela simplesmente não poderia se arrepender... em seu ponto de vista ela não tinha nada a perder, o marido a amava mas o casamento arranjado não lhe despertara em nada em mesmo sentimento, ela não o amava... no começo de seu relacionamento com Klaus passaria por dificuldades mas estaria disposta a enfrentar, a família não era tão generosa com ela, desde que tomou a decisão mas ela não se sentia como alguém que perdendo pelo contrário estava ganhando, a cada dia que tinha com Klaus ela sabia que estava ganhando.
   Helena era enfermeira, não amava o esposo, o casamento foi arranjado por seus pais mas ainda sim o respeito a sua dignidade e aos sentimentos dos outros era profundo, ela jamais machucaria alguém para ser feliz, sua consciência não ficaria em paz... Helena sempre fora sincera com seu marido, era fiel e dedicada, a esposa perfeita e ele apesar de ama-la deixou-a ir, os pais de Helena, conservadores, é que foram seu maior problema, relutavam em aceitar o noivo e por isso a convivência com os pais tornou-se cada vez mais insustentável, ela os amava e não queria ser obrigada a escolher entre eles e Klaus.
    Tentaram persuadi-la que talvez fosse um erro mas era tarde demais, o ódio e raiva dos pais quase haviam acabado com ela... até o momento que eles deixaram de pressiona-la e apenas o silêncio e vazio eram a forma de puni-la.
     Klaus emocionou-se com a atitude da noiva de largar tudo para ficar com ele, a apoiava cega e incondicionalmente, nenhuma mulher havia tocado-o tão profundamente quanto àquela mulher fora capaz de chegar em seu coração, e por ela ele faria tudo.
     Por isso estava ali procurando por um emprego era estrangeiro, americano, e para ele era um desafio encontrar alguma coisa, ele era fotógrafo antes de conhecer Helena, ela não queria abandonar a cidade Natal haviam muitas pessoas no hospital onde trabalhava que dependiam dela e ela não conseguiria deixá-los, Klaus não queria tirar isso dela, os pacientes eram a única família que ela tinha agora além da tia não havia mais ninguém que lhe servisse de apoio... amar era um constante processo de doação, ambas as partes teriam de fazer suas escolhas para ficarem juntos, e não hesitaram em fazê-los.
    Mas amor não era cartão de crédito, nem talão de cheques, não podia fechar as contas no final do mês, assim Klaus fora inspirado pela força de vontade da virtuosa mulher que o possuira logo de início, por ela, pelos dois ele estava ali correndo tentando ser o mais rápido possível, um atraso significaria uma oportunidade perdida e isso ele não poderia arriscar, os últimos minutos de beijos e carícias na sala do apartamento de Helena foram preciosos mas ele precisava correr... suas vidas juntos dependiam disso. Começava a escurecer enquanto corria, o bar onde encontraria o entrevistador, recomendação do amigo do tio de Helena, Mohamed, a tia e o tio eram bons amigos, os únicos da família que os apoiava já que os demais os crucificava, condenava sua relação.
     O bar ainda estava longe, Klaus se entristecia, chegava a sentir aversão de todos aqueles que apontavam o dedo para Helena e chamavam-na de promíscua, insolente, mas ela o fazia esquecer dizendo que um dia aceitariam seu amor.
   Mas agora com ele distante, se fosse aceito no trabalho, as pessoas seriam ainda menos gentis com ela, esse era outro motivo para não querer partir, queria estar ao lado dela para defende-la se fosse preciso, alguém como Helena, uma mulher tão boa e caridosa não poderia ser rechaçada daquela forma, pareciam que todos tinham esquecido de quem era ela e viam apenas o que achavam condenável e ainda distorciam o que viam.
    Ele a via sofrer com isso, mas sempre que ele dizia que era um erro ela reforçava o compromisso dizendo que tinha sido escolha dela, magoado, louco de amor Klaus virou a próxima esquina ainda caminhando rápido só parou quando esbarrou em alguém, desculpou-se iria se desviar do homem de preto e semblante pálido quando ele atravessou seu caminho novamente impedindo sua passagem.
-Precisa de ajuda amigo?. Perguntou Klaus ao figurão de preto, o terno impecável e escuro deixava aquele estranho com um aspecto quase cadavérico, era pálido demais, os olhos escuros demais, sem vida... ele não sorriu e nem se moveu continuava a fita-lo nos olhos.
-Talvez você possa ser de grande utilidade... amigo... se for quem eu procuro. Disse o homem estranho, Klaus piscou quando ele começou a mover-se despreocupadamente em torno dele como se o avalia-se.
-E quem procura?
-Há um navio no Porto... estão precisando de homens para suprir a demanda das tarefas da embarcação... vejo que você está bem preparado para a entrevista ou estou enganado?. Perguntou o homem, Klaus assentiu desconfortável... se aquele fosse um concorrente estava mais bem preparado do que ele, munido com aquele traje de gala... Klaus tossiu procurando afastar a sensação intimidadora.
-Se for um dos candidatos está no caminho certo é só seguir por está rua e virar a outra esquina e vera o bar. Explicou Klaus amuado, suas chances eram mínimas agora pareciam ínfimas, desesperadoras.
-Eu passei por lá.
-A fila é muito grande?. Perguntou Klaus preocupado, o homem misterioso riu.
-Não tem com que se preocupar ao que parece você é o único candidato mas acredito que servirá bem aos meus propósitos. Disse o homem, Klaus entendeu errado.
-O senhor é o entrevistador?. Perguntou Klaus, o homem sorriu elegante em seu terno e sua postura altiva.
-Não... não sou.
-Não entendo. Disse Klaus com ingenuidade.
-Eu estou fazendo um favor a você... acho que não deve estar ciente da fama que ronda o navio onde pretende trabalhar... não sabe as proporções disso, não sabe onde está se metendo meu jovem. Disse o estranho parando a sua frente... algo ali... como um alerta, fez com que Klaus recua-se.
-Queira me desculpar mas estou um tanto atrasado...
-Tão cedo?. Perguntou o homem, Klaus recuou outro passo e engoliu em seco, nunca tinha si envolvido em uma briga na vida, não fazia ideia de como revidar se fosse preciso.
-Imagino que não queira dinheiro?. Perguntou Klaus olhando o homem elegante, ele sorriu... Klaus não queria brigar mas sentia que não era uma boa ideia enfrentar o estranho, algo nele o fazia tremer.
-Amigos não roubam amigos.
-O que você quer?. Perguntou Klaus, ele sabia muita pouca coisa sobre confrontos corporais, mas aquele homem não estava ali para isso... era pior do que ele imaginava.
-O que eu quero? É muito mais simples do que você imagina. Disse o homem estranho e elegante abrindo um sorriso branco para Klaus que recuou outro passo ao deparar-se com um par de presas pontiagudas, desenvolvidas demais para um ser humano comum.
    Não houveram gritos naquela noita sombria e estranha, o silêncio devorador consumiu o pânico, tudo foi muito rápido e em um instante estava tudo acabado, o futuro de Helena e Klaus foi silenciado, enterrado, a noiva esperaria por anos a fio o retorno do amado, algo que nunca aconteceria... mas ainda sim ela não se arrependeria.

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