44: Surpresa

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Bella

   




       O tempo passa tão rapidamente, até quase três meses atrás vivia minha vida ao lado do homem que amo sem perturbações... às primeiras semanas da gravidez passaram tão rápido com um toque de encanto que sabia que sentiria por carregar uma vida ainda tão pequena dentro de mim, quase três meses... felizmente isso não pôde ser tirado de mim ainda que houvesse sombras de desespero talvez o conformismo também me encontrasse no caminho, mas como poderia eu me conformar? Esquecer? Será que consigo? Alfred se foi da pior forma, Charlie está longe e não sei como ele está realmente nem quando irei reencontra-lo novamente, o tempo está passando e com ele minha angústia e ansiedade aumentam, como um pressentimento, como se soubesse que alguma coisa está por vir...
       Pela resposta negativa dos últimos exames, não temos a confirmação do sexo do bebê, corrigindo Adam tem esperanças de que talvez fosse menina... por mais que eu dissesse, que insista que nosso filho é um lindo menino era o mesmo que falar em voz alta com um deficiente auditivo... ele não me ouviria até que tivesse a comprovação.
-Já pensou que nome dar?. Perguntou Rô interrompendo meus pensamentos e preocupações de sempre, olhando distraída em meio as pinceladas suaves que ela tecia na tela branca a sua frente, olhei o quarto abarrotado de suas pinturas procurando me reorientar... telas de todos os tamanhos apoiadas umas nas outras encostadas nas paredes, seus quadros enchem a casa gigantesca da beleza de seus sentimentos e emoções expressos em cada detalhe, espalhados pela casa, às vezes eu paro em frente a uma de suas obras sem der conta e me perco nas imagens projetadas de sua inspiração, nascidas de seu coração brotando como água dos confins de uma nascente límpida e pura, sua alma, capaz de repassar a beleza da imagem em sua mente através da pintura, Rosemary a irmã de Adam era tão talentosa, um orgulho.
-Ainda não. Respondi inspirando profundamente, as mãos pousadas delicadamente no pequeno volume a frente do meu corpo, o bebê se mexia preguiçosamente, aquecido e protegido.
       Sua pergunta é uma questão importante que eu ainda não tinha dado a devida atenção, mas eu não tenho pressa, não estou preocupada com isso... outras coisas são motivos de real angústia e tormento, ainda vejo a tragédia acontecer no palco, há uma pausa dramática antes de iniciar o próximo ato... eu sei, eu posso sentir.
-Não escolheram nenhum ainda?. Perguntou ela franzindo o cenho para a tela talvez incrédula não sei... como se o bebê já tivesse nascido e fosse um absurdo não termos o nome ainda.
-Ainda temos tempo.
-Adam não se pronunciou ainda? Achei que sendo o pai ele tomaria a frente, mais pelo visto...
-Ele me ofereceu algumas sugestões mas nada que me agrade... eu não vou colocar qualquer nome em meu filho e muito menos de pessoas que eu conheço. Disse a interrompendo antes que começasse os insultos.
         Tinha que ser algo especial para uma criança extraordinariamente especial... será nosso primeiro filho, tenho de ser mais criativa, tem que ter um porque... um significado talvez mas gostaria de deixar de lado os nomes daqueles que amo, quero que meu filho tenha seu próprio nome e faça seu próprio destino com ele.
-Afonso, Christian que tal? Não é tão ruim... é muito melhor do que Leopoldo... cá entre nós, o nome do meu avô não é nada, nada interessante... não que eu esteja sugerindo isso. Disse ela com uma expressão de súplica... Leopoldo...?, eu ri.
-Eu quero algo diferente, e que seja ao mesmo tempo especial... tem que ter sentido... ele não é qualquer pessoinha... é o nosso bebê. Falei acariciando a barriga, ela me olhou com ternura.
-Eu sei... mas não sabemos se é ele ou ela... e se for menina?. Perguntou Rô, largando o pincel de lado e limpando as mãos com um paninho... ela se sentou no chão a minha frente e passou a mão também... eu ri.
-Não é menina.
-E se...
-Não tem se é um menino. Garanti, ela me olhou com impaciência.
-Mulheres preferem ter bebês meninos, já homens...
-Sim eu sei... ele quer outra princesinha, diz que essa casa tem homens demais, ele quer poder equilibrar um pouco às coisas... mas isso não altera o fato de que é um menino. Insisti, era notável a empolgação de Adam quando ele sugeria que pudesse ser uma menina, mas quem sabe na próxima?
-Sabe de uma coisa?. Perguntou Rosemary aproximando o rosto do meu abdômen inchado com um sorriso delicado.
-O quê?
-Espero que seja um menino mesmo... não porque eu quero ganhar a aposta mas acho que o primeiro filho do meu irmão, o primogênito deve ser um filho homem, um príncipe... sei que agora ele está louco com a ideia de uma menina mas ele vai amar de qualquer jeito... assim como meus pais tiveram Adam e a mim depois... não sei se ele se lembra tão bem quanto eu... o quanto meu pai o amava, é claro que quando Adam era pequeno e menos idiota do que um dia já chegou a ser ele era mais amável e gentil... enfim, eu me lembro de sentir ciúmes dos dois juntos por toda parte, claro que eu era a princesinha a favorita da casa além de todas às coisas mas eu teria gostado de receber aquela atenção toda. Disse Rô ainda acariciando minha barriga, eu afaguei seu cabelo louro ouvindo a tristeza sufocada em sua voz, ainda intacta, eu sabia que estava lá... mas não tinha dimensão da dor dela com relação a morte dos pais, não tinha passado por isso para sentir na pele como era mas a gravidez me dera uma sensibilidade quase mediúnica... a forma como foi para ela, a responsabilidade, a dor, a culpa, o remorso mesmo que ela não estivesse ciente naquele instante cinco séculos antes quando era um lobisomem jovem e inexperiente, a incapacidade de controle de suas ações fez com que ela atacasse os pais... foi uma fatalidade inominável a perda dos pais dessa maneira... ela tinha me contado a história a algum tempo, houve uma discussão com os pais, ambos até então ignorantes do fato sombrio que seus filhos escondiam, Adam e Rosemary não contaram aos pais a verdade sobre o que acontecia, a realidade das coisas, o sacrifício de Adam e seus amigos para tentar salvar o reino, me salvar... a maldição, foi um erro eles não terem contado a verdade mas a tragédia foi pior... o rei e a rainha confrontaram a filha, a pegaram em um momento de fraqueza e descontrole e quando "Viram o monstro irromper de minha pele... Era tarde demais, só havia um caminho para eles comigo naquela forma, à morte" contara ela, o choque psíquico que sofrera ao ver o sangue, às provas medonhas de sua capacidade feroz... foi um relato de pura e inigualável tristeza e dor...
       A dor da culpa e a saudade profunda de seus progenitores foi tão profunda como uma estaca cravada em  seu coração, até atravessar a própria alma provocando uma ferida que jamais seria esquecida a cada latejar do machucado ela se lembraria da ferida. Não tinha como não ser sensível a alguém como Rosemary, ela é em muitos aspectos igual ao irmão, a melancolia, o sofrimento era algo jamais visto, ninguém tinha tamanha fidelidade a sentimentos como esses... geralmente o esperado é que com o tempo às feridas fossem sanadas ou ao menos que se tornasse suportável e tudo o mais seria sepultado no fundo, adormecido... colocar os monstros para dormir é uma ferramenta de sobrevivência para humanidade, porém àqueles dois irmãos têm um grande vínculo com sua fatalidade, Adam era melhor nisso do que Rô, a irmã era mais neutra, fácil de se deixar levar pelas emoções, não era do seu feitio permanecer eternamente triste atada a infelicidade, ao passo que Adam era indescritivelmente mais difícil de esboçar um sorriso durante séculos, rir das menores idiotices, alegrar-se com às mais singelas coisas... quando o encontrei achei inacreditável alguém conter tamanha infelicidade dentro de si mas ele tinha seus motivos e carregava suas culpas, eu não o culpo mas queria que tivesse sido diferente, que ele não sofresse.
          Rô pousou a cabeça em meu colo enquanto minhas mãos moviam com carinho em seu cabelo louro.
-Sente falta não é?
-Dos meus pais? Sim, para sempre.. como não sentiria? Se você se lembrasse de todo o seu passado... dos meus pais... saberia do que eu estou falando eles eram verdadeiramente bons demais Bella... agora da vida como princesa não posso dizer o mesmo. Disse ela fazendo uma careta amarga.
-Era tão ruim assim?
-Eu nunca quis ser uma princesa Bella. Disse ela completamente segura de sua resposta, a olhei com curiosidade... o sonho de princesa é um sonho universal, não há uma garotinha que nunca se fantasiou de uma, ou pensou em ser ao menos uma vez... é um sonho infantil, algo mágico e por ser inalcançável era profundamente desejado por uma menina pequena... eu mesma quando era criança não me surpreenderia se também quisesse o mesmo.
-E porque não?. Perguntei como se fosse algo absurdo.
-A vida para mim dentro de um castelo... vivendo coberta de sedas e pedras preciosas, não era uma vida de verdade, eu não podia me afastar do castelo e sempre tinha alguém atrás de mim, "assegurando meu bem-estar", era uma prisão inescapável até o dia em que Adam a conheceu... eu sempre insistia e muito para que ele me levasse junto para ver você e eu aproveitava para escapulir um pouco... não sabe o quanto a realeza podia ser entediante Bella... Adam me compreendia, é um amigo além de um irmão, ele sabia que eu não estava contente com aquelas condições... nem minha mãe suportava mas ela era bem mais paciente do que eu... por isso ele me deixava ir com ele também para visitar você. Disse ela sorrindo de repente.
-Bom é óbvio... está mais claro do que água, está na cara que eu também me apaixonei por você desde o primeiro momento em que a vi... Adam tentou me refrear mas isso só serviu para aumentar a rivalidade entre nós. Disse ela rindo, eu sorri também sentando-me na cama e beijei sua testa.
-Eu também amo você. Disse, ela riu e eu também e enquanto riamos... houveram duas, três batidas lentas na porta, eu estou de costas para a porta e Rô ainda a minha frente então ela viu primeiro quem era... seus belos olhos azuis aumentaram de tamanho de espanto e surpresa mas ela sorriu, eu me virei intrigada lentamente para a porta... havia um homem lá, um homem jovem e bonito... a barba ainda rala no rosto, o cabelo louro foi preso em um pequeno coque no alto da cabeça... os olhos tão verdes olhando para mim com ternura... eu me levantei devagar da cama olhando aquele rosto... tentando colocá-lo em outro rosto conhecido que havia um bom tempo que eu não via... eu parei ainda próximo a cama...
-Charlie?. Perguntei, ele sorriu e assentiu para mim confirmando o que o meu coração já sabia.

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