A Presença

89: Nas Sombras

Às vezes não temos outra opção a não ser arriscar tudo.
Matthew Stanley

     Podia ouvir os outros discutirem se me ajudariam ou não enquanto corria pela colina em disparada, quando cheguei a praia tirei os sapatos às pressas e comecei a correr deviam ser quase quatro da tarde se eu fosse a nado até a outra Ilha isso consumiria bastante tempo, teria que ter ao menos uma forma de tirá-la da Ilha proibida antes que a lua subisse ao céu... eu via às pegadas na areia e sentia o rastro do cheiro de Samantha envolvido pelo cheiro de Ted e outros que não poderia dar nomes, eu quase não conhecia ninguém ali.
    Ouvi sons de vozes vindas mais à frente e comecei a correr mais rápido, nenhuma delas era a voz de Samantha, eram homens mas eu rezei para que ela ainda estivesse aqui... atravessei um trecho coberto por vegetação a minha frente na mata sem querer dar a volta e seguir pela praia e sai metros depois do outro lado... o instrutor tinha rendido quatro homens amarrando suas mãos às costas, a cara enfiada na areia... eram os amigos de Ted.
-Onde está Samantha?. Perguntei, o instrutor se virou para mim... eu nem me dei ao trabalho de perguntar como ele tinha rendido aqueles quatro.
-Ted pegou a canoa e levou Samantha antes... quando cheguei aqui os quatro estavam se preparando para sair. Disse ele, eu vi mochilas grandes encostadas nas pequenas embarcações ao lado de metralhadoras... eles estavam mesmo preparados.
-Se Ted não estivesse obcecado pela garota agora estaríamos ricos!. Disse um deles... eu olhei a Ilha Leste, bem distante de onde estávamos havia um barco na praia, eu tirei a camisa.
-Podemos ir de barco. Disse o instrutor, eu o olhei ele também observava a Ilha.
-Eu nado mais rápido do que remo, pode ser perigoso e você ainda tem sua filha... fique com eles, os outros estão vindo.
-Posso ter uma ideia de como deve ser mas isso não me preocupa... vocês lobisomens podem ser previsíveis. Disse ele, havia alguma coisa no que ele disse que me fez olhar seu rosto tranquilo, me deu a impressão que... mas eu não quis mais esperar... ouvi Rosemary gritar meu nome e os outros vindo com ela, eu pulei na água morna e comecei a nadar como nunca tinha feito antes para atravessar cinco quilômetros de mar até a outra Ilha, sorte que eu sabia nadar e muito bem, mantendo o ritmo entre às braçadas, subindo para respirar regularmente mas minha nova condição me permitia prender o fôlego debaixo d'água por muito mais tempo do que eu conseguiria se fosse totalmente humano, enquanto nadava percebia a mudança que antes ignorava na maior parte do tempo... eu era forte sentia isso em meus músculos, tudo parecia novo, meus sentidos intensificados podiam captar qualquer coisa na água, ver muitas coisas em detalhes impressionantes... pude sentir a movimentação nos meus flancos, alguns me seguiam, eu não sabia quem eram todos eles mas vi o instrutor nadar ao meu lado, ele parecia bem mais forte do que eu, insuperável... quem é ele? Isso eu não sei dizer, ninguém sabe só o que sei sobre ele é que as pessoas se sentem intimidadas por não saberem quem ele é ou da onde vem, eu não conheço a história daquele homem mas sei o suficiente do humano que me seguia, ele não parecia brigar consigo mesmo como muitos pareciam ter discussões épicas em seu interior, ele não parecia lutar contra suas emoções e fazia o possível para manter o equilíbrio e ser quem é... ele me parecia uma boa pessoa ainda que estivesse tão pouco tempo na ilha e o conhecesse a menos tempo que isso eu ainda não podia provar todas às coisas que ele me fez perceber mas sabia que essa ainda era só uma questão de tempo... se eu sobrevivesse.
         Chegamos a praia da Ilha Leste em dez homens, fiquei momentaneamente surpreso e feliz ao contatar isso, não tinha mais sol e eu resistia em olhar para trás e ver se a lua já era visível no horizonte que deixara para trás... às estrelas começavam a surgir e o silêncio naquele lado me deixava tenso.
-Pensem como predadores que são e no que vocês fariam se estivessem caçando... fiquem alertas, o perigo está em todas às direções. Disse o instrutor, eu o olhei... agora aquela impressão cintilando novamente eu tive que perguntar.
-Você é um lobisomem, não é? Você fala como se não fosse um de nós. Falei olhando seu rosto e às árvores ao mesmo tempo.
-Não Matt... não sou um lobisomem. Disse ele, eu assenti e depois o olhei.
-Você está brincando não é?. Perguntei, os outros oito que foram conosco o olhavam do mesmo modo que eu... alguma coisa na expressão dele dizia que ele não era de brincadeira... ele só balançou a cabeça uma vez e entrou na floresta na frente.
-Eles foram por aqui. Disse ele, nós o seguimos com o máximo de silêncio o possível e eu tentei não pensar que ele era um humano frágil que acabaria morto devorado por uma criatura ou várias delas mas se bem que ele acabou de render quatro lobisomens fortemente armados na praia... nem o mais forte dos homens seria capaz dessa proeza eu queria saber o que ele era na verdade... um vampiro? Eu nunca vi um vampiro antes... mas não, será? Bom a gente não saí por ai perguntando às pessoas se elas são vampiras e eu nem sei como é um vampiro... será que é como nos filmes? Nada de sol, dente de alho, estaca de madeira? Se transformam em morcegos? Mas porque diabos eu estava preocupado com a vida do instrutor? Afinal todos nós estávamos tão indefesos quanto ele... eu podia sentir o cheiro fresco de Samantha no ar, não estávamos longe, tinha que dar mais tempo e a floresta só escurecia a medida que entrávamos mais na selva fechada,  eu só tinha que me lembrar de não olhar para trás... não podia ver a lua.
          Estava mesmo muito quieto por ali, nem o vento se ouvia, nem um animal parecia viver ali... onde estavam os BP's?. Mais a frente o instrutor começou a se abaixar, de repente ele parou e meu coração começou a bater mais rápido a medida que distinguia tantas outras pulsações além das nossas, ele pediu para esperar com um gesto sem dizer nada quando...
-Matt a sua direita!. Sussurrou ele... antes que ele terminasse de dizer essas palavras eu já sabia o que iria acontecer eu senti naquele corpo novo, eu era um radar vivo... alguma coisa pequena, mínima, que eu não teria me importado, se eu fosse humano nem teria ouvido aquele pequeno graveto ser esmagado, eu me levantei no mesmo instante para receber o ataque de frente e silencia-lo antes que mais algum deles percebesse... eu e a criatura rolamos no chão coberto de plantas, ele tentava alcançar meu pescoço quando descobri que poderia fazer o mesmo e cheguei a sua jugular com o cuidado de manter seus dentes longe do meu rosto... meus dentes cortaram sua pele escura e eu pude arrancar uma boa parte da sua garganta, o empurrei de cima de mim com os pés enquanto ele agonizava... em toda essa ação eu não sabia que era capaz de fazer qualquer uma dessas coisas até fazê-las instintivamente.
-Você é um lobisomem tem os reflexos ágeis da sua espécie... basta ficar atento. Disse o instrutor a um sussurro, ele se abaixou novamente.
-Tem mais deles por aqui... estão por toda a parte ao redor do templo, Samantha está lá... eles os cercaram, Ted quer atirar mas sabe que se fizer isso mais virão, vamos ter que distraí-los para que você possa chegar até ela Matt. Sussurrou o instrutor, eu vi onde ela estava ainda distante... Ted segurando ela com firmeza a frente dele como um escudo, haviam tantos cheiros diferentes por ali e cada um deles era um igual a mim, isso me deixava ansioso, arrepiado, olhei o instrutor... ele se afastava com os outros pela direita seguiram por cinco metros quando ele ficou de pé posicionando os dedos nos lábios como quando se quer chamar a atenção de alguém e um assobio longo e agudo soou entre às árvores... houveram sons de rosnados partindo em sua direção e eu comecei a correr na direção oposta rumo ao templo... Ted aproveitou a distração para levar Samantha com ele, ele pressionou a arma em sua cabeça obrigando-a a seguir junto com ele quando ela o mordeu no braço e ele teve que solta-la... boa garota, eu segui correndo até uma elevação de pedras alto o suficiente, uma coluna caída formando blocos empilhados, tomei impulso enquanto corria e saltei utilizando a elevação como prantulim, voei pelo ar e peguei Ted antes que ele tivesse a oportunidade de agarrar Samantha de novo, eu o imobilizei prendendo-o com o braço fui rápido mas não o suficiente, ele se soltou de mim rolando para o lado e eu me coloquei em cima dele, golpeei seu rosto com os punhos tirando sangue de seu nariz por tudo que ele fez.
-Matt! A arma! Ele está armado! Matt!. Gritou Samantha a meu lado no instante seguinte houve um disparo, eu senti a arma em minha perna, a bala perfurar uma artéria e eu caí para o lado... ouvi Ted rir.
-Achou que iria me deter? Tolo!. Disse ele ficando de pé enquanto cuspia sangue.
-Matt, Matt, Matt como você é patético. Disse Ted, ele estava com a arma nas mãos, limpou a boca com às costas da mão livre e pegou Samantha pelo braço... ela olhava para mim, o rosto dominado por uma emoção de derrota e um adeus enquanto Ted a puxava.
-Diga adeus a seu amigo Samantha. Disse ele levando-a consigo, levando-a embora, eu não sabia para onde nem como ele faria para tirá-la do portal que guardava às ilhas mas eu não queria que ela fosse, que tivesse um fim, mal começamos... antes estivera eu confuso em meu coração, eu tinha visto em Bella o que meu coração via em Sara que deixou de existir quando descobri que ela havia me traído, até pouco depois eu ainda a amava, amava às duas, mas um homem não pode amar duas mulheres, não haviam dois corações para dar, eu só tinha um e depois que vi Samantha pela primeira vez sabia que seria só dela e de mais ninguém, não poderia deixá-la ir...
       Virando no chão vi seu rosto se afastar com lágrimas que ela não conseguia conter, eles estavam cercados, eu via nas sombras monstros que tentei evitar durante semanas, dezenas deles em toda a parte o som do disparo deve tê-los alertado, não queria mais a escuridão e sentia que se Samantha fosse eu ficaria nas sombras como eles para sempre, olhei o céu, às estrelas brilhantes e havia mais ali, pálida ela chegava para me cumprimentar aquela noite, resistindo a copa das árvores, eu olhei a lua e deixei que ela me levasse outra vez para às sombras mas eu consegui ver algo que vinha tentando enxergar, algo que antes eu não sabia o que era porque não havia achado... Samantha estava lá, linda e loura sentada em um tronco de árvore com um livro nas mãos, um sorriso leve nos lábios, naquele instante eu tinha percebido que teria feito qualquer coisa por aquela garota... ela era a luz.