17: Diário de bordo

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Allan Schneider

Em uma manhã de sol ameno, ar fresco, de cheiro de água salgada vindo da brisa marítima, o canto das gaivotas no porto me acordara logo bem cedo, era uma boa manhã para subir a bordo de um navio e viajar pela imensidão além da costa, era isso que eu iria fazer ou pelo menos era o que eu pretendia fazer... se minhas pretensões alcançassem a realidade e se eu estivesse mesmo certo de que me deixariam embarcar.
Eu não me demorei no hotel que me instalara noite passada para esperar o tão esperado encontro com os mares e a lenda de um capitão misterioso, talvez minha ansiedade tivesse me despertado tão cedo, a sede pela aventura ou foram as gaivotas mesmo... mas a ansiedade era sempre assim, não era a tôa que eu tinha problema gástrico, mas apesar desse infortúnio/incômodo da minha constituição anatômica; o resultado de anos em fastfoods ingerindo toda a porcaria que aparecia pela frente... me dava ânimo para seguir para o encontro, era difícil se não impossível saber quando aquele navio aportaria na costa e em que parte do mundo isso iria acontecer mas por sorte ou por destino eu estava no Porto certo na hora mais precisa, meu faro investigativo me levara ao lugar era só uma questão de tempo agora e sorte e não muito mais, e isso era ótimo me poupava tempo e uma dose a menos de ácido no estômago, aquele navio serviria para a empreitada que estava disposto a seguir até o fim.
Minhas malas não tinham sido desfeitas, assim que soube que minha estadia ali seria breve, tratei de deixá-las como estavam, desci a recepção e paguei a diária da hospedaria, comprei uma porcaria qualquer para a viajem e segui para a marinha, eu não estava atrasado mas alguma coisa me dizia que eu não poderia perder aquela oportunidade, e lá estava o navio de casco negro aportado, conferi o nome em minhas anotações, me aproximei de um dos homens que desembarcavam caixas de madeira bem grandes e aparentemente muito pesadas sendo necessário o auxílio de até quatro homens fortes para o serviço.
-Com licença eu gostaria de falar com o capitão Black por favor... ele está?. Perguntei, os homens me olharam... colocaram a caixa no chão junto a outras de tamanhos variados.
-Sim ele está. Disse um deles a mim, eu sorri.
-Esplêndido! Eu poderia falar com ele?. Perguntei, eles se olharam, não entendi aquele olhar mas... um deles riu enquanto o outro me encarava com pesar.
-Martin veja se o capitão deseja receber visitas. Disse o homem ao tal Martin, ele não se demorou e saiu em disparada de volta ao navio, Martin me parecia o mais jovem dali... um adolescente, meio franzino e ruivo deslocado entre os demais; velhos marinhos ostentando tatuagens nos braços.
Enquanto aguardava olhei os homens trabalharem.
-Da onde são essas mercadorias?. Perguntei a um deles.
-Da Índia. Respondeu no instante em que Martin reapareceu.
-Desculpe... a quem devo anunciar?. Perguntou Martin, eu sorri.
-Meu nome é Allan. Falei, o garoto Martin assentiu e subiu pela rampa de volta outra vez e só o que tive que fazer foi esperar que ele voltasse... olhei o mar se estendendo até o horizonte, o sol erguendo-se no meio com certa aflição, ele podia dizer não a mim, o capitão... mas e depois o que eu faria se ele não aceitasse minha proposta? Entraria escondido?
-Senhor? O capitão o aguarda. Disse Martin... ele era rápido... vamos ver até que idade ele continuaria tendo aquele ar de jovialidade e todas as suas habilidades suplementares que acompanham a juventude, eu agradeci e ele me acompanhou até o encontro de seu capitão...
Ele estava sentado na cadeira virado para a porta esperando por mim, à primeira vista...
O capitão era uma pessoa séria, a expressão severa quase rija, suas feições eram de homem robusto com aproximadamente minha idade... entre cinquenta e sessenta anos mas ele era mais forte do que eu, com um físico de atleta forte, viril, em forma... uma tatuagem com uma âncora no braço esquerdo, os cabelos acinzentados dando-lhe maturidade... eu estendi a mão para um cumprimento e ele a apertou firmemente olhando em meus olhos.
-Capital David Black meu nome é Allan. Apresentei-me, ele assentiu observando-me.
-Isso acabaram de me informar... mas então a que devo o prazer de sua visita?. Perguntou ele com curiosidade, eu dei um pigarro baixo tentando aliviar minha tensão.
-Ouvi histórias sobre os percursos que faz pelo mundo, algumas são muito curiosas...
-Deixe-me adivinhar seu próximo passo... quer me pedir para vir a bordo, não se preocupe você não é o primeiro que aparece. Interrompeu ele, eu sorri constrangido e assenti, então eu não era o único?... não era tão difícil assim como parecia convencê-lo, era a minha chance.
-Só que desta vez não será possível... lamento. Disse ele, eu procurei não demostrar meu desapontamento.
-E porque não? Não estaria disposto a negociar?. Perguntei, ele olhou em meus olhos fixamente, o tom de gelo de seus olhos me fez lembrar a alguém que a muito não via e que não pensava a um bom tempo.
-Me diga porque deseja fazer essa viajem?. Perguntou ele, o que eu poderia dizer? Uma incursão para visualizar a vida marinha? Estudos sobre mamíferos? Algo que não desse muito na cara... um biólogo interessado na reprodução natural de baleias...?
-Deixe que ele venha conosco Black... talvez ele se convença de que foi uma péssima ideia depois. Disse uma voz de mulher atrás de mim, eu me virei lentamente perguntado-me se tinha ouvido direito... aquela voz... eu simplesmente parei quando a vi parada ali.
-Se não tiver problemas em ficar marejado... digo isso porque os marujos não vão ficar contentes se você sujar o convés. Disse o capitão Black enquanto olhava estarrecido a senhora a minha frente... ela não era uma senhora, era a imagem congelada do passado no momento presente bem na minha frente... exatamente com o mesmo rosto de quarenta anos atrás... ela olhava em meus olhos com serenidade enquanto eu não fazia ideia de como devia estar minha cara naquele momento... talvez meu queixo tivesse caído aos meus pés como O Máscara do desenho animado.
-Os únicos cômodos disponíveis já foram ocupados... lamento mas só lhe resta de acomodação o aposento com os funcionários, espero que não se importe... Martin irá lhe mostrar onde o senhor podera descansar. Disse o capitão, Martin apareceu na porta... eu me virei para o capitão e assenti ainda afetado.
-Obrigado. Falei ainda intrigado demais para conseguir dizer mais alguma coisa... ela olhou para mim e sorriu indo para o lado do capitão.
-Pois bem cavalheiro... acomode-se e fique a vontade, partiremos assim que possível, aproveite a viajem como puder, sei que a casa não é minha mas já sou de casa não é Black?. Perguntou ela pousando a mão ternamente sobre o ombro do capitão... eu me virei para a porta e segui Martin mas antes ouvi o que os dois disseram quando sai.
-Eu não me responsabilizo pela vida dele... já tenho outras com que devo me preocupar. Disse Black, eu me empertiguei ainda tonto e ouvi o que ela disse.
-Imagino que não Black. Disse ela... agora era tarde para voltar atrás, sabia que meu instinto estava certo... e ainda tinha aquela brincadeira do destino, pregando peças em mim... aquela mulher... as lembranças me inundaram tal qual um mar violento, agitado, inquieto por uma tormenta.
Eu não deveria perder aquela viajem, nunca me acovardei diante de situações extremas de um desafio, porém, de repente eu não tinha mais certeza se estaria disposto a ter aquele encontro com o passado... tudo parecia ser mais fácil de enfrentar do que isso porque eu sabia que era exatamente isso que vinha tentando evitar...

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