36: O quarto de Alfred

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Bella

     Enquanto andava pelos corredores da mansão me dei conta de que nunca fora ao quarto de Alfred, Adam estava no escritório e eu tinha feito uma pausa no trabalho para andar um pouco a rotina voltava ao normal a cada dia mas eu me sentia como um zumbi... vazia e sempre faminta.
      Eu sabia onde era o quarto de Alfred mas nunca tinha entrado lá nunca precisei procura-lo, ele sempre parecia presente, às vezes era só pensar nele que ele aparecia, era mágico, queria poder sentir isso de novo, estava tão cansada mas continuei pelo corredor até o quarto de Alfred queria saber se de alguma forma podia senti-lo outra vez comigo desde que pisara naquela casa ele não medira esforços para que eu me sentisse em casa, nunca precisei me preocupar com nada em relação ao meu lar, Alfred cuidava de tudo, me sentia como Adam quando ele tinha perdido sua assistente Elie Stanley, perdida, sem direção.
      Alfred não era um criado ali, era parte de nossa família, apesar de não ter passado tanto tempo com ele como meu marido passou desde a adolescência de Alfred, mas o pouco tempo que passamos juntos foi suficiente para que aquele doce senhor entrasse em meu coração... eu nunca conheci meus avós paternos ou maternos, talvez sentisse falta disso, por isso me apeguei a George Dummont Sartori, um senhor deficiente visual que vivia sozinho a três quadras da minha casa, me lembro de chamá-lo de vovó desde o primeiro dia que coloquei os pés em sua oficina de consertos de instrumentos clássicos, certamente eu tinha me apegado a Alfred da mesma forma, ele não tinha filhos, não poderia ter netos mas meus filhos o chamariam do vovô com certeza se eles pudessem conhecê-lo... se tivessem tido a chance....
      Apesar de trabalhar para a família Lichtenfels a décadas recebendo o que era de direito, Alfred era da nossa família, ele vivia conosco na casa enquanto os outros voltavam para as suas casas a noite, quando dava por encerrada às atividades do dia Alfred se dirigia a biblioteca para ler era seu único passatempo, ele não sabia fazer mais nada além disso e mal saía de casa não parava um segundo quieto sempre tinha algo a fazer mesmo quando o levávamos de férias conosco, ele não descansava mas ser hiperativo nessa idade tinha um preço, Alfred era saudável mais tinham problemas com o coração, Adam ja tentara diversas vezes aposenta-lo mas ele se recusava era teimoso mas eu o entendia ele não queria nos deixar nos longos anos de trabalho Alfred tinha se afeiçoado aquela família, a Rosemary e a seu irmão, meu marido.
      Ele fez tanto por nós queria ter feito alguma coisa por ele também.
      Eu parei na porta do quarto de Alfred, a casa estava deserta, os empregados de folga, eu olhei a porta, toquei a maçaneta me sentindo como se tivesse violando sua intimidade mesmo sabendo que ele não se importaria sendo tão gentil e receptivo como era Alfred fora sempre uma pessoa aberta que nos permitia entrar e fazer parte de sua vida, girei a maçaneta e a porta pesada se abriu lentamente com o som das dobradiças... em cada canto pude ver o toque de Alfred, limpo e arejado com cheirinho de camomila mesmo depois de quase três meses ainda estava tudo como ele tinha deixado, olhei o pijama posto sobre a cama que ele não voltará a usar e o suéter dobrado ao lado para os dias mais frios, os chinelos ao pé da cama, abri o closet tudo arrumado, camisas passadas, calças dobradas, meias organizadas nas gavetas nenhuma única peça amarrotada, tudo passado e perfeito sem manchas, na cômoda de mogno em frente a cama a mesma coisa uma organização absoluta, olhei o banheiro ao lado, os remédios ainda estavam nos armários tudo intacto, escova, pasta dental, creme de barbear... voltei ao quarto a passos lentos, tinha uma mesinha com um toca-discos ao lado da cama, um homem das antigas, fazia tempo que eu não via um desses, desde os treze anos, ainda tinha um disco no lugar, coloquei a agulha em cima e a música soou pelo cômodo, uma composição suave e encantadora de Bach, fechei os olhos apreciando as recordações que vinham com a música, memórias de infância que pareciam tão distantes... me virei e olhei a escrivaninha em frente a janela com vista para as tão amadas rosas, segui curiosa até a cadeira pousei a mão nela e olhei a mesa, haviam folhas em branco sem pauta, uma caneta elegante ao lado, poderia imagina-lo ali debruçado sobre a mesa mas o que ele escreveria? E para quem? Algum amor distante? Uma paixão secreta? Ele já amou alguem?
      Nunca tinha visto Alfred escrevendo.
  

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