16: Descendentes

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  Bella

        Carl abriu a porta para mim como sempre depois de estacionar na entrada da mansão... do meu lar, demorei muito tempo para me acostumar a chamá-la de "minha casa" como Adam ficava contente em me ouvir dizer e sempre me corrigia quando usava o pronome possessivo da terceira pessoa do singular indicando que a casa era somente "dele", que era só dele e não minha, dele e não nosso.
-A senhora está bem?. Perguntou Carl notando meu estado de contemplação choroso enquanto acariciava a barriga involuntariamente, sem pensar, ele soube deduzir em poucos segundos o que se passava, acertou de primeira.
-Minha nossa!. Disse Carl olhando minha mão ali, percebendo o que era, nem todos os homens eram tão lentos assim, deveria ser mais generosa com eles por isso, eu estava ansiosa era para ver como seria a reação de quem mais me interessava, a principal pessoa... dar a ele aquele presente era a coisa que eu mais ansiava no mundo... 
    O afeto e o cuidado que Adam tinha com as crianças do hospital quando se dava ao prazer de lhe contar histórias, e era envolvido por elas era emocionante, um lindo momento, um homem como ele não devia ser privado de ser pai, seria injusto considerando tudo o que ele podia dar para um filho, o amor, o carinho, a compreensão, sinceridade, honestidade, simplicidade, bondade e uma série de outras coisas que o qualificavam como o homem que era... o mundo não poderia ser privado da presença de um ser humano como aquele.
     Levei a mão a barriga outra vez por um instante, estava tão feliz... depois coloquei um dedo em meus lábios erguendo o queixo de Carl com a outra mão.
-Fique quieto por enquanto Carl... ele ainda não sabe. Falei, a boca dele se escancarou.
-Carl.
-Senhora... sim, está bem, está bem... eu posso me controlar. Disse ele, eu assenti rindo um pouquinho, mais calma, Carl me ajudou, sem necessidade, subir a ampla escadaria branca.
-Um degrau de cada vez. Disse ele, eu ri.
-Eu não estou doente Carl mas obrigada. Falei, ele me levou até a porta segurando minha mão com uma, passou um braço a meu redor e pousou a outra mão em meu cotovelo no outro braço para que eu não caísse.
      Carl era um amigo e tanto... voluntarioso, amável, foi descoberto por Adam por acaso em uma de suas viagens a Veneza, Carl tinha acabado de perder a família inteira em uma chacina provocada por um lobisomem de Nível 1 estágio inicial da transformação, fora de controle, risco eminente, no início eles são altamente perigosos.
      Uma vida sem a consciência crítica de seus atos é apenas como a vida de um animal que age por instinto, a consciência que nos permite criticar nossos atos não alcança a transformação, e quando isso acontece apenas os instintos governam é isso que nos difere dos animais, a consciência crítica do certo e o errado, felizmente elevar a consciência para a outra forma é uma habilidade que pode ser aprendida, a consciência pode alçar a mente do indivíduo com o tempo, com treinamento, experiência e um esforço brutal é capaz de conseguir domar a si mesmo,  discernir o certo do errado... alguns não conseguem passar do Nível 1, ficam presos na forma de criatura eternamente... outros a transformação é flexível, com a ação da lua cheia, durante o dia homen nas noites de lua cheia um monstro, estes alguns sabem o que são outros ficam assustados ao acordar no meio da floresta com as roupas dilaceradas... Adam já me contou histórias sobre eles, tantas histórias...
       O ataque a família foi durante a noite, Carl tentou lutar, proteger a família mas acabou sendo mordido, uma mordida, um arranhão basta para se tornar um deles, posteriormente Carl veio a conhecer Karoline, uma bruxa da Ordem Luz e a seu lado soube domar sua fera e construir uma família, seus filhos são crianças amorosas, um deles tem leucemia, era frágil mas ao mesmo tempo muito forte... as crianças não recebiam os genes extraordinários dos pais, não teriam em seu sangue a herança genética da magia, não se transformariam, nem teriam habilidades extras como Loren, eram puras... mas tambem existia a possibilidade de que seus descendentes pudessem vir a desenvolver de maneira peculiar a magia que corria em suas vezes, foi assim com Loren, sua avó Elizabeth era uma bruxa da Ordem da Luz, mas sua filha não tinha magia, porém Loren desenvolveu habilidades que se quer entendia e outras desconhecia, era curioso pensar... como os efeitos da maldição de Adam se mostrarão nas próximas gerações? Quais seriam? A herança genética seria interrompida? Ou daria um salto como nos clãs de bruxos?
      Eu sabia que meu filho não teria a mesma sina do pai, mas e os filhos dele? Não havia casos de gerações longas de filhos de um lobisomem, ninguém tinha ido tão longe a cinco séculos, a maioria tinha medo de ter filhos, por medo de lhes sentenciar o mesmo destino, haviam poucas e mais recentemente famílias em que um dos pais ou os dois eram lobisomens, a menos de um século, por isso Adam não estava preocupado que nosso filho tivesse sua maldição, os netos... os descendentes é que eram um mistério.
-Quer que eu a ajude subir as escadas senhora?. Perguntou Carl tirando-me de meus devaneios.
-Carl!. Repreendi em voz baixa, ele riu mas me acompanhou mesmo assim pelo hall... Alfred nos viu subindo a escada.
-A senhora está bem?. Perguntou ele preocupado, eu revirei os olhos.
-Estou Alfred... Carl que está sendo atencioso demais. Falei continuando a subir, mas eu parei e olhei para Alfred de novo mordendo o lábio...
-Alfred pode pedir ao chefe Pierre... panquecas com cauda de chocolate?. Perguntei, Pierre era o ilustre cozinheiro da casa.
-Sim senhora.
-E aquele pudim de nozes ainda tem?. Perguntei adicionando algumas cositas mais ao meu pedido, às vezes eu não sabia o que queria, meu paladar era confuso e isso era decepcionante... mas quando eu me lembrava do sabor dava água na boca, mas queria duas, três coisas juntas, era mais apreciável fazer combinações, juntar as texturas e os sabores isso me enlouquecia.
-Imagino que sim senhora mas eu poderia solicitar que ele prepare outro, se desejar...
-E geleia de morango com chantilly... não espere! Creme de avelã com pistache e chocolate amargo, torta de maçã, sanduíche de pasta de amendoim, ah e aquele bolo... prestígio não era? Eu quero também. Falei aperfeiçoando meu pedido completamente satisfeita, os dois me olharam incrédulos mas eu os ignorei.
-Mais alguma coisa senhora?. Perguntou Alfred com um ponto de interrogação no meio da testa enquanto se perguntava quem comeria aquilo tudo.
-Suco... de frutas vermelhas.
-Creio que as frutas vermelhas tenham acabado ontem senhora... lembra-se? A senhora degustou no jantar com creme de amendoim e doce de leite. Disse ele franzindo a testa, eu assenti lembrando disso e depois arfei.
-Não tem mais? Eu comi tudo?. Perguntei inconformada.
-Alfred é melhor conseguir essas frutas vermelhas... e depressa!. Disse Carl enquanto ele me levava para cima e eu me culpava por ter exterminado todas elas, era o cúmulo eu estar chorando por causa disso mas estava, pensou a parte mais racional de mim.
-Por minha culpa... elas acabaram, eu acabei com todas, Carl você percebe isso... eu comi todas elas, por minha culpa não tem mais... nem morango, nem amora, framboesa, maçã, cereja... acabou, eu sou horrível. Disse, meus ombros caíram de decepção comigo mesma.
-Já vou providenciar que comprem mais milady... não se preocupe. Disse Alfred perturbado, Carl me conduziu ao primeiro andar, eu olhei a porta do escritório parando com a reação boba, respirando fundo tentando ter alguma coerência e dignidade depois daquilo, olhei o casaco molhado de Carl, ele me passou um lenço.
-Acha que consegue ir até la sozinha?. Perguntou ele solícito, eu assenti.
-Vai até lá... ele vai ficar feliz, e agora parece que tenho uma missão a cumprir. Encorajou ele, eu sorri.
-Que missão?
-Reabastecimento de frutas vermelhas. Disse ele, eu ri choramingando.
-Desculpe.
-Ah que isso... seu desejo é uma ordem, e a cumprirei com muito gosto... com licença, madame. Disse Carl retirando-se de volta pela escada, eu me virei para o corredor deserto, estava na hora...

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