Allan Schneider
Durante a noite...
No meio de uma tempestade de raios em alto-mar o navio resistia contra as águas turbulentas, forçando a passagem entre a fúria das ondas, os trovões rugiam como leões ferozes, os raios cortavam os céus produzindo clarões esbranquiçados entre às nuvens escuras como o brilho repentino de um farol, não haveria alma viva que estivesse a bordo que se atreve-se a se aventurar no convés mas os homens estavam com medo do terror que assombrava o interior do navio, na parte mais escura e profunda onde ninguém tinha coragem de ir, o temido porão, todos sabiam que era para lá que todo o carregamento ia parar, dezenas de caixas esparramadas e empilhadas uma em cima da outra, encomendas, mercadorias de todos os tipos atravessavam os mares para serem entregues em outra parte do mundo, no entanto, daquela vez o porão vazio levava uma entrega diferente com o destino mais misterioso ainda... ouviam-se os sons mais estranhos de lá, o barulho de correntes sendo arrastadas, de paredes metálicas serem arranhadas, de urros e grunhidos de um residente assustador nas profundezas, agora, menos visitadas do navio...
Os boatos correram o convés durantes semanas logo após o embarque, as ordens eram claras, nenhum dos homens estava autorizado a perambular pelas áreas internas depois do dormitório onde ficava o compartimento de cargas, os comentários sobre as ordens de Black começaram a surgir mas nenhum deles estaria disposto a entrar em uma discussão abertamente sobre o Item misterioso que transportavam com o capitão David Black, O Terrível, o terror dos mares que nenhum homem ousava encarar nos olhos, diziam que Black "O Terrível" como era conhecido ganhou a fama de O Capitão
Sangrento depois de ter dizimado todos os tripulantes abordo do Sereia Negra supostamente um de seus antigos navios, todos tinham medo dos contos fantásticos de Black quando aportavam em terra firme, quando os famintos por lendas davam ouvidos as conversas de bar, acredito eu que não é de todo mentira, segundo o levatamento de todos os relatos da pesquisa que trabalhei meses posteriores o capitão Black em todos os seus quarenta anos de viagens em torno do mundo perdeu dezesseis tripulações, e quatro navios naufragaram ele sempre foi o único a sobreviver, ressuscitando das águas como um deus vivo, um filho do "senhor do mar" um monstro pré-histórico semelhante ao Monstro do lago Ness, a lenda dizia que em uma de suas viajens um destemido capitão; possívelmente aquele que vos falo... após afundar nas profundezas foi salvo e levado a uma Ilha pelo senhor do mar foi nesse lugar que o capitão se transformou no que é hoje, David Black se tornou uma lenda.
Já outros pensavam que o capitão era um ser demoníaco, um demônio colecionador de almas renascido das profundezas dos mares que surgiu na superfície para levar as almas ruins para o tártaro onde suas almas pagariam por seus pecados em um sofrimento que duraria por toda a eternidade, mas não passam de pobres almas atormentadas, temente ao desconhecido, subjugados pelos seus próprios medos. Black não era nenhum demônio mas foi consagrado como um, embora sua figura sombria e silenciosa fosse temível, e seu olhar causasse espanto nos mais relés mortais, dono de olhos azuis tão claros e frios como as águas mais frias do mundo.
Com tantos temores que rondam a misteriosa figura do capitão Black, era de se esperar que ninguém aceitaria a loucura de sair com ele em uma viajem para longe do continente, mas a verdade é clara e vale muito dinheiro, os homens são seres ambiciosos e gananciosos, já que nada mais vale para o ser humano do que o dinheiro, a riqueza que compra muitas outras, muitos marinheiros seduzidos pela afortunada esperança de serem ricos eram vítimas de seus desejos caprichosos, seriam muito bem recompensados se chegassem ao destino da entrega e principalmente se sobrevivessem a isso, era natural que qualquer ser humano, em vista de uma recompensa tão generosa fosse obrigado a aceitar.
Ainda que muitos estivessem inclinados a desistir durante o trajeto, o contrato inviolável e perfeitamente escrito, deixava bem claro que qualquer desistência por parte do assinante estaria sujeito a pagar uma multa superior ao valor da pequena fortuna que receberia, sendo assim, sua almas gananciosas estavam presas ao pacto selado e se houvesse aquele que voltasse atrás teria que pagar com sua própria alma se quisesse saudar a dívida com o capitão.
Prisioneiros de sua própria ganância os marinheiros não poderiam escapar tão facilmente de seu carcereiro assustador...
Em minhas conversas com o homens cujo turno do dia terminara e agora descansavam em suas camas, pude compreender melhor o medo e a estranha figura discreta do capitão, Black, vivia sempre trancado na cabine de comando em seu silêncio, mas desta vez não estava sozinho lá em cima, havia uma dama americana de vestes sempre escuras como se estivesse de luto... ela permanecia ao lado do misterioso capitão Black, os demais tripulantes se arriscavam a pensar que ela poderia ser uma parente de Black... os olhos incrivelmente azuis, como as mais frias águas do ártico, como o gelo azul-claro das geleiras mais profundas... e o brilho não natural que aterrorizava... certamente ela deveria ser uma parente de Black, com o mesmo tom de mistério que o sombrio capitão trajava, a dama era um dilema que ninguém arriscava decifrar... apesar de que ela fosse sem dúvida mais cordial e singela do que o próprio capitão um dia chegaria a ser, a dama em seus passeios pela manhã ao ar livre era notavelmente educada e bela, os marujos ficavam agraciados com sua presença, felizes por umas poucas palavras que ela lhes dava, sem resistir aos encantos da nobre dama... enquanto não chegasse a noite e as dúvidas crescentes ao seu respeito rolassem pelas mentes atormentadas que ali convivem.
A dama, ao que parecia, era a única que tinha permissão para frequentar as dependências sombrias do navio durante a noite, os homens a viam pela porta aberta do alojamento, a viam perambular na escuridão... seus olhos frios brilhando no escuro como os olhos de um gato, como o gelo brilha a meia-luz mas ninguém seria capaz de segui-la, de investigar o que acontecia na parte inferior do navio, ninguém se atrevia, eram almas trêmulas atormentadas pelo pavor e o medo, almas que não eram mais donas de sua própria vontade... almas aquelas que viam e ouviam e mais nada. Mas eu era o único invicto ali seria necessário muito para me vencer, era o único que não havia sido dominado pela demência que o pânico lhes causava, havia uma verdade obscura, um fato sombrio que eu desconhecia mas que tinha mais ciência do que qualquer um poderia sonhar...
Os murmúrios sombrios ainda continuavam pela madrugada, todos os homens calaram, o residente das sombras do porão parecia se agitar mais a noite do que durante o dia que não se ouvia som, nenhum barulho, mas a noite às lamúrias percorriam o metal, escalando o revestimento até nossas camas fazendo-as tremerem... como se o mal so pudesse se revelar dessa maneira, a noite, na escuridão onde pesadelos tem mais poder, podíamos sentir as toneladas de ferro do navio tremerem com os ecos do estranho morador, as orações não serviam de nada para acalmar, até que a dama cantasse uma canção que o que quer que fosse que havia lá embaixo silenciava e assim como a besta usava da doce voz para acalentar seu coração irritado, nós também poderíamos descansar em paz ao som do canto.
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A Presença
RandomLivro II Bella encontrou seu verdadeiro amor, a metade que lhe faltava e que sem ela sua vida seria uma desilusão emoldurada pela tristeza, com a nova chance de viver a paixão que foi antes interrompida pela morte da moça, onde puderam recomeçar de...