35: Diário de bordo

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Allan Schneider

     A noite os marujos se recolhiam cedo, ordens do capitão; sabia que ninguém falaria nada além do óbvio, que ninguém teria coragem para contrariar tais ordens, era sempre o mesmo, o medo e seus variados graus de pânico...
     O toque de recolher se restringia a todos exceto a ela, Rosemary ou Rose como a chamava, só que aquela noite ninguém pôde dormir não por causa do mal-tempo que deixava a embarcação oscilante, agitada seguindo o balanço enfurecido das ondas, ninguém pôde dormir não porque o tempo estivesse ruim, a tempestade que se desencadeiava em alto-mar com toda a sua fúria, mas...
     Os marinheiros tinham sido mandados para o convés do navio, a carga amontoada no convés, os contêineres começavam a se soltar das cordas de aço enquanto o navio vencia as ondas do mar revolto, um deles acabou se abrindo no convés, as caixas de madeira rolaram para fora e os homens faziam o máximo o possível para mantê-las juntas, Martin disse que as mercadorias aportariam em Cuba dali a duas semanas e não poderiam ser perdidas, os homens trabalhavam com ardor tentando firmar as pernas em meio aos movimentos oscilantes do navio, eu me perguntei se haveria risco de naufrágio enquanto os ajudava na chuva mas não era com isso que eu deveria me preocupar, morrer afogado não seria a pior das mortes se comparado com outra que me parecia a mais dolorosa e aterrorizante de todas.
-Precisamos de mais cordas!. Gritou Gustav, Constantino e eu prendiamos as lonas nas pilhas de caixas, eu olhei para a porta.
-Martin não tinha ido buscar?! Onde ele se meteu?!. Gritou Constantino tentando vencer a potência dos trovões gritando alto.
-Tudo bem! Eu vou pegar! Onde estão?!. Perguntei cambaleando até ele para ouvir melhor.
-No fim do corredor ha uma bifurcação, vire a direita! Há uma porta estreita lá onde guardamos o entulho! Agora vai!. Disse ele, eu corri de volta passando pela porta quase escorregando no piso e me concentrei em pegar mais cordas, estava ensopado demais minhas roupas gotejavam baldes, as luzes piscantes nas laterais do corredor minúsculo pelo qual seguia me ofereceram pouca visibilidade, mas eu pude ver algo estranho no chão mais a frente, como uma mancha escura de óleo estendendo-se pelo chão como o rastro de uma lesma gigante, pensei que fosse óleo mas quando vi a cor mais de perto, toquei o chão...
        Sangue.
        Olhei o rastro, como se alguém tivesse sido arrastado, ouvi um som sombrio vindo da bifurcação a frente mais precisamente o som vinha da esquerda... o caminho para o porão, o residente...
       Enquanto eu percebia com terror o significado daquele fato às luzes apagaram e eu soube que o morador do porão tinha escapado.

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