18: Positivo

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Bella

Andei devagar olhando a porta em transe até que percebi que estava a sua frente... hesitante, ergui a mão e bati duas vezes.
-Entre. Disse ele, eu abri a porta devagar, dei uma espiada, ele olhava algumas dezenas de papéis a mesa e mexia no notebook a sua frente concentrado, mas sorriu sem me olhar.
-Desde quando a senhora precisa bater antes de entrar?. Perguntou, eu suspirei analisando se estava emocionalmente estável para contar a ele... ainda calma, nenhuma torrente a vista, eu decidi entrar de cabeça baixa fechando a porta tomando o cuidado de não encontrar o olhar dele só por precaução... ainda não sabia como diria... como dizer...
-Pensei que estivesse em reunião com os arquitetos da World Modern Corporation. Falei atravessando a sala para beija-lo, ele não olhou, estava ocupado, retribuiu o beijo vagamente, eu o abracei ficando atrás dele.
-Houve um imprevisto na construtora... eles acabaram de ligar pedindo desculpas perguntando se poderiam remarcar para semana que vem. Disse ele, eu peguei a agenda em minha bolsa e meu celular... folheei a agenda até os compromissos da próxima semana.
-Segunda não dá é a inauguração do estádio na cidade... você vai querer assistir ao primeiro jogo não vai?
-Não... nós vamos assistir. Corrigiu ele enquanto eu acariciava seu cabelo na nuca, ele me puxou para seu colo, abrigando-me em seu peito sem abandonar a tê-la do computador por um segundo... eu continuei a listar seus compromissos.
-Terça você tem que viajar para Moscou. Falei conferindo as duas agendas, a minha e a dele... eu era tão pequena em seu colo que ele podia colocar o queixo na altura da minha cabeça para continuar trabalhando, eu era minúscula, quase um composto de gravetinhos de tão magra e pequena perto dele, poderiam pensar que eu estava com anorexia nervosa, desnutrida. Ele pegou minha mão e a beijou.
-Nós temos que viajar para Moscou. Corrigiu ele, minha mão em sua palma parecia a mão de uma boneca de porcelana na mão de uma criança, eu era uma anã perto dele, Rosemary tinha tentado me colocar em um par saltos altos mas eu não tenho muito paciência com elegância e moda.
-Ah certo... nós vamos sair as sete para a pista.
-Levi disse que o tempo vai estar bom, as previsões de temporal na costa não vão afetar em nada a viajem... segundo ele vamos pousar às 22h00 da noite no horário local se seguirmos a rota pelo Pacífico e se você não quiser parar no caminho... imagino que sua amizade com Yoko tenha evoluído bastante quando fomos ao Japão nas férias passadas. Disse ele afastando o cabelo do meu pescoço para tocar suavemente com os lábios ali...
Yoko era a esposa, recatada e obediente do magnata Yang Lee Nagasaki, era uma mulher muito dócil de uma beleza oriental delicada, como um jarro de jade de uma antiga dinastia... uma peça rara e preciosa, ela era uma flor mas a tradição a compelia, tímida, submissa, levei duas semanas para conseguir arrancar uma frase inteira dela.
-Quem vê flores no outono? Eu não queria esperar até a primavera para ver as cerejeiras florescerem, nem precisava já que eu tenho você... foi chocante, lindo. Falei dando de ombros lembrando da imagem... dezenas de árvores de tronco escuro em um parque me emudeceram, as flores delicadas nos galhos de um tom rosado, o perfume... aquilo era uma das poucas coisas dos lugares que conhecera que me deixaram sem palavras, encantada, era belíssimo... e foi hilário quando a comitiva de carros do senhor Nagasaki parou para que todos os escandalizados pudessem apreciar aquilo, depois que Adam pisou no solo em Tokyo tudo se transformou, o outono em primavera, curioso e incompreensível. Ele fez um som de menosprezo.
-Nenhuma daquelas belezas pode ser comparada com a mais magnífica das flores... você, todo o resto é imperfeito, indistinto. Disse ele beijando meu ombro, eu bufei.
-Quanta perfeição... sabe não é bem isso que eu vejo quando me olho no espelho de manhã, pareço com um ouriço arrepiado, amassado e embaraçado e você me enxerga como a mais bela musa, não me surpreenderia se você visse um patinho esturricado passar e achasse que ele seria o mais belo dos cisnes... o amor é cego... acho que deveria procurar um oftalmologista também só por garantia que não seja um problema visão... é isso, você precisa de uma consulta, certamente ele irá prescrever após o exame uma lente de fundo de garrafa... duvido que alguém não consiga ver depois disso. Falei, ele riu trovejante.
-Talvez eu devesse recomendar que você faça a consulta e não eu. Disse ele, eu suspirei e ele continuou descontraído enquanto remexia em meu cabelo.
-O senhor Nagasaki me contatou de Tokyo esta manhã em uma videoconferência rápida, mas interessante... estou pensando em sua proposta da nova petroleira, ele me perguntou se eu não estaria interessado em me associar a revolução econômica do ouro negro... as novas reservas de petróleo encontradas próximo a Okinawa ainda no território japonês se revelam atrativas segundo ele... pensei que poderíamos fazer uma curta visita, estive analisando os relatórios das pesquisas da nova fonte, parece ser um ótimo investimento mas estou preocupado com a sustentabilidade do projeto, os senhores do petróleo não lançam os riscos ambientais em suas contas, só vêem números e nada mais... pedi assistência a alguns amigos está manhã que conhecem a possível área de extração, o lugar é de risco... tentar extrair poderia causar um dano sem precedentes, se o óleo se espalhar... será uma tragédia grave e eu não quero ter isso em minha consciência... muitas famílias na região em Taiwan, Filipinas e inclusive o Japão dependem da pesca como meio de subsistência, sem contar que um desastre ecológico afetaria também o mercado mundial de consumo de produtos marinhos. Disse ele preocupado enquanto fitava seu rosto.
-Não quero contribuir com tal irresponsabilidade se for o caso, mas queria averiguar com os empreiteiros, sísmicos e alguns ambientalistas de minha confiança para tomar a decisão mais correta, se não for viável, se houver algum risco por menor que seja não nos daremos ao trabalho de ir ate lá... desconfio que Yang não foi tão sincero comigo, quando ele começou a falar em números, lucros e banalizou os detalhes como ele se referiu a natureza e aqueles que dependem dela ficou claro que não confio inteiramente em seu parecer, temos tempo?. Perguntou, rapidamente me voltei para a agenda.
-A reunião com Vladimir e o pessoal de Moscou é na quarta-feira às onze.
-Na volta então passamos em Tokyo, irei me reunir com os pesquisadores para estudar o caso... marque um horário com Yang, penso que se ele estiver errado e insistir nessa loucura tenho que impedir de alguma forma nem que para isso eu tenha que convocar uma reunião com o imperador e o primeiro-ministro... duvido eles sejam a favor de tal insanidade se ele quiser evitar uma crise em seu país e uma guerra. Disse ele enquanto eu mexia no celular, ele estava determinado a enfrentar quem fosse se isso impedisse uma devastação maior, eu sabia que sua ética e consciência jamais concordariam com um envestimento que ameaça-se levemente o planeta, seja pela quantia de milhão de dólares que fosse, ele não atropelaria.
-Acabei de mandar um e-mail... sairemos de Moscou às sete da manhã na quinta-feira e nos encontraremos com o senhor Nagasaki às três da tarde no sábado... ele acabou de confirmar... vou avisar Levi também sobre os novos planos. Falei enquanto mandava um torpedo para o celular do piloto.
-Perfeito. Disse Adam beijando minha nuca suavemente.
-Quanto ao pessoal da W.M.C... posso agenda-los para este sábado de manhã e fechamos a semana. Falei, ele concordou acupado demais me beijando para dizer alguma coisa enquanto eu agendava seus compromissos na minha agenda e na dele e mandava um e-mail para a construtora.
-Otto acabou de confirmar, agradece e pede desculpas mais uma vez. Falei, ele tomou o celular das minhas mãos e puxou meu rosto... antes era eu que fazia isso.
-Esta muito ocupado hoje?. Perguntei me desviando dele para olhar os papéis em cima de sua mesa e o computador.
-Para você nunca... isso pode esperar. Disse ele puxando o lacinho que prendia minha blusa na frente com um sorriso infantil de criança quando se abre um presente que quer muito ganhar, eu ri e dei um tapinha em sua mão.
-Não senhor... não pode, no trabalho não.
-Porque não?. Perguntou ele olhando-me inocentemente, eu olhei o envelope do outro lado da mesa e me levantei de seu colo, me sentei na ponta da mesa de costas para ele segurando o envelope... mexendo-o em minhas mãos.
-Preciso lhe contar uma coisa.
-Conte. Pediu ele, eu me virei um pouquinho para ele olhando a mesa insegura... olhei seus olhos escuros atentos.
-Lembra quando... fomos até o lago a três dias? Estávamos sentados a beira e você me contava uma história...
-A criança perdida do Reino de Safír... Szafir o pequeno príncipe perdido do Reino do Leste... você chorou tanto... não deveria ter contado. Disse Adam pesaroso, eu me virei de costas secando uma lágrima.
-É uma história triste... a mãe teve sua criança, o amou e cuidou com o que podia e depois a criança... seu filho foi tirado de seus braços, nem posso imaginar algo assim... deve ter sido doloroso demais, a separação... levaram anos para que os dois se encontrassem outra vez, vinte anos depois precisamente... ela não pode vê-lo crescer, dizer a primeira palavra, ouvi-lo dizer mamãe. Parei engolindo em seco e continuei.
-Ninguém pode imaginar a magnitude da dor e o desespero que ela sentiu. Falei com angústia, a história de Szafir, o rei bastardo, era tocante... o roubo da criança, filho de uma mulher humilde com o rei, um bastardo... o pai tomando o filho da mãe para entregar aos braços da rainha que perdera seu bebê no parto, a descoberta da mãe biológica pelo príncipe depois de tantos anos, o choque na coroação que revelou o segredo da origem do jovem príncipe relatada por uma anciã, uma pobre mulher que não tinha onde viver ou do que viver mas se revelou um anjo para o reencontro da criança perdida com sua mãe verdadeira...
Adam pegou minha mão que estava em cima do exame sobre a mesa despertando-me da história trágica mas com um final redentor, feliz.
-Você me parece tão... frágil... ultimamente... tenho que tomar mais cuidado com que falo, não quero mágoa-la, quero que sorria sempre. Disse ele, eu sorri com emoção virando-me para tocar seu rosto.
-Você não me magoa Adam, só me faz feliz e é por isso que estou aqui, assim... lembra quando disse que achou que eu estivesse sentimental demais e achou que eu estivesse de TPM?. Perguntei, ele achou estranho eu levantar aquele assunto sem importância mas não questinou, parecia querer tentar entender...
Um riso fraco irrompeu por meu peito com as lágrimas explosivas, ele não seria tão diferente do restante da população masculina e sua incapacidade de dedução de certas coisas ligadas a mulheres.
-Há um motivo... um lindo e pequeno motivo. Falei ele não podia ver onde minha outra mão estava, ou meu próprio rosto, estava de costas mas podia sentir seus olhos em mim.
-É so dizer, estou ouvindo meu amor. Disse ele, eu levei a mão até boca sufocando um soluço, puxei o ar, afastei a mão trincando os dentes, não podia ser tão difícil assim, não devia, eu olhei para ele... ele não sabia o que fazer, estava chocado com minha hipersensibilidade histérica.
-Lembra do casal de patos no lago com seus filhotes? Quantos eram Adam?. Perguntei, decide lhe dar uma dica.
-Doze... porque isso agora?. Perguntou confuso e desnorteado enquanto olhava para mim, esse foi meu limite... teria de lhe dar um cheque-mate.
-Faltam onze para nós. Chorei, antes que eu terminasse de dizer ele estava ali me abraçando.
-Bella porque está chorando meu amor? Se continuar assim terei que leva-la ao médico... deve ser estresse, você trabalha demais, não posso mais deixa-la tanto tempo comigo trabalhando... isso está fazendo mal. Disse ele tocando meu rosto, ambos angustiados, eu me afastei dele secando o rosto enquanto o olhava incrédula.
-Eu já fui ao médico... acabei de vir de lá. Disse, isso o assustou.
-E o que ele disse?. Perguntou perturbado, eu peguei sua mão e o puxei para o sofá de frente para as janelas escuras, o sol estava no ponto mais alto do céu e as janelas escureciam aquela hora.
-Sente-se por favor. Pedi, ele se sentou olhando para mim apreensivo quase sufocado.
-Bella esta me deixando nervoso... o que ele disse?. Perguntou ele, eu me ajoelhei a sua frente segurando suas mãos.
-Não muita coisa... eu descobri sozinha, só fui até lá para lhe trazer isto. Falei, erguendo o envelope pardo com orgulho a sua frente, se antes ele não entendia nada agora estava completamente perdido... ele pegou o envelope das minhas mãos, eu cruzei os braços em seus joelhos e pousei o queixo.
-O que você tem?. Perguntou ele ainda confuso e preocupado.
-Abra e veja você mesmo... não é tão difícil assim de interpretar. Disse, ele tocou meu rosto bem sério como se não quisesse saber o que era de tão terrível mas ele estava enganado... abriu o envelope, tirou o papel branco bem dobrado, abriu perdendo o interesse na primeira página e pulando para a segunda.
-Positivo. Sussurrou ele ainda sem compreender o que se passava comigo, eu suspirei entendendo que ele era inexperiente nesse assunto afinal nunca tinha passado por isso e que não sabia que aquilo era um teste de gravidez então decidi dar uma mãozinha... afastei suas pernas e me coloquei ali no meio, puxando uma de suas mãos... pelo menos assim todo mundo entendia... pousei sua mão ali... e olhei para ele.
-Não dá para sentir nada, ainda... mas isso não muda o fato de que ele está aqui, em mim, conosco... por isso faltam onze, lembra-se de quando lhe contei uma vez que queria doze? Foi a quase três anos, você me levou para dançar no coreto sem-teto de piso negro, os vagalumes azuis dançando com nós dois... eu perguntei quantos filhos você queria ter e você disse que um para amar e cuidar já era o suficiente... e ficou assustado quando eu disse quero ter e vou ter doze filhos, gosto de família grande. Falei tocando a ponta de seu nariz, a expressão não era exultante como eu esperava, ele me parecia meio pálido como se estivesse prendendo a respiração, eu apertei sua mão com delicadeza em meu ventre outra vez.
-A três dias você estava com as mãos bem aqui, foi quando eu descobri que o primeiro estava aqui enquanto olhava os patinhos... faz algumas semanas que eu parei de tomar o anticoncepcional... acho que me esqueci de comunica-lo sobre isso, desculpe. Falei, ele olhou nossas mãos em minha barriga, reta como uma tábua mas que não ficaria assim, lisa daquela maneira... os próximos meses passariam e ela cresceria bastante considerando o quanto eu estava comendo viraria uma bolota, grande e redonda... eu toquei o rosto gélido e mais pálido do que o normal de Adam, ele arfou.
-Mas o que... o que...

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