13: Erick

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Erick

    Mohamed sempre teve uma queda pelas histórias irlandesas dos bravos de chapéus com dois chifres e todo aquele glamour mediavel, ele era vidrado nelas, passou a vida colecionando antiguidades como aquelas, volta e meia eu trazia alguma coisinha para ele em minhas viagens, por causa dele visitei muitos antiquários... ele pegou o copo de cerveja que bebia e bateu na mesa enquanto ria, era espantoso de se ver como ele se comportava como um viking.
-E como vai o velho Black?
-O capitão vai bem.
-Mas você não me parece muito bem meu amigo. Notou ele, eu suspirei.
-Deixe-me adivinhar... algo o assustou tanto que quase o fez borrar as calças de medo e isso tem a ver com Black. Disse ele, Mohamed se referia a loucura que presenciara... que meus olhos viram mas ainda estavam descrentes, se ele se referia ao capitão Black lutando contra um peixinho de seis metros de comprimento... mas eu não iria dividir isso com ele, assenti apenas.
-Sabe... ainda me assombra aquela história do naufrágio do Viúva Negra. Disse a meia-voz, Mohamed ficou sério... eu engoli em seco.
-Faz sessenta anos... não pode ser o mesmo, o capitão ainda não era nem nascido... e o capitão daquele navio tinha a idade dele, não tem como ser a mesma pessoa. Disse olhando a mesa de carvalho pensativo, eu senti um calafrio.
-Deixa pra lá... isso não ajuda em nada. Disse Mohamed, o humor trovejante dele reacendeu.
-O capitão amaldiçoado Davi Black pode pegar você, cuidado durma com os olhos abertos e uma escopeta nas mãos... ele pode puxar o seu pé, vindo das profundezas dos mares. Riu ele, eu o olhei.
-Você percebeu como o sobrenome é o mesmo?. Perguntei, ele parou de rir, uma pontada de histeria penetrou nas últimas notas de sua risada luxuriante.
-Talvez sejam parentes. Disse ele dando de ombros.
-Talvez. Disse pensando no capitão.
-Dizem que os mortos não podem mais fazer nada mas não tenho certeza disso. Percebi um tom sombrio em minha voz mas Mohamed deu pouco crédito a isso e escárnio recomeçou.
-Sabe como se espanta um fantasma? Tiro e queda... coloque uma foto sua virada para o espelho que até sua própria alma saí do corpo!. Riu ele, eu desci o punho na mesa e ele parou limpando as lágrimas.
-Tudo bem, tudo bem... o que o trás aqui então? Imagino que veio só me fazer uma visita de cortesia.
-Sim claro... precisamos de mais três homens no Sereia Negra. Disse, Sereia Negra era o nome do navio do capitão David Black, Sereia Negra... Viúva Negra era o nome do navio encouraçado da primeira guerra mundial que afundou na costa, centenas morreram, dentre os sobreviventes o comandante do navio Davi Black... a fama do militar era atribuir nomes de navios piratas aos navios que comandava... que intrigante... percebi Mohamed estalando os dedos na frente do meu rosto e voltei a mim dando de ombros as minhas observações.
-Pois então fique a vontade, escolha... temos malandros, falsarios, bêbados constantes, mulherzinhas... do que precisa?. Disse ele apontando para os fregueses.
-Alguém um pouco mais sóbrio seria ótimo... menos frustrante, esses aí não passam de um bando de ferrados e imprestáveis, que utilidade teriam?. Perguntei, ele concordou enquanto eu também avaliava os candidatos.
-Se precisa de alguém mais lúcido... tenho três amigos que realmente necessitam de trabalho mas não sei se eles vão concordar com viagens tão longas...
-Dinheiro não é problema. Falei, ele riu e assentiu.
-Está bem... olha como eu sei que provavelmente você não vai ficar muito tempo no porto, eu vou facilitar sua vida... vou dar alguns telefonemas, estarão aqui em instantes.
-Quais são os nomes dos candidatos?. Perguntei entornando a cerveja.
-Um deles é o noivo da sobrinha da minha esposa, as duas trabalham juntas no hospital... o pobre não consegue trabalho em lugar algum é americano e o ex-marido da garota está dificultando ainda mais as coisas para ele por aqui... todos pensam que o ex é um santo mas não é bem assim, eu disse a Beth mas ela não acredita. Disse ele indo até o telefone, eu o acompanhei... Beth era a esposa de Mohamed.
-Se ele tem noiva aqui talvez...
-Ele precisa do emprego Erick, mas do que qualquer outra pessoa por aqui, por que ele merece... é um bom homem.
-Se você está dizendo. Disse, ele parecia aborrecido.
-As pessoas são preconceituosas com quem é de fora... você sabe como foi difícil me engolirem no começo.
-Tudo bem... chame o homem mas não tenho a noite toda.
-Enquanto isso... converse com aqueles dois caras ali, os dois não bebem. Disse ele, eu me virei para os dois homens louros olhando para o vazio com duas garrafas de água mineral sobre a mesa.
-O que eles fazem em um bar então?
-A esposa e os filhos dos dois morreram em acidentes de carro porque eles dirigiam bêbado... acho que isso mudaria um pouco sua perspectiva de vida. Disse ele, eu olhei os dois homens, pobres coitados... vir ao bar era alguma espécie de tratamento de choque?
    Eles me pareciam exatamente o tipo que enquadraria no perfil que procurava... sem nada a perder porque já tinha perdido tudo.
    Eu fui me sentar com eles, os dois mal olharam em minha direção, nem um pestanejar se quer, eu me apresentei e fui direto ao ponto, aquela deveria ter sido a entrevista mais rápida da história, eu perguntei se eles queria trabalhar em minha sonda rápida pude perceber que eles tinha habilidades em mecânica e eletrônica justo o que eu precisava, ambos toparam sem pensar, pareciam que queria fugir dali... mas fugir de um lugar específico era mais fácil do que fugir de si mesmo... os dois haviam se tornado amigos ali, partilharam suas dores juntos, pareciam mais irmãos agora.
  

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