47: Adam

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Nova York, 26 de Março 19:35 da noite.





       A reunião foi interrompida por uma ligação, o diretor executivo estancou no meio de uma frase, pediu um minuto com um olhar nervoso para Adam que sorriu com gentileza.
-Atenda Watson. Permitiu ele, Watson assentiu e se afastou para um canto ouvindo às conversas na mesa às suas costas, detestava ser interrompido ainda mais em reuniões importantes que o chefe estava presente, o dono de tudo, quanta grosseria, ia esfolar vivo quem quer que fosse que o tinha interrompido.
-Alô?
-Chefe aqui é o McCoy. Disse o chefe da segurança com hesitação, a raiva desceu pela garganta de Watson mas ele procurou controlar o tom da voz, não estava sozinho.
-Espero que seja muito importante o que tenha a me dizer. Ameaçou suavemente virando-se para sorrir por um instante antes de fitar a janela com um olhar hostil, cabeças iam rolar...
-Senhor é melhor descer e ver com seus próprios olhos. Disse McCoy engolindo em seco, Watson estreitou os olhos para a petulância de McCoy.
-Eu não posso descer agora estou em reunião.
-Senhor... é melhor o senhor vir dar uma olhada. Insistiu McCoy, Watson trincou os dentes.
-Algum problema Watson?. Perguntou Adam em um tom afável, Watson engoliu em seco e se virou desligando o telefone... encarou Adam desconfortável.
-Era o Chefe da Segurança.
-Ele não interromperia se fosse algo importante, veja o que está acontecendo, faremos uma pausa de alguns minutos, não tem problema... temos a noite toda para discutir isso. Disse ele, Watson assentiu e saiu pela porta da sala de reunião sentindo os olhares julgadores em suas costas, com certeza muitos deles queriam o seu lugar mas não conseguiriam, não enquanto Lincoln Watson estivesse no comando, ele ficou pulto com McCoy e o fuzilou com toda a potência de sua frieza ao sair do elevador.
-Espero sinceramente que seja importante McCoy, pelo seu próprio bem. Falou ríspido, McCoy abaixou a cabeça e apontou para a porta... a calçada estava em alvoroço, uma multidão de pessoas tomava conta da rua... ele olhou a recepção vazia e franziu o cenho.
-O que está acontecendo aqui... onde está Lúcia?. Perguntou Watson, ele queria dizer "Onde está a minha filha?" mas se conteve, ninguém sabia que ele tinha uma filha bastarda fora do casamento, nem a própria menina sabia disso, a mãe dela tinha sido funcionária dele a muitos anos, secretaria... os dois ficavam até tarde no escritório para viver o romance secreto, ele tinha mais filhos com a esposa legítima mas Lúcia, a doce Lúcia era sua preferida, a única filha os outros quatro eram homens, Lúcia era a única que tinha um carinho especial e inocente por ele, a única pessoa da face da terra que se importava sinceramente com o frio diretor executivo da WMC, mesmo que a menina não soubesse... ela tinha voltado para ele, depois de anos sem vê-la.
         A mãe de Lúcia fugiu grávida, a única mulher que Watson amou na vida, estava disposto a tudo para ficar com ela até se separar da esposa mas ela fugiu levando a criança no ventre, só foi saber o porque depois de meses tentando localiza-la.... a encontrou no hospital por acaso na vez em que seu filho mais novo quebrou o braço ao cair do cavalo na aula de equitação, ele teria preferido levar o garoto a um hospital particular mas ele estava com tanta dor, a mãe negligente não queria deixar sua massagem tailandesa, ela não amava ninguém além de si mesma... ele viu a mãe de Lúcia na recepção do hospital, os cabelos castanhos envolvendo o rosto inocente com aqueles cachos grossos, a franja cobrindo a testa delicada, os cílios espessos, olhos azuis, ela ainda parecia uma garotinha aos dezenove anos mas trazia um bebê nos braços, era uma jovem e bela mãe, muito bela... todas as lembranças o domiram naquele instante, ele deixou o filho aos cuidados da médica e andou até ela como se estivesse vendo uma miragem, antes que ela ergue-se o olhar, ele pode admirar de perto a bebê, uma menina vestida de cor de rosa, viu seus próprios olhos encontrarem com os seus com um sorriso banguelo e encantador que se dá a uma pessoa que mesmo depois de muito tempo reconhece...
        Sua esposa tinha descoberto a traição e se encarregou de expulsar a amante de sua vida, depois daquele dia do hospital que a viu sair correndo chorando carregando Lúcia nos braços, ele nunca mais tornou a ver nem a mãe nem a criança, a esperança de um futuro inteiro pela frente ao lado das duas foi enterrado nos confins de sua alma entristecida, ele teria deixado tudo por elas... anos depois lá estava ela, a menina que tinha seus olhos, sentada na recepção com um enorme sorriso no rosto dizendo bom dia ao próprio pai, ele sabia que era ela pelas fotos que a mãe mandava, sempre... todos os meses mais fotos chegavam, ele não tinha pedido que ela fizesse isso por ele mas foi tocante quando o primeiro envelope pardo chegou a empresa, não em casa, sua mulher checava a correspondência... ele viu a filha crescer por fotos, a pior forma de tortura que se podia fazer com um pai... em cada dia durante o mês, uma foto era tirada, todas estavam marcadas com datas, às primeiras chegaram um mês depois que ele a viu no hospital, sem bilhete, sem nada além de uma contagem atrás das fotografias, ele estranhou o envelope grosso e pesado não ter remetente mas era endereçado somente a ele, às fotos tinham o mesmo tamanho, quase o tamanho de uma folha... no verso da primeira imagem de um bebê risonho e rosadinho deitado de bruços em cima de uma manta dizia foto número 1 de Lúcia... ela sabia de quem era a letra no verso e sabia de quem era aquele bebê... durante anos os envelopes pardos chegaram, as imagens impressas no mesmo tamanho, ele encheu vários álbuns com às fotos daquela garota, álbuns feitos especificamente para acomodar aquele padrão de fotografia, todos guardados no cofre da sua sala como um tesouro que só ele sabia o segredo, longe das mãos maldosas da esposa, como um santuário, ele venerava a filha... as fotografias eram imagens aleatórias de Lúcia, onde mostram as diversas fases da garota, crescendo centímetro por centímetro, um acompanhamento exato, em diferentes posses, cortes de cabelo ao longo do tempo, mas sempre ela sozinha na foto, fazendo caretas, sorrisos, expressões distraídas... a mãe de Lúcia não queria que ele perdesse nada, aniversários, datas comemorativas, tudo fora registrado, ele imaginava que era ela mesma quem tirava, a cada décimo dia de cada mês ele esperava ansioso por mais um lote de fotos até que um dia elas não chegaram mais, a foto de Lúcia número 6,205 foi a última que ele recebeu de sua formatura no Colégio, ela tinha dezessete anos, Watson ficou preocupado, meses se passaram, ele estava angustiado tinha medo que algo muito ruim tivesse acontecido...
         No dia primeiro de Janeiro de 2016, ele a viu sentada atrás do balcão da recepção, ela só tinha dezoito anos, estava magra um pouco abatida, o sorriso era tristonho e amedrontado era seu primeiro dia de trabalho, o Rh a contrara como estagiária, assim que ele se recuperou do susto em sua sala ele ligou para o CS pedindo a ficha completa da moça, ela tinha parado de estudar porque a mãe havia morrido depois de um ano batalhando contra um câncer, a menina ficou sozinha, não tinha mais ninguém que pudesse cuidar dela, ela teve que aprender a se virar sozinha procurando emprego com o pouco conhecimento que tinha, aos poucos ele adquiriu a confiança dela o bastante para se tornar um amigo com quem ela podia conversar, era tão esperta, gentil e geniosa que não foi difícil conquista-la, ela era o espírito mais alegre e contente da companhia, Watson esperava que todas as noites passassem para que no dia seguinte pudesse embebedar-se com a luz radiante que Lúcia deixava por onde passava, ele queria promove-la, trazê-la para mais perto de si sem levantar suspeitas, ele nunca tinha tratado um funcionário tão bem antes... a distinção com que ele a trata era notável, se sua esposa descobrisse... temia o que podia acontecer em seguida, por isso ele esperou pacientemente tantos anos antes da promoção, ele a colocaria a seu lado, daria o mundo a ela, mas seus planos foram destruídos quando... ele viu o sangue vermelho espalhado pelo parachoque e o para-brisa de um caminhão, a morte brutal de Lúcia sua filha foi um golpe mortal que ele não estava preparado para receber... Watson voltou a sala em transe dez minutos depois, ele se sentou a cadeira pálido com a ajuda de MacCoy.
-Ela está morta. Sussurrou ele, todos o fitavam... Adam no canto da sala encerrou a ligação assim que olhou o rosto dele.
-O que houve?.
-A recepcionista, Lúcia Keller acabou de falecer na frente do prédio vítima de um atropelamento senhor... achamos que foi suicídio, a vimos andar até a rua pelas câmeras de segurança senhor. Explicou McCoy, Watson parecia estar delirando entre a realidade e a não realidade nenhuma era mais fácil.
-Ela estava tão bem está manhã... ela estava sorrindo.
-O que ele tem?. Perguntou um dos executivos.
-Ele está em choque. Disse outro espantado por ver Lincoln Watson ter um colapso nervoso, jamais sonharia que um homem da categoria dele estivesse sujeito a qualquer tipo de choque... ele sempre pareceu implacável.
-Se o senhor visse alguém que está aqui para servi-lo todos os dias morto na sua frente também estaria em choque Estefan. Disse Adam em um tom amargo olhando a imensa janela do edifício, a rua interditada lá embaixo, ele conseguiu ver o que ninguém poderia ver a aquela altura... voltou-se para os rostos intrigados com um Watson que nunca tinham visto antes, ele piscava, parecia a ponto de chorar.
-A reunião será adiada para amanhã às seis, estejam aqui... podem ir agora. Disse Adam se aproximando pousando a mão no ombro de Watson para consola-lo.
-MacCoy desça e cuide disso por favor... veja o que está acontecendo tenho impressão de que a imprensa está lá embaixo, certifique-se de abafar o caso, não dê informação quero tudo no mais absoluto sigilo... cuide dos procedimentos necessários para encaminhar o corpo a funerária, avise a família. Pediu Adam, McCoy olhou de soslaio para Watson.
-Ela não tem família senhor.
-Nenhum parente?. Perguntou Adam, McCoy balançou a cabeça olhando solidário Watson... ele sabia que ele se importava com a garota ainda que não soubesse o porque.
-Faça o que for para que ela tenha um funeral descente, veja se ela possui amigos e os convide para se despedirem e dispense o resto dos funcionários em respeito a ela, esvazie o prédio. Disse Adam sorrindo suavemente para McCoy que aquiesceu-se e saiu de cabeça baixa... ele fitou Watson puxando a cadeira para se sentar, ele ainda parecia em transe.
-Está tudo bem Watson?. Perguntou, ele piscou parecendo voltar a realidade, olhou a mesa vazia.
-Onde estão todos?
-Dispensei todos eles... imaginei que pela maneira como o afetou você não estaria em condições para prosseguir com a reunião.
-Obrigado.
-Como está se sentindo Watson?. Perguntou Adam pegando o copo e uma jarra com água em cima da mesa e servindo-lhe... ele colocou o copo na frente de Watson, o escritório parecia vazio.
-Ela era a minha filha. Disse ele fitando o copo com uma expressão vazia.
          A repercussão da morte de Lúcia na imprensa foi um escândalo, Lincoln Watson confessou publicamente na coletiva que convocou ter traído a esposa, ele falou sobre a filha, sobre a dor da perda e dos anos que sofrera com sua ausência, foi uma atitude louvável da parte dele de abster-se de sua imagem social para tal grito, Adam assistia ao canal noticiário na suíte do hotel após ter telefonado para a esposa... motivado pela conversa com Watson fora impelido a isso, tinha saudades da voz dela, do seu calor... ouvir Watson confessar seu amor proibido o fez desejar que essa viajem terminasse ainda mais rápido, ansiava por encontrar Bella quando chegasse em casa mas não se esquecia de que tinha assuntos a tratar em Nova York além daqueles da empresa... o tranquilizava que às coisas estivessem bem em casa, ele temia se afastar agora diante do perigo, sentia isso em seus ossos tão profundamente que era de arrepiar.

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