31: Diário de bordo

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Allan Schneider

        Resolvi que seria melhor para mim não resolver aquele mistério em particular por enquanto, peguei minha bolsa com o binóculo, a luneta, o bloco de anotações e minha câmera e decidi dar continuidade a matéria que tinha vindo a procura, os segredos dos mares... subi na parte mais alta do navio onde ficava a cabine de Black como sempre e enquanto passava pelo corredor ouvi uma conversa... era ela de novo, conversando com David Black... eu me perguntava qual seria a real relação entre os dois e porque eu tinha a necessidade de fazer isso comigo até que parei... essa era o tipo de coisa que deixara de importar a tempos, questões que envolviam o coração e os sentimentos eram coisas que deixei morrer por isso eu vivia sozinho mas a conversa dos dois havia me despertado pelo tom sombrio.
-Acha que ele vai aguentar?. Perguntou Black, por um momento pensei que estivessem falando de mim então fiquei mais atento.
-Não sei mas vou prende-lo esta noite por segurança... quanto tempo falta para chegarmos a passagem?.
-Uns três dias... estou indo o mais rápido que posso, é uma corrida contra o tempo, não quero perder essa tripulação também. Disse ele, Black parecia preocupado.
-Já se acostumou Black?.
-São homens fortes, ótimos trabalhadores o que é difícil hoje em dia.
-Não se preocupe Black... eu estou monitorando o estado dele... a febre ainda está alta e isso está a nosso favor.
-Até quando?
-Não sei é imprevisível... ele não é uma criança David, então não vai demorar tanto assim.
-Realmente não se preocupa que seu amigo esteja a bordo?.
-Não há risco.
-Por enquanto. Disse Black, eu soltei a respiração e continuei em frente... analisando a conversa  enquanto tirava fotos da paisagem e fazia minhas anotações com base em minhas suspeitas, estava claro que ela era uma imortal mas o que ela era especificamente... ela não tinha sensibilidade a luz por que acabamos de conversar aos primeiros raios solares da manhã marinada, e seus olhos não eram apagados como se não houvesse mais alma... eram brilhantes e persistentes, ela não ficava presa o tempo todo nas dependências inferiores, circulava ao ar livre, as roupas mostravam algumas partes da pela branca e fina de porcelana... só faltava uma coisa para ter certeza de que ela não era o que eu estava pensando que era...
-Tire uma foto minha se isso vai ajudá-lo a se convencer de que não sou uma vampira Allan. Disse ela ao meu lado na sombra assustando-me enquanto olhava meus rabiscos por sob meu ombro a centímetros do meu pescoço... ela riu pegando a câmera de minhas mãos pálidas e virou a lente para si mesma... o Flash a cegou, ela oscilou com a tontura que se abateu sobre ela, e então perdeu o equilíbrio e eu a puxei antes que ela caísse la embaixo no convés... acidentalmente ela caiu em meu colo.
-Você está bem?. Perguntei, ela sorriu pousando a cabeça em meu ombro com um suspiro.
-Posso não ser uma morta-viva mais ainda tenho sensibilidade a luzes muito fortes. Disse ela me entregando a câmera com sua imagem pálida congelada no meio da tela.
-E então já que estou aqui... vai me contar sua surpreendente história de vida jornalista? Ou você continua preferindo o anonimato a essa altura do campeonato? Me surpreenda. Estimulou ela encantadora enquanto olhava seus olhos cegos ganharem foco em meu rosto.
-Não a nada de surpreendente. Falei, ela riu.
-Geralmente os apaixonados não acham isso da outra parte... você poderia ter um par chifres que ainda sim não deixaria de ser interessante para mim. Disse ela olhando-me de maneira sedutora.
-Me diga como é sua família... esposa e filhos, imagino que tenha encontrado o que procurava em suas andanças. Disse ela ainda fitando profundamente quando se levantou e eu me ergui atraído por seu olhar.
-Não tem ninguém me esperando em terra firme madame, não tenho para onde ir quando aportar se quer saber. Falei desviado os olhos dela.
-Está sozinho então? Porque?. Perguntou, eu me fiz a mesma pergunta.
-Não tenho tempo...
-Não é essa a questão... eu posso ter tempo de sobra mas para um humano por mais que não haja tempo sempre se encontra um espaço vago na agenda se assim desejar... você quer ficar sozinho é esta a resposta. Disse ela pegando meu queixo fazendo com que eu a olhasse.
-Acho que posso arriscar um palpite... uma mulher o fez perder as esperanças. Disse ela, eu ri.
-É especialista no assunto?
-Digo que tenho uma vasta experiência com homens solitários... eu tenho um irmão mais velho, ele sofreu durante alguns anos com a perda de um grande amor.
-E ele está melhor agora?
-Ele a encontrou de novo... ou acho que ela mesma não desistiu de procurá-lo depois que partiu, para eles o amor não tem fim é perpétuo... os mistérios que rondam o universo são mesmo intrigantes, não é?. Perguntou ela, eu não respondi, alguns minutos se passaram, eu podia sentir seu olhar em meu rosto.
-Quando ela partiu?. Perguntou ela, eu a olhei.
-Como sabe que ela morreu?
-Mesmo que se estivessem separados por qualquer motivo que fosse ainda teria uma chance de conquista-la outra vez se ela estivesse viva você não estaria aqui. Disse ela, eu suspirei me voltando para a frente recordando de um passado que parecia tão distante quando ainda era jovem e contava com a ingenuidade, a multiplicidade desordenada de sentimentos, a facilidade de ser apenas um jovem... o amor fácil como respirar.
-A muito mais tempo do que eu conheço você.
-Que lástima que é o destino... como seria se eu tivesse cruzado seu caminho antes dela?. Perguntou, eu a olhei e ela sorriu.
-Não sei... o que sei é que estou preocupado com o que quer que esteja confinado lá embaixo... mas acho que sobre isso você não vai me contar. Disse, seu sorriso murchou.
-Eu te contaria se não tivesse medo que você me odiasse depois disso.
-O que é aquela coisa?. Perguntei com firmeza, ela me pareceu chateada ou um pouco mais do que isso.
-Coisa? Não, não é um animal qualquer. Disse ela quase magoada, ficou em silêncio enquanto a observava até ela retomar a palavra, sem se importar com o que eu acharia ou não.
-Mas se descobrir certamente saberá também o que eu mesma sou... eu sou um monstro Allan, da mesma espécie que vive lá embaixo e que dorme debaixo de sua cama a noite no porão... que o enche de receio e pavor mas ouvir não é o mesmo que ver... tenha uma boa noite Allan, o sol vai se pôr e eu preciso cuidar do meu convidado... durma bem. Disse ela virando-se para as escadas enquanto a olhava atordoado perante a confissão, eu não sabia o que dizer...

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