28: Se eu soubesse

13 2 0
                                    


Bella

-Mas você não viu as mãos dela, Senhor Alfred eu temo que...
Ouvi alguém dizer e ser interrompida pela voz serena do mordomo, Branca e Alfred conversavam, Branca parecia aflita, eu me virei curiosa para o corredor na direção da cozinha.
-Ela está bem Branca, as pessoas se machucam isso acontece não fique alarmada... não foi nada demais. Disse Alfred aparecendo no hall com Branca logo atrás... ela abaixou os olhos quando me viu, Alfred olhou minhas mãos... ia começar tudo de novo.
-Meu Deus senhora!. Eu ergui a mão e sorri para detê-lo.
-Sendo perceptivo como é Alfred... você mais do que ninguém sabe como coisas assim devem acontecer por uma mera distração, sabe que sou campeã nessa modalidade. Falei, ele respirou um pouco aliviado e sorriu... não foi a tôa que eu torci o tornozelo duas vezes no último verão por não olhar por onde andava, eu poderia ganhar uma medalha por isso. Olhei Branca, isso não pareceu convencê-la.
-Branca venha aqui e sente-se ao meu lado. Falei, ela veio até mim... era tão bela quanto era tímida, os olhos grandes e azuis, e os cabelos pretos de cachos volumosos envolvidos em um lenço que cobria a cabeça... os lábios rubros como a casca madura de uma maçã vermelha, a pele tão branca quanto a minha... eu peguei sua mão e ela se sentou.
-Porque está tão preocupada?. Perguntei, ela sorriu com timidez com o lindo rosto inocente mas a preocupação ainda vincava sua testa.
-Eu gosto da senhora... não quero que lhe aconteça nem um mal. Disse ela, eu mostrei a mão.
-Quem mexe com vidro sem luvas acaba se cortando. Disse, sua expressão tornou-se séria repentinamente.
-O que a esta incomodando?. Perguntei erguendo seu queixo, ela me olhou com aflição mordendo o lábio como se quisesse dizer algo mas tinha medo, não podia. Ela pegou minha mão puxando um dedo meu com cuidado, bem na ponta havia um pequeno furo ali, avermelhado.
-Coisas assim podem ser um mal presságio, quebrar um espelho, pisar em uma rachadura, andar debaixo da escada, brincar com coisas que não conhece, espetar o dedo em algo pontiagudo... geralmente coisas ruins acontecem... o que todos sabem da história da Bela Adormecida é que ela caiu em um sono profundo após ter espetado o dedo em uma roca de tear e que o príncipe encantado a beijou e a trouxe de volta a vida... mas não é bem assim, no final ela não foi com o príncipe mas com a morte... a agulha foi invenadada pelo veneno de uma serpente negra invocada da magia das Três bruxas malignas que respondem pela Ordem das Trevas... a lenda diz que quem do veneno da víbora provar sofrerá eternamente após a morte em agonia, não conhecerá paz nem descanso... só a dor. Disse Branca, se eu soubesse... naquele exato momento o que iria acontecer olhando os olhos daquela moça... se eu tivesse o menor indício do que viria a acontecer... se eu tivesse a chance de impedir... certamente agora não estaríamos ali...
Esta era outra lembrança infeliz, foi no dia seguinte a festa, eu mal conseguia dizer qualquer coisa, fazer qualquer coisa além de chorar em silêncio com a dor da culpa e o remorso bem frescos em mim, foi uma perda inesperada, uma dor nova, recente, doía mais do que qualquer dor física, eu não estava pronta para perdas eram nelas que se concentravam os arrependimentos e eu me arrependerei amargamente até o fim dos meus dias, às vezes um único detalhe, um único gesto pode ser fatal.
Adam abriu a porta do carro para mim... olhei Branca na janela me dando um aceno vago, sem vontade, sem vida... Adam me olhava preocupado...
-Tem certeza de que é o melhor?. Perguntou ele hesitando na porta... esperando que eu desistisse e corresse para dentro de casa, como se isso pudesse impedir que aquele dia acontecesse, que estivesse acontecendo... eu assenti e ele fechou a porta... segundos levaram para que ele estivesse ali novamente como nas últimas horas de angústia e terror, ele me trouxe para o recanto acolhedor de seus braços e eu pousei a cabeça em seu peito derrotada as imagens ainda rodavam em círculos em minha cabeça, e a culpa esmagadora era somente minha.
-Ele merece ao menos que eu faça isso.
-Por favor... Bella, a culpa não foi sua... não se responsabilize por um crime que não cometeu.
-Não estou procurando por culpados Adam.
-Claro que não está... você está se culpando, isso não é o bastante?. Perguntou ele, eu balancei a cabeça ainda não tinha me culpado o suficiente.
-Se eu não tivesse...
-Você e meu filho teriam morrido... percebe a proximidade com que eu estive de perda-la? De perder aos dois?. Perguntou ele, não que a vida de outra pessoa fosse menos importante que a minha, eu sabia o que ele queria dizer... não havia egoísmo em suas palavras só desespero e medo, eu sabia que ele também se sentia culpado ainda que ele não tivesse sido diretamente o responsável, mas eu era mesmo que não soubesse da verdade naquele momento indiretamente eu fui a responsável, eu era a culpada.
Eu sabia que a lembrança daquela manhã enevoada ficaria comigo para sempre, guardada na caixinha junto com as outras lembranças infelizes que colecionava...
Adam era meu conforto, meu mar, meu sol, meu tudo, e eu entendia sua angústia, era capaz de compreender o nível de importância que aquele "por um trís" teve para ele, aquele fio frágil de lã que poderia se partir sem o menor esforço... a vida era em si frágil mas, não importava o quanto fosse forte para resistir ninguém podia driblar a própria morte e sair ileso por isso nem mesmo Adam conseguiu me consolar naquele dia, era em mim que eu estava pensando, em meu filho, em Adam e em quem perdera a vida por minha culpa.
Eu não queria morrer mas se eu soubesse a tempo, não pensaria duas vezes antes de fazer o que era certo, sabia que isso o magoaria, me doía profundamente pensar nos próximos anos dele sem mim, em sua dor... mas de qualquer forma eu teria impedido se eu soubesse...

A Presença Onde histórias criam vida. Descubra agora