79: Nas Sombras

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Sentado, sem fazer nada, mantendo toda a minha fúria ninja reprimida.
Matthew Stanley







        Nós estávamos em uma das torres depois de subir mil degraus, quando chegamos ao topo vimos o instrutor sentado com às pernas cruzadas meditando em cima do tatame, os olhos fechados bastante calmo... tochas de ferro nos pilares, eram as únicas coisa que tinham na torre, haviam janelas grandes ao fundo, além disso o espaço era bem grande, várias pessoas formando duplas poderiam treinar ali. O instrutor não se mexeu quando Laurence tirou os sapatos e se juntou a ele na mesma pose de meditação, eu os imitei... será que tínhamos que chamá-lo de sensei também? De qualquer forma eu esperei o Bruce Lee com aquela coisa meio dark de Bruce Wayne se pronunciar... o cara era sombrio, misterioso, reservado características que atraem a curiosidade de qualquer um.
       Eu esperei ele fazer uma apresentação no estilo, algo impressionante... imaginei um monte de emoticons que choram, Ah... se eu ainda tivesse meu celular para registrar aquele momento, mas não, eu não tinha mais celular, e além disso a falta de comunicação fazia parte do isolamento. Eu continuei esperando olhando de Laurence para o instrutor, os dois muito quietos, eu esperava que ele fizesse um daqueles movimentos muito irados e ficar de pé sem usar as mãos para se apoiar mas nada aconteceu, comecei a pensar em Dragon Ball Z e todos aqueles desenhos japoneses pensando que eles me preparam para aquele momento, pensei em golpes ninjas de batalhas vistas em desenhos como Naruto... eu me amarrava naquele desenho.
       Deviam ter se passado milhares de segundos, minutos, horas intermináveis e nada, eu ainda estava na expectativa de vê-lo fazer algum golpe mortal surpresa e me derrubar no chão e eu diria que ele era um grande ninja quando Laurence cutucou meu braço me tirando a força do devaneio, eu olhei para ele porque ele estava indo embora? Eu me levantei e o segui, descemos em silêncio pelos mil degraus, atravessamos os portões até a praça, eu parei.
-Era só isso? Ir até lá sentar e meditar? Três vezes na semana? Duas horas sentados?. Perguntei, ele suspirou.
-Hoje é seu primeiro dia aqui garoto... eu sabia que ele iria fazer isso com você também, no primeiro dia dele, eu subi até a torre todo esperançoso e ele ficou sentado sem fazer nada... eu fiquei de pé durante uma hora até decidir me sentar também, fazemos meditação todos os dias então isso é normal, ajuda e é obrigatório depois eu explico mais sobre os conceitos disso não se preocupe. Disse ele dando de ombros... eu ainda não conseguia acreditar que eu fiquei duas horas sentado feito um idiota, bom Matt você é mesmo um idiota mesmo, que diferença faz?
-E amanhã vai ser assim também? Sentar e meditar em silêncio sem dizer nada? Nadinha?
-É assim nos três primeiros dias, o quebra ossos começa no quarto... nós dois vamos lutar muito e isso demanda energia, esse gasto também faz bem, exercícios liberam a tensão, sentimentos como raiva, estresse e ansiedade diminuem em escala bastante satisfatória para nossa espécie, você deve aprender a canalizar as emoções e os sentimentos fortes, libera-los, livre-se deles e de qualquer coisa que você tem consciência de que fará mal a alguém ou a você mesmo, sabe alguma coisa de luta? Se não teremos que começar do básico e ele não vai pegar leve com você. Disse Laurence bem humorado de repente... ele estava se divertindo às minhas custas.
-Eu sei lutar fazia Jiu Jitsu na escola e você?
-Boxe tenho especialidade em imobilização também... cheguei a competir por três anos em lutas patrocinadas quando era mais jovem até resolver ir para a faculdade.
-O que nós vamos fazer agora?. Perguntei no meio da rua movimentada... do nada alguém esbarrou em mim, eu perdi o equilíbrio com a pancada e quase cai mas Laurence segurou meu braço, eu olhei para cima... Ted ria, pude ver que ele tinha feito de propósito.
-Cuidado por onde anda garotão... sua babá não tem olhos nas costas. Disse ele, meus punhos se fecharam com força, Laurence me puxou uma vez mas não me movi.
-Vamos Matt não vale a pena. Disse ele, eu suspirei... e não valia mesmo, andamos em direção a praia eu olhei para trás só uma vez, Ted estava acompanhado de seus amigos como sempre, nem um sinal da loura, Samantha... balancei a cabeça desaprovando a conduta de Ted, que filho da mãe imbecil que ele é.
-Porque Samantha não está com ele?. Perguntei, Laurence semicerrou os olhos na minha direção até se dignar a responder minha pergunta, eu também não estava com uma expressão muito boa, eu queria voltar lá e fazer aquele cara lamber o chão... mas isso não me ajudaria em absolutamente nada, só colocaria minha vida e a de Laurence em risco, eu não iria cair nas provocações de Ted, era um ardil, uma armadilha, esse era seu jogo.
-Porque ela olha a garotinha durante o dia, às duas estão no chalé ao lado... Samantha é mais calma, nunca tivemos problemas com ela, às meninas são mais dóceis que nós, ela quase não precisa de Ted, eles ficam mais juntos a noite quando se transformam e se afastam dos outros.
-Qual é a próxima atividade?. Perguntei tentando mudar rapidamente de assunto antes que traduções indesejáveis daquela última frase surgissem em minha mente... sozinhos, Samantha e Ted sozinhos, procurei esconder a mágoa irracional enquanto meu mentor me fitava, e àquele babaca ainda tinha a Lara Croft de estepe.
-Acompanhamento psicológico... você vai conversar com Rosemary hoje, ela não é a terapeuta mas de vez em quando ela vem a Ilha para saber como estamos e pega às sessões da Dra. Loren. Disse ele, eu me virei para a praia... Rô estava sentada nas areias brancas do Sul de costas para nós.
-Pode ir até lá falar com ela. Disse Laurence, eu o olhei ali parado enquanto eu seguia até a praia.
-Você não vem?
-O acompanhamento não é em dupla... depois de você sou eu, não vou ficar longe fique tranquilo. Disse ele, eu assenti e fui me sentar com a dona da voz que cantara para mim nas noites terríveis que mal conseguia lembrar agora... aquele período de sombras e dor pertencia a um passado obscuro que não tinha qualquer vontade de revisitar.
-Olá Matt... como vão as coisas querido? Noite agitada a de ontem, não?. Perguntou ela com um sorrisinho, eu fiz uma careta.
-Não sei se eu gosto desse negócio de não me lembrar das coisas... essa amnésia ainda vai me trazer problemas, Samantha me odeia.
-Ela não odeia você... só o acha um tanto grudento. Disse Rô, olhei o horizonte sem ver, eu estava consciente de minha obsessão mas inconscientemente eu não poderia fazer nada para reprimi-la... como eu sou estúpido...
-Ela me disse que da próxima vez que eu chegar perto dela de novo, ela vai quebrar meu nariz.
-Ela me contou isso. Disse Rô, eu me virei para ela deprimido.
-Não tem como me deixar numa daquelas camisas de força durante a noite?
-Você precisa da transformação Matt... agora pode não parecer mas mais tarde fica mais fácil com o tempo.
-Na verdade eu não queria nada disso. Disse frustrado deitando na areia.
-Ninguém quer mas é preciso... se não aprender a controlar seu monstro ele vai possuir você para sempre, é possível para-lo se você assumir o controle entende o que estou falando?
-Já sei tenho que encontrar a luz... vou pedir para Deus iluminar meu cérebro está noite e afugentar o bicho papão. Disse cobrindo o rosto com o braço arrepiado pela menção aos BP's... como seria estar preso na escuridão para sempre? Os Sem Alma como Laurence os chamava... eles não tinham mais alma, só havia a casca de um selvagem brutal... que loucura a meses atrás minha única preocupação era com minha vida de Capitão do time e com a excitação pela garota nova que não dava a mínima para mim... que vida patética, mas era a única que conhecia, que me sentia seguro agora eu não sei mais o que fazer com a minha vida, nem tenho o domínio sobre mim mesmo para começo de conversa... como diabos eu vou sair dessa?
-O monstro que vive debaixo da cama na verdade é você mesmo Matt... um reflexo inconsciente seu, imagine um espelho... você o olha e o vê lá, estende às mãos e ele faz o mesmo, se você corre ele corre também na direção oposta a sua, é um reflexo... tudo o que você vê, sente e ouve durante o dia seu inconsciente absorve, registra, fica armazenado dentro de você, são os reflexos de seus desejos mais profundos... se de dia você viu uma pessoa de que não gosta, alimenta ressentimentos por ela, você vai procurá-la inconscientemente se o sentimento for forte, se ficou com você... se você queria machucar até matar essa pessoa, se livrar dela mesmo que conscientemente, acordado não fosse capaz de fazer isso, seu subconsciente quer, seus sonhos mostram o que você deseja, se quiser matar essa pessoa... no outro dia você não a verá mais, por isso tome cuidado com o que deseja Matt, você ainda não adquiriu consciência de sua outra existência e ela só vai fazer o que você quer inconscientemente... você não é mais humano Matt... seu monstro se alimenta de seus sentimentos de suas emoções, absorve e filtra tudo que for forte e fica em você... você age por instinto, sentimentos e emoções profundas fazem parte desse instinto. Disse ela, eu me lembrei do que Laurence contara sobre sua vida... sua esposa... ignorando a aula de etiqueta para monstros.
-Se Laurence amava a esposa porque ele...
-O amor é um sentimento que gera emoção... se você ama demais uma coisa quer protegê-la, deixá-la em segurança. Disse ela, senti Laurence se aproximar já estava familiarizado com seu cheiro, o som de seus passos... abri os olhos e o vi afundar na areia.
-Meu cunhado escolheu um dia errado para ir até minha casa... minha mulher disse que ele estava cercando ela, assediando... eu nutri por ele o que qualquer homem sentiria se sua mulher fosse ameaçada, mas naquela noite ele estava armado... eu queria ficar sozinho enquanto a lua cheia não mingua-se, Mel... minha esposa sabia que eu precisava ficar longe e eu tentei me esconder em uma cabana na floresta para não fazer algo que pudesse me arrepender depois mas eu estava preocupado com ela sozinha em casa a ponto de dar a luz, eu voltei durante a noite para vê-la mas não na forma humana... no dia seguinte, eu acordei na floresta banhado em sangue, corri de volta a cabana e tomei banho pensando que tivesse estraçalhado algum animal e depois fui olhar às chamadas no celular, meu chefe e nossos amigos pensavam que eu estava acampando nas minhas férias, tirando fotos da vida selvagem, eles sabiam que eu não poderia levar Mel e me censuraram por isso mas ninguém me impediu de ir, Mel os convenceu de que eu precisava de um tempo de tudo, não contou o que realmente estava acontecendo, não contou que eu tinha sido atacado por animal quando saí de casa a noite para colocar o lixo para fora que havia esquecido durante a manhã, Mel estava enjoada com aquilo e eu tive que resolver o problema, mas alguma coisa me atacou enquanto colocava o lixo no coletor, Mel me ouviu gritar e saiu para fora, o animal correu quando ela apareceu... eu tinha sido mordido, foi um ferimento bem feio mas eu não queria ir para emergência, Mel fez o que pode para desinfetar o ferimento e envolveu meu braço com a gaze, eu tive febre e concussões durante a noite toda, na manhã seguinte antes de me levar ao hospital ela quis olhar o ferimento, desenrolou meu braço mas não tinha mais nada lá, só a cicatriz... na noite seguinte foi quando me transformei pela primeira vez. Disse Laurence, Rosemary e eu ouvíamos atentamente, ela olhando o mar... sua pele era tão branca quanto a areia cintilante.
-Eu vi às dezenas de ligações do celular de Mel e de todo mundo procurando por mim, peguei meu carro e sai correndo, enquanto dirigia o celular tocou de novo, era Mel mas quando atendi era a voz da mãe dela... assim que ouvi o que ela disse eu pisei no acelerador, dirigi ainda mais rápido do que pretendia, os policiais da cidade me conheciam e não me fizeram parar por causa da velocidade... eu parei na porta do hospital, só meu corpo saiu do carro, eu não sabia onde o resto tinha ido parar, eu rezava para que o sangue que estava em mim quando acordei no bosque não fosse dela... cheguei a UTI ela estava acordada, Mel tinha levado um tiro na barriga, não conseguiram salvar o bebê e ela também estava morrendo... disseram que meu cunhado tinha ido até minha casa, ouviram os gritos a noite e quando encontraram Mel caída no chão, viram que era grave e a levaram às pressas para o hospital, os policiais encontram os restos do meu cunhado a um quilômetro da cabana, pensaram que um urso o tinham matado, devorado vivo. Disse Laurence, os olhos brilhando de uma maneira ameaçadora mas infelizes.
-Eu fiquei ao lado da minha esposa durante suas últimas horas de vida segurando sua mão... os médicos disseram que pela extensão dos ferimentos da bala era para ela ter morrido na mesa de cirurgia de algum modo parecia que ela só estava me esperando chegar para se despedir. Disse Laurence, eu toquei seu ombro.
-Então a culpa não foi sua.
-Sim a culpa foi minha porque se eu estivesse lá... nada disso teria acontecido. Disse Laurence, parecia que nada no mundo o faria ver o contrário, eu suspirei... tem pessoas que tem uma capacidade de se culpar persistente.
-Matt... me deixe sozinha com seu mentor por um momento. Pediu Rosemary, eu assenti.
-Não vá muito longe. Disse Laurence sem me olhar quando levantei.
-Esta bem mamãe não vou chegar tarde. Zombei, vi um pequeno sorriso se formar em seus lábios... andando descalço pela areia, eu os deixei para trás e comecei a caminhar sem me importar até ver Samantha sair para andar com a garotinha de mãos dadas, o senhor encrenqueiro não estava com ela nem o Volga, decidi segui-la.

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