68: Salão dos Antigos

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Bella











       Durante o jantar com nossos ilustres convidados não comentamos sobre as perturbações sobre as quais temos passado, a conversa com o prefeito e a primeira dama se concentrou em política e em eventos benificentes dos quais a inauguração do estádio, adiada desde o final de Dezembro foi tema principal na conversa, seria dali a duas semanas se não houvesse mais atrasos e mais outro evento estava previsto para semana que vêm, a corrida beneficente para arrecadar fundos em prol da causa das crianças com câncer que não tinham condições para financiar o tratamento, o projeto era coordenado pela primeira dama e a corrida seria realizada no autódromo da propriedade, seria algo emocionante para os amantes de automobilismo, Adam se prontificou em ceder alguns dos seus exemplares mais potentes para o dia além de ter permitido que a corrida acontecesse ali.
-Tem certeza de que não haverá nenhum problema senhor Lichtenfels? Será um grande evento. Disse Elizabeth lisonjeada ainda sem palavras com a generosa oferta.
-De maneira alguma senhora primeira dama... minha esposa e eu gostaríamos de contribuir para com a causa.
-Quando o senhor me propôs algo diferente, sinceramente não esperava sua proposta, me pareceu interessante cogitar essa ideia, seria mais atraente do que uma velha e chata corrida de cavalos... tem certeza disso? Não falta muito para o evento, mas ainda é tempo de desistir. Conferiu a primeira dama, Adam sorriu ferozmente... ele também estava gostando da ideia.
-Sem dúvida alguma senhora, pelo que me foi dito a corrida teste foi muito bem, como o esperado.
-Ora por Deus depois disso o senhor ainda me chama de senhora? Por favor depois desse tempo todo gostaria que me chama-se de Elizabeth.
-Sim... Elizabeth estou certo de minha decisão.
-Formidável... nada como uma mudança radical para atrair mais olhares, uma mudança no script como o senhor propôs, não foi uma tarefa exorbitante conseguir os pilotos, alguns deles apoiaram a iniciativa logo de cara, fico contente de saber que a humanidade tem esperança, mas olhe que coincidência parece mentira Lincoln querido que nosso sobrinho seja justamente um piloto. Disse Elizabeth ao marido esfuziante.
-Uma mão lava a outra não é isso que dizem?. Perguntou o prefeito encantado com o brilho eufórico de sua esposa, brindando a todos com seu sorriso sonhador, ela olhou Adam imensamente agradecida.
-Não sabe o quanto agradeço senhor Lichtenfels, estamos muitos gratos pela sua colaboração e queria aproveitar para convidá-los para um coquetel de amanhã a noite em nossa casa para falar sobre a campanha, o senhor terá a oportunidade de conhecer os pilotos convocados para a competição, desde a mudança meu sobrinho se mostrou muito solícito em nos ajudar, foi ele quem convidou alguns de seus amigos a pedido meu, ele nunca diz não a uma mulher... bom precisamos do máximo o possível de publicidade e nessa parte ele vai ajudar também já que possui a fama, isso será bom para a campanha, incentiva as doações.
-Pode contar com nossa presença Elizabeth... sei que Adam é aspirante de corrida tanto quanto o senhor prefeito me parece interessado. Falei, o prefeito deu uma risada trovejante e Adam o acompanhou.
-Homens! Agem como meninos quando é um assunto que lhes interessa, riem como bebês a espera de um novo brinquedinho... o que será que o mercado irá lançar dessa vez? Carros voadores? Se for isso então devemos manter a garagem trancada e a chave debaixo do travesseiro minha querida Bella... antes que eles saíam como passarinhos por aí. Disse Elizabeth, todos rimos.
-Por falar em bebês a propósito senhora Lichtenfels soubemos da notícia de que a senhora está esperando um filho. Disse Elizabeth, eu levei o guardanapo em meu colo aos lábios e sorri.
-Oh céus! Eu sabia! Que Deus os abençoe! Fico muitíssima feliz por vocês, um filho! Que graça!.
-Nós também estamos muito felizes obrigada. Disse, Adam apertou minha mão com delicadeza e comemos saboreando a deliciosa culinária francesa de Pierre.
-Adam só agora percebo que nunca vimos seus pais por aqui por Half Moom. Disse o prefeito um tempo depois, não havia uma curiosidade real em seu semblante era apenas um comentário... mas com explicar isso? Ninguém sabia o que se passava debaixo do nosso teto ou o que corria pelas florestas nas redondezas durante a noite... lobisomens, um assunto não recomendável para si ter com humanos de fora da nossa realidade.
-Ah linc não seja indelicado. Repreendeu Elizabeth, olhei rosto de Adam esperando pela resposta também.
-Eles morreram a muito tempo. Disse ele apenas, aquilo encerraria toda e qualquer conversa sobre sua identidade e seu passado... pela maneira como foi dita, notas de uma tristeza antiga saíram em sua voz, eu apertei mais sua mão na minha oferecendo todo o apoio que ele precisava, o prefeito ficou ligeiramente envergonhado.
-Oh lamentamos muito. Disse Elizabeth com pesar, após o jantar nos dirigimos pelos belos aposentos da mansão até uma das magníficas salas de estar... Rosemary estava esperando lá com alguma coisa suspeita coberta por um lençol... a julgar pela forma ampla e quadrada, mais uma quadro?... se fosse era uma pintura bem grande, devia ter levado meses se ela se empenha-se no quadro com exclusividade ou anos para ser concluída se não tivesse tempo de se dedicar a ela.
-Por onde esteve? Porque não jantou conosco?. Perguntei, ela fez uma expressão de cansaço.
-Cuidando da surpresa ora... o acabamento que faltava era só a moldura, algo feito artesanalmente e sob medida leva tempo, eu levei a tela a um de meus amigos de confiança alguns meses atrás para fazer um entalhe perfeito nas bordas, eu nunca faço nada de qualquer jeito, até parece que vocês não me conhecem... fui buscar no correiro hoje a tarde, passei por uma tortura com a burocracia para conseguir retirar um bendito quadro que veio de um ateliê na Europa... lamento não ter comparecido ao jantar mas eu realmente não tive muito tempo hoje, acabei de chegar.
-Tudo bem Rosemary qual é a surpresa?. Perguntou Adam, Elizabeth e Lincoln estavam perceptivelmente curiosos, as expressões em expectativa depois do chilique de Rô... eles queriam ver em primeira mão uma obra da grande pintora de todos os tempos que era minha cunhada... ela segurou uma ponta do lençol.
-Preparados? Minha obra-prima. Disse ela puxando o pano de uma única vez... a pequena xícara de chá de ortelã que segurava caiu da minha mão e se espatifou no chão.
-Rosemary. Falei abalada seu nome enquanto olhava meu retrato estampado na pintura... o vestido de noiva, a calda o rosto da mulher que jazia ali corado,os lábios vermelhos, os olhos azuis brilhantes de felicidade... a riqueza detalhada do vestido e da calda, a tiara de brilhantes no alto da cabeça, meus olhos dançavam na tela, o quadro que ela prometera ao irmão foi concluído, ela nunca deixou ninguém vê-lo, o escondia no closet absurdamente imenso prometendo ferir fisicamente qualquer um que tentasse vê-lo... olhei para Adam não tinha como colocar em palavras a emoção na expressão do rosto daquele homem... ele também estava tão pasmo quanto eu mas eu sabia que havia mais... o dia do casamento tinha sido importante para ele, muito mais do que achava que seria possível, ele apertou minha cintura enquanto contemplava o quadro em silêncio e adoração e eu seu rosto.
-Pois bem então... agradecemos o jantar e a hospitalidade com que fomos recebidos... Rosemary poderia nos acompanhar até a porta? Acho que eles precisam curtir o momento como os jovens dizem. Disse a primeira dama saindo com sutileza com o prefeito e Rosemary.
-Pode chorar ninguém está olhando. Disse, ele quase sorriu mas a emoção ainda era forte quando olhou em meus olhos virando-me de frente para ele... de tirar o fôlego, foi assim que eu fiquei sem ar com seu olhar quente e profundamente feliz.
-Quero lhe mostrar uma coisa... me acompanhe por favor. Pediu ele, eu segurei sua mão e ele me levou pela casa até a ala Leste, uma área fora do meu caminho de circulação, acontecia que a casa era tão imensa, grandiosa e luxuosa que não me surpreenderia que houvessem lugares que nunca tinha entrado antes e isso porque eu morava nela a dois anos... simplesmente nunca vi necessidade em ir onde não era necessário estar, aquela parte da casa estava fora da minha rota mas era tão impecável quanto às demais alas, as criadas deveriam sofrer para manter aquilo em ordem. Adam parou a frente de duas portas portas grandes como a do salão de banquete e se virou para mim.
-Eu não venho muito aqui... desde que você chegou não precisei mais vir me trancar aqui... é o único lugar do mundo para onde escolhia ir quando a dor apertava meu peito. Disse ele, eu deslizei a mão por suas costas meu querido Príncipe e ele abriu a porta deixando-me entrar primeiro... haviam quadros ali, uma sucessão deles em uma sala gigantesca como um salão de exposição de obras de arte.
-Este é o Salão dos Antigos, todos os reis que governaram o Reino do Sul estão aqui, são meus antepassados... aqui busquei consolo, concelhos que nunca pude ouvir.
-Vinha muito aqui?. Perguntei enquanto avaliava os quadros, os homens eram imponentes, implacáveis, as mulheres suas esposas e rainhas tinham um ar mais suave, compreensível, amável.
-Eu não os conhecia... a maioria deles eram só histórias para mim, não tinha importância, seus rostos pouco significacavam para mim mas havia certo sentido nas histórias que meu avô me contara, sentando-me em seu colo, ouvindo-o falar sobre coisas como a vida, amor, destino... meu avô acreditava fielmente no amor... era tão diferente do meu pai que me falava de obrigações, minhas responsabilidades como príncipe herdeiro quando assumisse a coroa.
-Então o que o trazia aqui?. Perguntei, ele olhava a parede dos fundos do salão onde haviam quatro quadros expostos do tamanho provável do meu, um ao lado do outro e uma espaço vazio sobrando.
-Ela está lá. Disse ele, olhei seu rosto, seus olhos carregavam aflição e afeto... algo puro quase ingênuo e doce surgiu em seu rosto enquanto ele fitava aqueles quadros no fundo do salão... ele me olhou e estendeu a mão para mim, me guiou pela sala comprida, paramos bem enfrente ao quadro de uma mulher de olhos negros que contrastava com a pele clara, o cabelo de um tom avermelhado escuro, havia um homem a seu lado, ele era louro e muito belo, o cabelo escorria em cachos até os ombros, os olhos azuis expressivos, a mulher e o homem tinham coroas eram rei e rainha, e ao lado destes tinham os quadros de um príncipe, o primogênito era Adam ao lado dele havia o espaço vazio na parede que compelia a sua esposa ocupa-lo, por isso ele queria tanto um quadro meu... não era uma obrigação era meu destino ocupar o lugar a seu lado, meu lugar era ao lado dele para sempre... e depois do espaço vazio o quadro da princesa Rosemary mais parecida com o pai e linda como ele, o mesmo fulgor nos olhos...
     Eu me voltei ao primeiro quadro, a rainha, aquela era a mãe de Adam, os dois eram iguaizinhos, Adam tinha poucos traços do pai mas o resto era da mãe, a princesa era a cara do pai, Adam olhava o rosto da mãe em silêncio.
-Só ela foi capaz de me compreender quando meu avô se foi, ela enxergava em mim o que mais ninguém enxergava na época. Disse ele, eu beijei seu braço que eu abraçava.
-Errado... sei exatamente o que ela via em você. Disse, ele sorriu e segurou meu rosto, me beijou com desejo e paixão, seus lábios possuindo os meus sem resistência, um gemido de prazer escapou de seus lábios em minha boca e ele se afastou sem fôlego como eu.
-Sim... não devo deixá-la de lado já que você foi responsável por isso... você me mudou Bella, me trouxe para fora de mim, minha mãe me deu minha vida e você a devolveu quando não a tive mais por um bom tempo, você é minha alma, o lugar a meu lado só pertence a você para todo o sempre e a mais ninguém, sempre acharemos uma forma de ficar juntos. Disse ele, Adam tornou a olhar o quadro da rainha.
-Quando sentia que não tinha mais para onde ir, eu vinha vê-la... ela sempre soube o que dizer quando eu não sabia mais o que fazer com a minha vida... sem você. Disse ele olhando mais uma vez para mim e depois para ela, eu acaricei seu peito onde minhas mãos estavam observando e ouvindo ela falar de suas lembranças, tentando imaginar um passado ao qual pertenci, pertenço a ele desde sempre, ao lado do meu eterno amor.
-Às vezes eu me sentava a frente do quadro dela durante a noite, olhar seu rosto me trazia paz e sabedoria para enfrentar outro dia... meu pai nunca soube inserir isso em mim, paz... eu me acostumei a esperar o pior quando me aproximava dele, ele só me dizia o que eu devia fazer, fazia questão de me lembrar todas às vezes que o via... acatar ordens para alguém imaturo e soberbo como eu era, não me fazia nada feliz por isso nossos embates eram constantes... mas com minha mãe nunca foi assim, estar com ela era como respirar, muito diferente de como eu me sentia com meu pai, convivendo privado de oxigênio e liberdade para dizer o que eu sentia... ele tentava me mostrar a direção mas nunca me preocupei em sinceramente ouvi-lo, nossos atritos teriam sido menos intensos se eu tivesse escutado... mas quando vi já era tarde demais. Disse Adam fitando o quadro do pai com amargura e tornando a olhar a rainha.
-Quando Rô me mostrou seu quadro soube exatamente como meu pai se sentia quando o pegava olhando para o quadro dela quando minha mãe saía... ele não conseguia viver sem ela, a amava ao ponto de venera-la de joelhos como os homens fazem com os deuses. Disse ele ajoelhando aos meus pés, eu ri.
-Acho que vocês não são tão diferentes assim um do outro. Disse, ele beijou minhas mãos.
-Se pensa que não vou adora-la só porque estamos casados engana-se... mas é assim com todos os outros aqui presentes, quando os homens da nossa família amam é para sempre... eram o tipo de homens que erguiam estátuas, templos de adoração em nome de suas amadas. Disse Adam, eu não sabia se ele falava sério ou estava brincando.
-Adam Varsot Varig Lucent Lichtenfels eu não quero esbarrar com uma réplica absurda de mim no Jardim. Disse, ele riu enquanto beijava minhas mãos.
-Logo agora que eu pensava em construir um Taj Mahal em Half Moom em sua homenagem. Disse ele, eu o fitei incrédula.
-Você não faria isso.
-Ainda sim os homens da nossa família amam suas esposas eterna e veementemente. Disse ele, tentei ser sarcástica.
-Que alívio... então eu não tenho com que me preocupar.
-Se quiser que eu prove...
-Não! Não... levanta daí. Falei em pânico, ele riu e levantou.
-Sim senhora.
-Você pareceu lidar muito bem com o prefeito quando ele perguntou sobre seus pais... fico me perguntando o que você faria se ele fizesse mais perguntas? Se o assunto se aprofunda-se?. Perguntei mudando o rumo da conversa antes que ficasse estranho... estátuas erguidas de mim? Que ideia abominável.
      Eu sabia que Adam não mentia, era um voto que fizera a si mesmo dentre outras após minha morte a tantos séculos... como uma promessa para que eu voltasse.
-Aí eu estaria perdido.
-O que faria? Contaria uma mentira?
-Nesses momentos geralmente é Rosemary que intervém... ela tem um texto pronto para ser declamado. Disse ele, Ah é ao contrário dele a irmã mentia com toda a liberdade de não se sentir culpada depois... apesar de nunca ter ouvido uma mentira escapar de seus lábios, mas que ela parecia adorar esconder coisas de mim por outro lado como Matt estar vivo, isso ela fazia sem qualquer cerimônia.
-E se ela não estivesse por perto?
-Eu não iria mentir mas a maneira de interpretação dos ouvintes com meu modo de contar as coisas seria perfeitamente normal... eu não conhecia meus pais por rei e rainha, mas por meus pais, pai e mãe... assim como os outros antes deles tia, tio, irmã, vovô... não eram Duque, duquesa, princesa e rei para mim... para mim ainda seria a verdade por que é verdade. Disse ele, sua linha de raciocínio não se distinguia da minha com relação a meus pais médicos, cardiologista e pediatra, seus títulos de doutores eram ignorados por mim porque eles eram só meus pais.
-Você omitiria os títulos é isso?
-Inconscientemente sim... eles são minha família apesar de ser uma família real, não os conheço de outra forma.
-Acho que eu também veria dessa forma.
-São uma família como qualquer outra meu amor... não muda nada... eles sempre estarão comigo, gosto de tê-los perto de mim, são minhas raízes, eu procuro transferir a coleção sempre que me mudo. Disse ele, Ah outro assunto que deveria ser discutido, em breve teríamos que nos mudar de cidade ou pais, eles não podem ficar muito tempo em um mesmo lugar porque não podem envelhecer naturalmente como uma pessoa qualquer, mas eu não pretendia discutir sobre esse determinado assunto, não agora... ele comentaria assim que fosse chegada a hora de partir.
-E como eles acharam a Ilha?. Perguntei, a pergunta que não quer calar, ele olhou o salão a nosso redor.
-Eram descendentes de ingleses, a tanto tempo que não sei com precisão quando século XII ou XIV ou até antes disso, um rei e seus nobres de um pequeno reino onde hoje é a Inglaterra foram banidos de sua terra natal por um monarca cuja ganância insana almejava seu trono... eles conseguiram achar a Ilha e lá construíram um reino com seus súditos mais fiéis, alguns nobres se mudaram para as Ilhas adjacentes e fizeram delas seus reinos, todos eram amigos, os reinos eram prósperos mas as próximas gerações não honraram essa amizade e as relações com os outros dois reinos foram rompidas mas havia o tratado de paz e alguns acordos de interesse mútuo.
-E como era as relações entre o Norte e o Sul?. Perguntei, esse era o X da questão, o mistério para mim... o Reino do Norte, o lar da criatura maligna que me perseguia, o Príncipe Sombrio, em suas terras minha reencarnação viveu com os meus pais do passado, lá na terra infértil onde passara por privações ele me conheceu... se ele não tivesse posto os olhos em mim eu teria me casado, vivido e morrido ao lado de Adam... porque a obsessão? Porque o empenho louco de procurar por mim? O que eu tinha de especial? Seja qual o motivo de seu interesse por mim, eu teria que passar a minha vida inteira com medo de que algum dia uma visita sombria daria fim ao sonho, minha vida ao lado de Adam e nossos filhos... viver com medo, não é algo que me atrai, mas não há nada que eu possa fazer para evitar isso.
-Nunca vimos o monarca daquele Reino, não tinha um rei, todos o tratavam por Príncipe... O Príncipe Sombrio... nunca soubemos de seus pais mas havia a corte, eram muito reservados desde a chegada dos meus ancestrais a Ilha, eles sabiam que havia algo errado, sombrio, que vivia naquelas terras mas o assunto nunca se aprofundava, temiam o poder que o senhor daquelas terra poderia ter... houve a delimitação dos limites entre os dois reinos e depois mais nada, eles não estavam interessados em trigo, leite e qualquer outra coisa que pudéssemos chegar a negociar com eles... eles não faziam o cultivo em grande escala, isso meus antepassados perceberam... o que era cultivado era apenas para a subsistência dos aldeões que viviam na cidade que rodeava o castelo mas mesmo assim era insuficiente, muitos dos residentes do Norte vinham escondidos ao comércio de nosso Reino em busca de comida, alguns em um estado de desnutrição lastimável. Disse Adam infausto... pobre gente, podia imaginar seu sofrimento.
-Porque eles queriam súditos se não comiam...?
-É como um pastor e seu rebanho de ovelhas... ele as cria para sua sobrevivência. Disse ele olhando em meus olhos inexpressivo fazendo-me parar, meu Deus.
-O que sabíamos era que eles não saíam muito nunca vimos seus rostos... mas os boatos diziam que eles estavam na Ilha a muitos séculos e desde esse tempo com a mesma aparência... eles não envelheceram... para manter uma corte de imortais seria necessário criar o próprio alimento Bella, eles não consomem comida, não são humanos, mas dependem de sangue humano para sobreviver... imagine o terror, uma criatura invadir sua casa na calada da noite em busca de um provedor, não sei como seus pais conseguiram passar pelas rondas por tanto tempo. Disse ele tocando meu rosto, senti minha testa franzir.
-Como assim?
-Maurice e Odete, seus pais escondiam você no celeiro com os porcos quando a comissão vinham até vocês, sangue era o pagamento para que sua família pudesse viver e desfrutar da terra... cada família tinha sua quota a cumprir, mas ninguém nunca soube que os Maquiavéll tiveram uma terceira filha, a casa em que moravam era afastada da cidade, na floresta escura distante do mal... assim que adquirisse a idade ideal para contribuir viriam buscá-la para morar no castelo e seus pais não queriam isso porque a amavam demais sabiam o que aconteceria se você fosse levada como suas irmãs foram, eles viam como elas ficavam apáticas e mentalmente desequilibradas como se estivessem em transe, em outro mundo... era assim que os escravos de sangue ficavam ao voltar para casa para se recuperar da tarefa de alimentar seus senhores. Disse Adam, eu mal podia ver seu rosto.
-Não fique assim... não chore.
-Mas eles ainda estão lá? Na Ilha?. Perguntei quase sem voz, mas a resposta era óbvia, lobisomens e vampiros eram inimigos mortais e as Ilhas haviam sido ocupadas por lobisomens, não havia possibilidade de coexistência.
-Não... lobisomens e vampiros por mais que a Ilha seja vasta em suas terras... a ideia de coexistir no mesmo ambiente que eles é repulsiva, desde os tempos negros que se sucederam ao fim da sangrenta guerra, a corte partiu da Ilha... desapareceram sem deixar pistas... eu mandei investigadores por toda a parte do mundo a fora desde as terras frias do ártico até os confins do mundo eles foram caçados, queria saber seu paradeiro mas ninguém nunca encontrou nada, simplesmente sumiram como se eles não estivessem nesse mundo. Disse Adam, ele sempre ficava mais sombrio ao tocar nesse assunto, isso me dava medo, o que ele poderia fazer se se encontrassem novamente, sobretudo o que iria acontecer de catastrófico se houvesse um novo enfrentamento, um confronto mortal do qual Adam poderia se ferir, mas o quanto? A que preço? Porque o senhor misterioso simplesmente não me deixava em paz para sempre?
-Ninguém some assim do mapa... talvez eles tenham morrido, alguém pode tê-los encontrado e...
-Eles ainda estão lá Bella, eu sei que ele a procura... a muito tempo meu caminho se cruzou com um deles, não exatamente ligada a organização, a corte, mas esse vampiro me informou que um vidente profetizou sua chegada... ele a vem procurando desde então mandando seus súditos como sentinelas ao redor do mundo para saber onde você está... quando encontramos com um deles, não foi difícil pegá-lo estávamos em grupo e o apanhamos sem problemas.
-E ele contou tudo a você voluntariamente. Disse achando a ideia ridícula.
-Não, o fizemos falar. Disse ele, o olhei intensamente.
-Sob tortura.
-Não sabíamos quanto tempo é claro ele poderia resistir a sede... mas eu não queria matá-lo, só queria respostas.
-Vocês o deixaram passar fome?. Perguntei, eu não sabia o que era pior o torturado ou Adam e seus irmãos, os torturadores.
-Era o melhor método de tortura já que eles não sentem dor.
-O que? Como é possível alguém não sentir dor?. Perguntei, a cada instante que fazia uma pergunta parecia ficar mais perturbador.
-Mortos não sentem dor Bella, não sentem nada.
-E depois o que ele disse? Conseguiu o que queria?. Perguntei incrédula.
-Depois de esperar pacientemente uma década ele começou a implorar que déssemos sangue a ele.
-Uma década?. Perguntei, vampiros podiam ficar uma década sem... eu não me permiti completar o pensamento terrível depois do que Adam me contou sobre minha família.
-Ele não é um ser humano... seu corpo pode resistir a fome por um tempo, mas depois eles começam a secar como uma planta carnívora sem água e sem insetos para sobreviver.
-Eu não sei se eu gosto de saber que o senhor esteve envolvido nisso... torturar, fazer as pessoas sofrerem dessa forma.
-Ele não era humano Bella. Disse Adam meio ressentido, eu o fitei impassível... somente Deus tinha o dereito de punir seus filhos come bem entendesse.
-Mas um dia foi... fazer isso por mais que fosse um demônio assassino isso não o torna pior que ele?
-Já sei... você não aprova isso.
-Não, não aprovo... o que fizeram com ele?
-Se ele fosse libertado ele mataria dez vezes mais para compensar o período de abstinência Bella.
-O que fizeram Adam?. Insisti, ele sabia que eu não iria perguntar novamente, Adam sorriu, eu o olhei incrédula.
-Foi ideia de Nicolay alimenta-lo com sangue de animais... ele ficou feliz, muito agradecido.
-E depois?
-Fizemos bolsas de couro com ele. Disse ele, um canto de seu lábio se contorceu.
-Adam!
-Foi uma piada Bella... ele não nos atacou, não havia motivo para continuar mantendo-o encarcerado já que os dez anos o serviram de lição, ele foi libertado... eu não permitiria que o matassem apesar de meus irmãos terem sugerido muito isso. Disse ele muito sério.
-Eu não quero mais ouvir que você fez uma coisa dessas novamente.
-Eu não tenho porque fazer isso de novo. Disse ele acariciando meu rosto, o olhar sedutor surtindo o mesmo efeito de sempre em mim... pegando minha mão, fomos juntos para nosso quarto.
-Mesmo se tivesse... não é seu dever castigar alguém, fazer justiça e se vingar são duas coisas completamente diferentes.
-Também sei disso.
-Você acreditou no que ele disse? Que eu um dia voltaria?. Perguntei, vi uma dor amarga muito vaga em seus olhos ao se lembrar do passado.
-Não acreditava que uma alma pudesse reencarnar... mas fiquei estremecido com a profecia por um tempo até esquecer... ter esperança na época era mais doloroso do que não tê-la.
-E se um dia ele vier mesmo me buscar?. Perguntei com aflição sofrendo com um futuro que poderia não existir mas que tinha todas as possibilidades de acontecer... é para onde as linhas do destino convergiam, a cada dia eu completava mais um caminho, mas uma volta no relógio, entrando cada vez mais na escuridão.
-Tenho que lutar por você a cada dia e não seria diferente se fosse preciso... você é minha esposa e por você enfrentaria quem fosse.
-Não sei se gostaria de vê-lo em perigo.
-Nem eu a você.
-Isso me dá medo Adam. Falei em seu peito, o medo real de perde-lo como se eu tivesse que pagar de algum modo todos os séculos da dor que ele sentiu... se eu o perdesse por uma eternidade como ele perdeu a mim por um quase sempre, eu pagaria com a mesma moeda, cada culpa, cada morte do passado e do presente, cada um dos meus pecados seriam pagos se ele fosse arrancado de mim... se eu o perdesse minha vida não valeria de nada, não teria qualquer sentido, eu apenas continuaria pelo nosso filho mas não viraria a página daquela história jamais, porque a nossa história era toda uma vida se não mais do que isso.
-Não tenha medo.
-Pensar em você machucado, em perder você... me dá angústia.
-Nada vai me acontecer Bella não é comigo que tem de se preocupar mas com a vida do nosso filho que carrega dentro de si... e eu não vou deixar você ir embora como da última vez. Disse Adam, ele não parecia medir o perigo como eu, ele era imortal mas não significava que não poderia ser ferido gravemente ou até morrer, eu podia sentir seu coração bater forte em seu peito... se ele fosse atingido ali, estaria tudo acabado...
-Adam...
-Shh nada disso vai acontecer, não se preocupe, eu não vou deixar. Disse ele envolvendo meu corpo com o seu debaixo dos lençóis... pele contra pele, pousei minhas mãos em seus braços ao meu redor, afastei da minha mente àquele pensamento torturante, o lado sombrio e nefasto de uma vida sem ele... um pesadelo.
-Descobriram algo sobre quem entrou no nosso quarto para fazer aquilo?. Perguntou lembrando do incidente com um terror renovado
-O relatório da perícia sairá amanhã de manhã, Nicolay vai me ligar assim que tiver alguma resposta... agora que sabemos que é uma mulher e que ela trabalha aqui... isso é alguma coisa. Disse ele beijando meu ombro, afastando o cabelo do meu pescoço com os dedos lentamente correndo os lábios por ali.
-Então se convenceu de que Rose estava certa. Falei puxando sua mão em meu ombro para meus lábios, esperei pela resposta mas ele não respondeu.
-Adam?. Chamei virando-me para ele fitando seus olhos brilhantes cor de carvão... escuros como o céu noturno, um céu sem lua, iluminado apenas pelo brilho das estrelas... sua expressão estava diferente, como se soubesse de algo... mas não quisesse contar... afaguei seu rosto afastando o cabelo de seu rosto para vê-lo melhor.
-Tem alguma coisa incomodando você... o que foi?. Perguntei, ele balançou a cabeça com aflição fechando os olhos e pousando a testa na minha depois de um tempo seus lábios doces roçaram suavemente os meus beijando-me, uma de suas mãos envolveu meu cabelo e o beijo leve se desfez em algo mais intenso e profundo, meus lábios se separaram para recebê-lo, dando tudo o que eu podia dar, o conforto de que precisava, amando-o... um beijo desesperado e ardente que se dissipou em um gemido angustiante que escapou de seus lábios.
-Adam? O que foi amor? O que você tem?. Perguntei correndo os dedos por seu rosto adorado, sua angústia me afligia... eu polegar afagou meu lábio inferior.
-Não sei o que eu faria se a perdesse... eu sei o que é viver sem você, durante cinco séculos conheci essa dor, foi muito mais do que uma vida inteira, do que qualquer um suportaria, não desejo revive-la outra vez... simplesmente seria pior para mim dessa vez porque a dor seria muito mais forte do que um dia cheguei a sentir. Murmurou ele, a dor amarga de seu sofrimento me enchiam de tristeza... sua dor era uma espécie de tortura para mim, podia sentir sua angústia, seu medo pois refletiam meus medos mais profundos. Puxei seu rosto para meu peito embalando-o em meus braços enterrando os dedos em seu cabelo liso e macio.
-Isso não vai acontecer. Disse, consegui imprimir convicção em minha voz embora não conseguisse sentir essa certeza dentro de mim... seria um sexto sentido?
-Me perdoe por não conseguir mantê-la segura, nem na nossa própria casa... me sinto pessoalmente péssimo com isso, vergonhosamente culpado.
-Pensei que fosse eu a que se sentia culpada e você quem consola. Ri fracamente suspirando.
-Estou sendo chorão, não estou?
-Nada que não possa ser resolvido com amor... não se culpe querido, pronto, passou. Disse beijando sua cabeça e acariciando seu lindo cabelo... ele riu em meu peito.
-Pode me dizer o que foi que o deixou magoado assim?
-Algo que Rosemary me disse mas não quero falar sobre isso agora, está tarde... esse foi um dia muito longo e cansativo, amanhã tenho uma reunião com os arquitetos e engenheiros da WMC e ainda temos o coquetel na casa de Elizabeth e Lincoln... e talvez liberem a suíte máster amanhã e poderemos voltar ao nosso quarto se quiser. Disse ele fazendo-me esquecer do tema principal da conversa... o que Rosemary teria dito a Adam para deixá-lo daquela forma?
-Eu gosto da suíte sénior. Disse dando de ombros olhando o teto pintado de crianças-anjos com suas asinhas, a auréola, os rostos de bebês envolto de cachos dourados e olhos azuis... como Emma, como meu filho embora ele não fosse louro... virando para Adam me acomodei mais peito inspirando seu cheiro... não sabia que estava tão cansada assim.
-Por causa dos anjos?. Perguntou ele envolvendo-me em seus braços, em seu calor... roçei o nariz em seu peito levemente ouvindo seu coração bater, minha canção de ninar que me conduzia cada... vez... mais...
-Também mas gosto mais do céu.
-Por isso gosta tanto de se deitar lá fora ao ar livre. Riu ele, um som delicioso de se ouvir, senti seus lábios na altura da minha cabeça, suaves como uma pena.
-Porque gosta tanto?. Perguntou, ele se mexeu movendo-se para baixo na cama, deitei minha cabeça em seu braço, seu rosto colado ao meu, mantive os olhos fechados ouvindo e sentindo sua respiração quente em minha pele, em meu rosto.
-Às vezes, nos sonhos, estou voando rápido entre nuvens de um céu alaranjado ao pôr sol... gosto da liberdade que isso dá quando não me sinto coagida pelo medo de que alguém me persegue... e nas vezes que estou caindo do alto da tanto medo, a queda é vazia... em um momento me sinto livre e no outro não sei... nunca vou mais adiante, são um daqueles sonhos que não tem fim, não faz sentido... sempre a mesma coisa, tudo se repete, nunca sei como termina, nunca cheguei até o final... mas gosto desse sonho. Sussurrei aninhando-me em seu pescoço.
-Se dá tanto medo... não entendo porque você gosta desse sonho em particular. Disse ele, eu suspirei preguiçosamente achando difícil demais continuar acordada quando por fim decidi ceder ao apelo do sono e sussurrei uma resposta vaga da qual sabia que não me lembraria no dia seguinte... mas dizia algo, tinha um significado que não era claro.
-É por que gosto de voar...

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