Bella
Eu olhava Derek parado ao lado da porta do estúdio olhando o movimento pela parede envidraçada do corredor do ateliê de Ivy com a expressão impassível enquanto Sol a recepcionista tirava as medidas de Branca, ele parecia não estar prestando atenção a nós tinha o olhar contemplativo atento a rua, mas tive a sensação de que ele estava mais atento do que deixava transparecer, parecia estar ciente de tudo a sua volta, ao menor movimento... a xícara fervente de chá de camomila acabou virando na blusa fina que eu estava usando...
-Ai!. Reclamei quando o líquido perpassou o tecido fino e queimou minha pele, seus olhos viraram no mesmo instante para mim.
-Algum problema senhora?. Perguntou Branca preocupada, eu me leventei passando o guardanapo na blusa.
-Me queimei com o chá mas estou bem. Assegurei a Branca que estava em cima do banquinho tirando as medidas, Derek assentiu e voltou a fitar a rua.
-Eu preciso me limpar... Sol onde fica o toalete?. Perguntei, Sol estava sendo treinada por Ivy para ser estilista, ela tirava as medidas de Branca com a fita métrica. Ivy havia desaparecido dentro de uma sala adjacente parecido com um closet onde guardava tecidos, encomendas, utensílios de costura, suas criações, o centro do seu universo era ali naquela sala como ela me disse certa vez.
-Fica no fim do corredor senhora. Disse Sol sempre com um sorriso radiante no rosto de porcelana, eu peguei a bolsa e atravessei o pequeno corredor.
A porta estava aberta, eu podia vê-lo parado ao lado pelo espelho.
-Ainda bem que não foi café e sim chá... essa é minha blusa favorita, você também esteve na Ilha senhor Volga?. Perguntei, ele não se virou para mim enquanto passava o papel toalha na blusa mas assentiu.
-Quanto tempo ficou por lá?
-Alguns meses. Respondeu ele, eu assenti olhando seu reflexo depois balancei a cabeça me sentido inconveniente ao tentar obter informações sobre sua pessoa... isso não foi educado.
Me concentrei na blusa, não tinha muito o que fazer era só água quente, sentia a irritação em minha pele, não houve mancha na blusa mas cheirava a camomila... lavei as mãos e sequei descartando o papel toalha na lixeira de alumínio, peguei a bolsa e sai, comecei a andar distraída de volta a sala olhando a bolsa procurando meu celular que tocava quando senti uma mão em meu braço... os dedos me pressionando a parar.
-O que? O que houve?. Perguntei, olhei seu rosto alerta, concentrado, suas narinas inflarem como sentisse algum cheiro desagradável quando ele puxou meu braço e me conduziu de volta ao banheiro apressadamente, eu ainda o encarava sem entender quando ele fechou a porta, veio até mim e me envolveu com os braços como se algo fosse acontecer... seu corpo formando uma barreira entre mim e a porta, o fitei desnorteada foi tudo tão rápido, um segundo atrás eu estava no corredor mas a pergunta e o pânico estavam bem estampados em meu rosto.
-Fumaça. Respondeu ele olhando em meus olhos, assim que ele terminou de pronunciar a palavra houve uma explosão, a porta do banheiro tremeu com o estrondo, a fumaça começou a entrar pela fresta abaixo da porta, densa e escura houveram gritos de terror vindos do lado de fora... fiquei momentaneamente desorientada recuperando-me do choque quando comecei a tossir no cômodo abafado do pequeno banheiro, a fumaça tinha se transformado em uma neblina densa que invadiu o toalete com grande rapidez, Derek tirou o casaco e entregou a mim, eu o segurei levando ao rosto cobrindo o nariz e a boca, ele abriu a porta em um movimento ágil e logo eu estava em seus braços, o banheiro foi inundado por uma cortina impermeável de fumaça escura que ardia em meus olhos e em minhas vias respiratórias, ardendo como pimenta, eu sabia que a dez metros de nós estava a sala de madame Lenine, Branca, Sol e Ivy estavam lá e o fogo vinha de lá.
Eu podia sentir o calor, tentei dizer isso a ele enquanto tossia em desespero mas tudo foi tão rápido, ele estava me tirando do local, Derek pegou a escada ampla até a recepção carregando-me nos braços fiquei impressionada com a rapidez com que a fumaça tinha se espalhado pelo térreo, tomando conta do primeiro piso, pessoas ainda corriam para fora, assustadas aos gritos... eu tentei falar novamente enquanto ele me carregava para fora do prédio, Carl estava na calçada do outro lado olhando o prédio assustado, seu alivio foi claro quando ele me viu, correu em nossa direção... havia vidro na rua, algumas mulheres estavam sentadas na calçada tossindo e chorando, tirando o blazer do rosto tomei fôlego com o ar límpido e puro da rua.
-Branca ainda está lá! Elas ainda estão lá dentro!. Gritei quando ele me colocou no banco do carro.
-Meu Deus! Carl! Branca ainda está lá!. Gritei saindo do carro ainda tossindo, Derek me segurou.
-Ajudem elas! Elas ainda estão lá dentro!. Falei em pânico vendo o fogo sair da janela do escritório de Ivy, meu coração estava na boca, saltando com o susto e a angústia.
-O protocolo diz que não posso deixá-la em hipótese alguma senhora... a ambulância e os bombeiros foram chamados e as pessoas estão ajudando. Disse Derek, Carl e alguns homens do restaurante e do café ao lado correram para dentro do prédio, instantes depois os bombeiros e a ambulância chegaram, vi Branca sair nos braços de Carl e ser colocada em uma maca desacordada, sangue escorria em seu rosto delicado, Derek permitiu que eu aproximasse alguns metros ficando a meu lado como uma sombra enquanto falava ao telefone.
Os paramédicos ergueram a maca e a colocaram rapidamente no oxigênio.
-Seu marido quer que a senhora volte para casa. Disse Derek, eu olhei Carl, ele me parecia bem.
-Carl pode acompanhá-la?
-Sim senhora. Disse ele subindo na ambulância o rosto sem se desviar das feições sujas de cinzas de Branca.
-Me mantenha informada e não a deixe sozinha por favor. Pedi, ele assentiu e a ambulância partiu. Logo em seguida vi Sol sair na outra ambulância ela parecia pior do que Branca, haviam queimaduras em suas pernas mas e madame Lenine? Onde está Ivy? Eu ainda não a tinha visto... Derek segurou meu braço quando cheguei perto demais da calçada, os bombeiros tentavam controlar o fogo, a área tinha sido isolada, pessoas se amontoavam na rua para ver o que acontecia, era o caos.
-Senhora? Precisamos ir. Disse ele, eu o olhei.
-Mas e Ivy? Eu não vi a madame Lenine sair Derek... eu preciso ver se ela está bem. Falei, voltei a fitar as janelas... cinzas ainda acesas caíam em uma chuva faiscante enquanto os bombeiros tentavam controlar o incêndio com uma mangueira ligada a um hidrante, o fogo havia se alastrado de uma maneira incontrolável, logo se viam labaredas incandescentes saindo das janelas da sala de Ivy, a água não parecia fazer efeito sobre as chamas, a parede de vidro do corredor começou a estremecer, vi algo estranho emanar de lá... algo como ondas de calor como quando se via tremular sobre o asfalto em um dia de sol escaldante, um equivalente a isso estremecia na superfie fina de vidro da parede... Derek entrou no meu caminho.
-Cuidado!. Gritou alguém, outra explosão mais forte veio dessa vez com um estrondo, mais gritos, estilhaços de vidro caíram sobre nós... Ivy ainda estava lá dentro, o prédio estava sendo consumido pelas chamas e ela estava lá dentro, porque ela ainda não foi retirada? Meu Deus...
Eu queria olhar, estava ciente de Derek a minha frente como um escudo humano, os braços a meu redor... eu espiei colocando a cabeça para fora da proteção de seu peito, o terror e a aflição haviam me entorpecido, onde está Ivy?Os bombeiros retiram os passantes que tinham decidiram ajudar, alguns tropeçaram para fora procurando sorver ar tossindo asfixiados pela fumaça, mas nada de Ivy... quando me virei para a porta a fumaça densa saindo ininterruptamente, dois homens de máscaras saíram de carregando um companheiro que havia sido ferido e uma mulher na sequência... minhas pernas fraquejaram, deslizei dos braços de Derek, meus joelhos dobraram e tocaram o asfalto enquanto olhava seu rosto irreconhecível, pude reconhece-la pelo conjunto de pérolas que usava que o marido a presenteou no décimo quinto aniversário de casamento... aquela era Ivy Susan Lenine.
-Senhora? Tudo bem vamos. Ouvi Derek murmurar, sua voz mais um som que pude registrar, perdida como estava na cena e no momento, no barulho e agitação... senti quando ele me pegou nos braços e me colocou no carro passando o cinto de segurança, eu fiquei em transe durante o caminho pensando em Ivy, as roupas quase completamente incineradas, a pele exposta na carne viva...
Olhei quando chegamos a mansão enquanto tremia em meio a soluços secos abraçando-me, a imagem de Ivy fresca e dolorosa em minha mente, Derek me pegou novamente nos braços.
-O que houve? Ela está bem? Amor?. Chamou Adam alarmado... sua voz era tudo o que eu precisa ouvir para que enfim a represa estoura-se e as lágrimas começassem a chover de meus olhos, ele me pegou nos braços.
-Ela está bem, só está assustada... a senhora Lichtenfels acabou vendo a modista, seu estado era mais grave do que o das outras damas. Explicou Derek, eu me agarrei ao pescoço de Adam chorando.
-Obrigado por cuidar dela Derek, eu assumo daqui... está dispensado por hoje pode ir para casa, amanhã passe em minha sala quero saber exatamente o que aconteceu.
-Sim senhor. Disse Derek, eu ainda estava encolhida ao peito de Adam, ele me levava para algum lugar.
-Bella?. Chamou ele, senti seus lábios aliviados e ansiosos em meu cabelo, ele sussurrava um agradecimento a Deus, reparei através da torrente quando entramos em nosso quarto, ele me colocou na cama e segurou meu rosto entre as mãos, acariciando as maçãs com os polegares tentando me acalmar entoando que estava tudo bem, consolando-me mas eu não conseguia parar... segurei suas mãos em meu rosto olhando seu rosto através das lágrimas, olhando seus olhos encontrando pouco a pouco a paz, absorvendo seu amor, ficamos em silêncio por um instante roçando meu nariz no dele recebendo seu consolo e carinho até que meus soluços de angústia silenciaram em meu peito.
-Quer que eu chame o médico? Você está mesmo bem?.
-Estou mas... elas... Ah Adam... Ivy, ela estava tão mal... o rosto... o rosto dela. Sufoquei um soluço de agonia em seu peito, minha voz tremia, eu estava tremendo.
-Shh tudo bem, tudo bem meu amor, minha vida, está tudo bem agora... não diga mais nada, não quero que pense mais nisso, nós faremos o que puder por ela, ela vai se recuperar. Disse ele, eu assenti e o abracei mais forte, Adam ficou comigo até que eu me acalma-se e acabei pegando no sono, consumida pela tristeza. Não foi um sono profundo, não sabia como tinha conseguido me desligar depois das imagens terríveis que presenciara, flutuando na névoa entorpecida, a deriva eu ouvi quando alguém bateu a porta, senti quando ele se afastou e saiu da cama, ouvi a conversa.
-Senhor?. Perguntou alguém, era Tobey.
-Sim Tobey... o que foi?
-Acabamos de receber mais informações sobre o estado de saúde das vítimas. Disse ele, isso me ajudou a sair de vez da semiconsciência.
-E como elas estão?
-Branca e a outra garota... Sol, estão bem, fora de perigo, o médico acabou de confirmar que elas terão alta amanhã de manhã.
-E Ivy Lenine?. Perguntou Adam, meu corpo paralisou completamente ao ouvir o nome de Ivy, apertei o travesseiro.
-A estilista não sobreviveu aos ferimentos e faleceu a caminho do hospital... mas tem mais uma coisa senhor. Disse Tobey, lágrimas queimaram em meus olhos e caíram como uma chuva silenciosa, apertei o rosto no travesseiro, engolindo grito... no fundo eu sabia disso, quando vi como ela ficou, ninguém sobreviveria aquele grau de queimaduras... Oh Deus, PORQUE...? Parece castigo, uma maldição.
-O que é?
-Acabamos de receber a informação de que... ao que parece o incêndio no ateliê de madame Lenine foi criminoso senhor. Disse Tobey, eu tremi com isso e mais lágrimas desceram de meus olhos... por favor de novo não! Não por minha causa!.
-Descubram como, quem foi e porque... eu quero saber isso já, agora!. Disse Adam, a fúria incontida no tom de sua voz.
-Sim senhor. Disse Tobey, ouvi a porta ser fechada, depois senti a mão de Adam em minha cintura... ele afastou o cabelo do meu rosto, eu me virei... ele ficou assustado, ele não sabia o que dizer, vi em seus olhos...
-Pensei que estivesse dormindo... me desculpe Bella, você não precisava ter ouvido isso, sinto muito... não sabemos ainda quem...
-Foi a mesma pessoa que tentou a mesma coisa a quase três meses... antes foi Alfred que morreu por minha causa, e agora Ivy. Fechei os olhos encolhendo-me na cama liberando novamente o choro.
-Não sabemos se as duas mortes tem relação Bella, Ivy poderia ter problemas com a concorrência isso também está sendo investigado, você sabe o quanto madame Lenine era famosa em seu ramo. Disse Adam, ele estava ali comigo fazendo o que podia fazer, me abraçar, aninhando-me em seu peito como um criancinha... eu toquei seu rosto vendo sua imagem embaçada pela visão turva pelas lágrimas, ele parecia desesperado em tentar me convencer do contrário, ele queria realmente acreditar nisso... ele me dizia isso porque sabia que isso me afetaria tanto quanto aconteceu com Alfred, mas ele sabe que não é verdade... é por minha causa, minha culpa... ele não teria reagido de modo diferente quando Tobey disse que o incêndio foi ato criminoso se não pensasse o mesmo, ouvi sua frustração, a raiva explícita na voz.
-Sei que você diz isso para me tranquilizar, para me poupar... essa pessoa não vai parar Adam até me ver morta e até lá ela vai conseguir me destruir com suas tentativas e erros. Disse, a raiva brilhou intensamente em seus olhos, o tom escuro de seus olhos adquirindo um brilho poderoso e enérgico, inflamamdo, pulsando com sua fúria.
-Isso vai parar. Prometeu ele me trazendo para seus braços mas porque eu tinha a sensação de que isso não teria fim? Eu queria ter raiva como ele mas não consegui resistir a àquele assalto cruel, o golpe fatal, doloroso de mais para suportar, a morte de um inocente, alguém que eu conhecia, em quem eu confiava tinha me derrubado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Presença
RandomLivro II Bella encontrou seu verdadeiro amor, a metade que lhe faltava e que sem ela sua vida seria uma desilusão emoldurada pela tristeza, com a nova chance de viver a paixão que foi antes interrompida pela morte da moça, onde puderam recomeçar de...