Bella
Do outro lado da praça da igreja arquitetônica, uma Catedral no estilo gótico com suas torres pontiagudas, às estátuas, gárgulas, vigias de pedras usados para afastar o mal... o padre nos aguardava na entrada, ele me recebeu de braços abertos no topo da escadaria de pedras claras e eu o abracei.
-Minha querida Bella que bom que tenha vindo... quando recebi seu telefonema de manhã meu coração encheu-se de júbilo por saber que a veria hoje minha filha. Disse padre Francisco, um senhor excepcional de coração nobre e gentil, ele tinha feito a cerimônia do meu casamento, velado e rezado a missa de Alfred e de Ivy que não pude comparecer, a tristeza tinha me abatido.
-Também senti sua falta padre. Disse, ele me permitiu que eu me afastasse, olhei seu rosto caridoso lembrando de Alfred... ele olhou Derek a meu lado e sorriu.
-Se eu não a conhecesse senhora Bella diria que este senhor é seu filho. Disse ele, eu ri olhando Derek.
-Acho ele meio grandinho para ser meu filho padre... ele ainda não é nascido, estou de três meses. Disse, padre Francisco riu alegremente esbanjando bom humor.
-Então se eu não conhecesse toda sua família diria que eram irmãos gêmeos... são tão parecidos é algum parente? Como vai filho?. Perguntou o padre estendendo a mão para Derek que a levou até os lábios e depois disse alguma coisa que eu não consegui entender em outra língua, latim eu acho mas não podia ter certeza, o padre sorriu e respondeu.
-Que Deus o abençoe filho.
-Não padre, Derek não é meu parente é meu novo guarda-costas. Respondi, o padre olhou Derek com curiosidade por um instante antes de pegar minha mão e colocar em seu braço, juntos andamos pelo piso de tabuleiro de xadrez da Catedral, olhei as abóbadas de cruzaria no teto... no final onde ficava o altar uma janela de vitral circular iluminava com uma luz divina Jesus Cristo crucificado.
-Por isso não o reconheci... onde estão Tobey e Allen? Estão se comportando bem?
-Estão na praça com os outros.
-Mais seguranças?. Perguntou o padre balançando a cabeça com preocupação, eu o tranquilizei acariciando seu braço, ele me lançou um sorriso paternal afetado do tipo que era reservado a um filho mas sempre foi assim com todos, os considera seus filhos.
-Meu marido quer assim... o senhor sabe que com os eventos que tem acontecido conosco... eventos dos quais até pouco tempo não tínhamos controle.
-Ah sim... mas isso ainda não parou?. Perguntou, eu olhei Derek... ele nos seguia alguns passos atrás mantendo a vigilância, eu me perguntei se tínhamos algum controle nisso... se após a morte de Ruth isso teria fim mas não só estava começando... a mente por trás disso, o gênio do mal ainda estava por aí a solta impunemente, não teria um fim não é? A menos que ela quem quer que fosse conseguisse me pegar primeiro, todos aqueles com quem me importo estão em perigo.
-Acredito que não vai acontecer mais nada... por enquanto.
-Soube o que aconteceu na casa do prefeito... que Deus tenha piedade daquela pobre alma, que a perdoe. Clamou o padre, ele pedia por Ruth... só de pensar que seu ingresso no paraiso estaria ameaçado por conta do suicídio, que ela não teria um lugar bom para descansar em paz... pensar em coisas que me remetiam a religiosidade me deixavam aflita, alguém como Ruth tem de ter salvação.
-Ele tem de perdoa-la... ela merece ser perdoada, o senhor irá ao enterro não é?
-É meu dever encaminhar sua alma para a luz... se minhas palavras servirem de guia, seu espírito ficará em paz onde estiver... ninguém mais vai ao enterro de Ruth, sua família partiu esta madrugada sem dizer nada. Disse o padre, o sangue fugiu do meu rosto e eu parei... Oh não, eles não podiam, eles não teriam coragem, como puderam abandona-la?
-O que?
-Eu fui fazer um visita a eles bem cedo, dar meus pêsames e oferecer a eles algumas palavras de conforto mas quando cheguei lá parecia que não tinha ninguém, eu bati na porta... um vizinho disse que eles mudaram ainda há noite. Disse o padre, olhei Derek.
-Isso é verdade?. Perguntei segurando as lágrimas ardentes, ele assentiu e eu olhei a imagem de Cristo crucificado, eu me apoio em um dos bancos compridos resistindo a fraqueza que se abateu sobre mim... uma angústia e desconsolo que me deixava cansada, eu me sentei no banco de madeira destinado aos fiéis que vinham adorar a Deus.
-Oh Deus não.
-Não chore querida. Pediu o padre, senti sua mão macia em meu ombro, consolador.
-Eles a deixaram padre, a abandonaram como se não fosse nada, que espécie de pais faria uma coisa dessas com seu próprio filho?... foram embora sem dizer nada, porque?. Perguntei dominada pela emoção.
-Acredito que foi o melhor de qualquer forma. Disse Francisco, eu o olhei secando as lágrimas com às mãos.
-Como?
-O pai de Ruth era alcoólatra e viciado em drogas, ele era violento com a esposa e os filhos... a esposa sempre foi uma mulher muito gentil, Ruth teve a quem puxar... mas ela não resistiu aos ferimentos da última vez que o marido a agrediu na frente dos filhos, foi a última vez... mas mesmo assim Ruth continuou na casa somente por causa dos irmãos mais novos, a irmã mais velha Ella... filha do primeiro casamento da mãe desapareceu a alguns anos, Ruth não queria deixá-los, dava tudo que tinha por eles, o pai trabalhava e gastava tudo com drogas, bebidas e mulheres, Ruth era a provedora, quem lhes garantia o sustento era a única que os protegia, ela temia pelos irmãos... me procurava em dias que o pai bebia demais e se escondia com os irmãos aqui na sacristia, outras vezes quando não conseguiam escapar... fugir da violência... Ruth usava o próprio corpo como escudo contra a maldade do pai na tentativa de proteger os irmãos... isso deixou marcas tão profundas na alma da pobre criança, tão profundas quanto aquelas que tinha em sua carne. Contou o padre desconsolado, um tremor perpassou meu corpo perante a descoberta desse fato sombrio da vida de Ruth ao me lembrar das roupas compridas que ela usava... mãos, braços e pescoço sempre bem cobertos só agora sabendo o porque... meu Deus se Adam soubesse seria ele capaz de ainda sentir tanta repulsa por um ser que sofria tanto em silêncio?
-E para onde eles foram? Os irmãos de Ruth... onde eles estão agora?
-Só Deus sabe minha filha, eu não tenho tal informação. Disse o padre, eu assenti pensando em como faria para conseguir tal coisa, não seria difícil... o problema era Adam não gostar nada disso mas eu não deixaria que ele me impedisse sabendo que eu posso ajudar mesmo que ele mesmo não queira.
-Ela nunca me falou sobre isso... porque não me contou? Eu poderia ter ajudado... eu teria feito alguma coisa.
-Sei que teria feito Bella, Deus sabe o quanto é bondosa mas Ruth amava o pai apesar de chamá-lo de monstro. Disse o padre, eu ainda não conseguia acreditar naquela história de Ruth quando me levantei para andar um pouco enquanto pensava aproveitando para ir a cripta da igreja nos fundos, às lápides dispostas em uma parede lateral de mármore negro onde os familiares optaram por depositar as cinzas dos entes falecidos, as inscrições nas lápides eram prateadas, o padre me levou até onde eu queria ir... a sepultura de Ivy Lenine.
-Leve o tempo que precisar filha. Disse o padre saindo por onde viemos me deixando sozinha com Derek e Ivy... olhei a sepultura passei os dedos nas letras prateadas, lembranças de festas, reuniões de amigas na casa da diretora Amy para tomar chá e jogar conversa fora... foi com Ivy e Amy que aprendi a tomar chá, um rito inglês das cinco que elas recusavam a abrir mão, momentos de tranquilidade com elas e minha mãe era quase ritualístico. O dia em que eu a conheci pela primeira vez em seu ateliê e começamos a trabalhar o sonho do vestido de noiva perfeito para mim, também foi o sonho dela enquanto a assistia confeccionar o meu sonho. Ivy foi bastante elogiada pelos convidados do meu casamento por conta do vestido, um mérito seu, um orgulho como ela dizia, em toda aquela apreensão com os preparativos e aflição de uma garota que estava vivendo um conto de fadas, a magnificência da festa com seus mil convidados em que grande maioria não eram humanos, me lembrei de apreciar aquele momento por causa de Ivy, se não fosse por ela nada daquilo teria sido tão mágico quanto foi... ela tinha uma foto minha do dia do meu casamento em cima de sua mesa de trabalho, uma coisa que ela nunca fez com nenhuma outra noiva... certamente me lembrarei dela para toda a vida e quando resolvesse pegar a caixa do vestido no closet e olhar para ele outra vez seria nela que pensaria mas... o vestido não existia mais, lembrei-me de Adam dizer que foi destruído com outras coisas minhas... era uma pena, e apesar disso estaria sempre em minha lembrança, ninguém pode tirar isso de mim... a confecção de um sonho... como ela dizia...
-Os sonhos verdadeiros são tecidos com linhas lágrimas. Sorri enquanto me lembrava percebi Derek estender um lenço para mim, eu peguei olhando em seu rosto tinha me esquecido que ele estava ali... ele era um fantasma.
-Obrigada Derek. Suspirei parando de chorar secando os olhos com o lenço que ele me ofereceu e eu o estendi de volta a ele... Derek recusou balançando a cabeça.
-Precisa mais dele do que eu madame. Disse ele, eu assenti agradecida e voltamos a igreja de lá o padre foi conosco até o cemitério e o corpo de Ruth foi velado, desceu a sepultura enquanto o padre transmitia suas palavras de conforto, ninguém tinha aparecido para se despedir dela, só os seguranças, o padre, o coveiro, Derek e eu estávamos presentes no cemitério, mantive a ilusão de que Adam fosse aparecer mas ele não apareceu, ainda devia estar chateado comigo e com Ruth principalmente... Ah se ele soubesse... isso me deixava mal mas não tinha outro caminho a trilhar, eu tinha que estar ali com ela... joguei uma rosa do buquê em minhas mãos em cima do caixão e observei o coveiro e seus assistentes atirarem a terra escura sobre ela, pedi ao Carl que levasse o padre de volta a igreja e aproveitei para ficar um pouco mais.
O padre Francisco era um senhor já de idade, ele era velho demais para andar sozinho de volta a sua igreja e quando Carl voltou meia hora depois a cova desapareceu, a terra cobria o caixão, eu coloquei o arranjo encostado na lápide da sepultura, acariciei a terra fazendo minhas promessas a ela em silêncio.
-Eu vou conseguir de algum modo querida não se preocupe não vou abandonar você. Disse ficando de pé e voltamos ao carro.
-Para casa senhora?. Perguntou Carl, eu balancei a cabeça.
-Não... para a casa dos meus pais por favor Carl preciso falar com minha babá quando me deixar lá vá para casa almoçar com a família e fique por lá se quiser, depois quando precisar eu ligo. Disse, ele assentiu sem questionar e seguimos em silêncio o caminho todo até a casa dos meus pais, eu só conseguia pensar numa maneira de ajudar Ruth... eu tinha que encontrar seus irmãos...
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Presença
RandomLivro II Bella encontrou seu verdadeiro amor, a metade que lhe faltava e que sem ela sua vida seria uma desilusão emoldurada pela tristeza, com a nova chance de viver a paixão que foi antes interrompida pela morte da moça, onde puderam recomeçar de...