73: Nas Sombras

7 2 0
                                    

No entardecer da desesperança
Matthew Stanley






       Passamos por entre os pequenos quintais floridos dos fundos dos chalés onde terminava a área urbana, e lá  estava a praia, tiramos os sapatos e descemos pela areia branca, fina e cintilante que pareciam minúsculas partículas de cristais como purpurina branca, Laurence se sentou na areia parecia tranquilo, calmo sem esperar pelo pior porque já tinha vivido o pior... um adolescente mortalmente perigoso e morto de medo não era nada para ele, Laurence olhava o horizonte a leste, eu fitei impressionado com minha visão agora... uma brisa marinha, salgada remexia de leve meu cabelo, cheiro de algas e peixes vinham do mar, eu poderia passar o dia todo ali sentado de olhos fechados curtindo aquela paz com meus sentidos a mil, melhorados, percepções novas intensificadas de tudo a meu redor chegavam a mim e me deixavam paralisado de assombro até que eu pudesse identificar o que era, era confuso mas era interessante a forma como eu via e sentia as coisas a minha volta, tudo foi melhorado para mim de um jeito que eu nunca teria visto antes quando era humano, incrível e assustador, mas o sol se punha e o meu medo só crescia enquanto meus olhos corriam a paisagem tranquila, o arquipélago, um conjunto de pequenas ilhas em meio as Três Irmãs, as grandes ilhas... Laurence cutucou meu braço e eu abri os olhos.
-Está vendo aquela ilha maior lá? É um lugar proibido, se aqui é o céu imagine que lá seja o inferno. Disse ele apontando com o queixo para uma formação de terra ao longe ao leste, extensa, às curvas horizontais de uma cadeia de montanhas tomadas por uma floresta densa e escura que era de arrepiar, meus pelos da nuca se eriçaram enquanto sondava a praia da outra ilha com desconfiança.
-Porque?
-São onde os BP's - bichos papões vivem, os Sem Alma, os casos irreversíveis, eles são colocados lá naquela Ilha... naquele depósito de monstros, quando não voltam mais a ser humanos, são selvagens atacam para matar, para sobreviver quando se sentem ameaçados... eles são o seu pior pesadelo por isso você está aqui, por que você não vai querer ser um deles e você não é Matt, já passou do pior... sobreviveu a primeira noite. Disse Laurence, ele disse isso como se as coisas estivessem menos piores para mim... eu sou um lobisomem porra! Não algo inofensivo mas uma coisa mortal que eu não tinha a menor ideia de como controlar.
-Chocante... eu deveria ganhar um primeiro de honra ao mérito por isso, não sou um monstro vinte e quatro horas, Eba! Cadê meu certificado?. Perguntei, Laurence ignorou o escárnio olhando-me atentamente nos olhos.
-Ouve o silêncio?
-Seria possível se todo mundo calasse a boca. Disse enquanto ouvia absolutamente tudo ao meu redor... pessoas conversando, gritando na rua da vila pareciam estar comemorando o aniversário de alguém e além disso... eu podia ouvir qualquer coisa, coisas fazendo bolhas enquanto nadavam no mar a frente, caranguejos remexendo na areia, o mar roçando às areias, pássaros se preparando para dormir, os animais no pasto e no curral, os grilos começando seu barulho irritante... eu podia ouvir tudo na Ilha e se me concentra-se bastante em lugares específicos podia ir mais longe, entrando nas profundezas daquele pedaço do Paraíso que me parecia um organismo vivo, e era... mas quando laurence disse sobre a outra Ilha, eu sinceramente me esforcei para ouvir buscando o que era que estava me incomodando... atravessei a faixa do mar que nos separava e fui mais adiante, na Ilha ao leste além do mesmo som das ondas que quebravam na praia onde estava não havia mais nada... não havia nada lá, nenhum som só silêncio... isso que me deixava tenso.
         Saber que eles são a mesma coisa que nós, que podem nos ouvir mesmo estando separados por um estreito de mar de poucos quilômetros era paralisante.
-Eu não diria isso em voz alta... hoje é aniversário de Ted, ele deixou o último garoto irreconhecível depois que o mandou calar a boca e a culpa caiu sobre outro, e Ted se livrou como sempre... nunca mande ninguém calar a boca, evite palavrões e palavras que possam coloca-lo em uma encrenca... o pessoal aqui é meio sensível e os novatos tem que aprender rapidamente qual é o seu lugar, Ted é o rei por aqui... mas isso não vem ao caso agora o que estou tentando explicar é diferente, quando às coisas estão quietas de mais pare e ouça, não confie no silêncio, quando às coisas estão calmas demais é por que predadores estão por perto e geralmente caçando... não confie no silêncio... vê a Ilha dos BP's o que você ouve?
-Nada. Respondi abrindo os olhos... que se dane o Ted.
-É disso que você tem que ter medo isso deve arrepiar os cabelos da sua nuca porque o princípio do silêncio é o princípio do fim... o silêncio antecede o ataque. Disse ele mas eu estava pouco interessado em Ted e nos bichos papões, eu queria saber como termina essa noite, o sol caia no horizonte... Ah não só mais um pouquinho, não acabe agora, fique mais um pouco dia.
-O que você disse antes sobre achar a luz... não entendi, quer que eu morra?. Perguntei, ele riu e suspirou ficando mais sério como um professor.
-A Luz é o que nos livra do mal, da escuridão... é a Luz vai poder liberta-lo da escuridão, você tem que achar a Luz, procurar por ela dentro de si, a Luz é algo que seja importante para você... um ponto de clareza na escuridão... quando o encontrar vá até ele e encontrará o caminho de volta... eu penso na minha esposa e no meu filho quando quero sair da escuridão. Disse Laurence enquanto olhava a praia, um homem andava de mãos dadas com uma criancinha pequena parecia ter três ou quatro anos mas eu não podia ter certeza ainda parecia um bebê, cheia de dobrinhas... seus cachos eram como cordões de ouro ao sol e o homem tinha alguma coisa nele que não me era estranho, como se já tivesse visto aquele olhar azul antes... me fez lembrar da garota mais bonita que já na vida, uma garota incomparável de tão linda... Bella... pensar nela me fez sentir saudades de casa.
-Quem é aquele homem?. Perguntei, Laurence virou o rosto para o homem e a garotinha.
-Derek Austen Volga... um de seus instrutores e aquela é a pequena Emma. Disse ele carrancudo.
-A quanto tempo eles estão aqui?
-Desde o início de Janeiro... dia primeiro.
-Você não gosta dele?. Perguntei... mas era meio óbvio, ele não gostava de Derek, olhava às costas do instrutor se afastarem com desconfiança.
-Só acho ele... fora do comum.
-São permitidos crianças na Ilha?. Perguntei olhando a garotinha mais uma vez, ela ria enquanto pegava conchas pequenas na areia colocava em um baldinho e corria para segurar a mão do senhor Volga.
-Não... mas para ele houve uma exceção, ele não chegou como todos nós.
-E como então?
-O encontramos na areia desacordado, trazido pelo mar com uma garotinha nos braços... ele passou o dia na sala do diretor logo que acordou e no dia seguinte estava dando aulas... Samantha a garota loura que você viu com Ted cuida dela durante o dia.
-Uau... e da onde eles vieram?. Perguntei... que história, então o nome da loura era Samantha, não sei porque fiquei feliz com a informação.
-Ninguém sabe.
-Ele da aula de que?
-Luta... corpo e mente, vai se preparando psicologicamente porque às aulas dele são umas das obrigatórias, três vezes na semana para cada dupla e todos os dias úteis exercício coletivo na praia com todos os seus internos e mentores, às seis... às cinco vamos cuidar dos animais, se não tivermos nenhum contratempo grave esta noite. Disse ele olhando para mim... mas que droga, por que ele está me olhando desse jeito? Ah é... droga, eu posso ser um contratempo está noite, que ideia desagradável.
-Às oito começam suas aulas e a tarde temos aula com Derek. Disse Laurence, eu vi as primeiras estrelas brilharem no céu, olhei às minhas costas a lua logo chegaria e com ela o dia teria fim e eu estaria de volta a escuridão.
-Quer entrar e conhecer seu quarto?. Perguntou Laurence olhando a cabana as nossas costas.
-Para que? Se eu entrar vou destruir sua casa é melhor ficar aqui fora mesmo... vocês não vão me prender?
-Todos se transformam durante a noite, para que prenderiamos você?
-Eu queria ver como isso fica a noite. Disse com um humor amargo.
-Encontre a Luz, a saída.
-Vocês não tem que acordar cedo? Ficam por aí à noite toda sem fazer nada?. Perguntei revirando os olhos, um gesto comum e humano, tentando me ligar a minha parte humana como se tentando atrasar às coisas... como se fosse fácil achar uma saída no escuro.
-Você ainda não pode sentir isso mas... transformar-se é  como acordar de um sono revigorante, a transformação nos permite o relaxamento, o descanso, é como usar uma roupa folgada, é um alívio é liberdade... agora é tão fácil para mim que já posso me transformar durante o dia e a qualquer hora. Disse ele sorrindo extasiado, eu o olhei com horror.
-Porque eu iria querer uma coisa dessas? O quê? Está me dizendo que é a melhor experiência do mundo?
-Quando começar a gostar vai entender. Disse ele, eu me virei para o outro lado furioso... Derek e a garotinha já tinham entrado em uma das casas do vilarejo, não precisei virar de novo para ver a lua descoberta iluminando o mar, sabia que quando a olhasse a escuridão me tomaria, podia ouvir os outros nas ruas ainda comemorando e se transformando como vira o garoto fazer aquilo na minha frente de manhã... o som horrendo dos ossos abrindo, partindo e estalando para abrigar a nova musculatura, a nova forma... de dia de uma forma a noite de outra, patético e assustador... Laurence parecia calmo quando se virou para mim.
-Está pronto?
-Não. Disse, minha voz falhou com o medo, meu coração parecia galopar dentro de mim em um ritmo surpreendentemente veloz, eu sabia o que iria acontecer mas me assustava por esperar por isso... desejar, eu queria, eu quero.
-Estamos aqui para ajudá-lo Matt... os outros só estão esperando por você, lembre-se da Luz Matt, vai encontrar o caminho. Disse Laurence, eu respirei fundo e me virei devagar deixando que ela me possuísse que levasse embora a segurança do dia e me traga-se para a noite, o monstro estava lá quando me virei rastejando para mim, trazendo-me para seus braços... abrindo, partindo, estalando, até assumir minha outra forma... estava escuro de novo e eu estava com medo, não havia Luz, o medo era mais forte, consistente e desolador enquanto me revirava na areia.

A Presença Onde histórias criam vida. Descubra agora