20: Uma marca

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Bella


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Está tudo ótimo, nós estamos muito bem, melhor impossível... olhe para mim. Falei pegando seu rosto, olhando nas profundezas de sua alma.
-Meus parabéns, você vai ser papai muito em breve. Falei, Adam ergueu a cabeça para cima como se tentasse buscar ar para respirar, eu me levantei enquanto ele pendia a cabeça para trás e a pousava no encosto do sofá... eu puxei sua gravata desfazendo o nó e abrindo alguns botões de sua camisa, peguei o envelope ao lado e comecei a abanar na frente de seu rosto sem cor.
-Respire, calma... está tudo bem... respire, ah Deus, eu vou chamar alguém. Falei virando-me para a porta, em um manobra inesperada ele pegou minha cintura e me girou para ele, Adam deslizou do sofá até o chão e me abraçou colocando o rosto em meu ventre.
-Não, não, não... não vá. Implorou ele beijando minha barriga, eu acariciei seu cabelo comovida enquanto ele se agarrava a mim emocionado pude ver algumas lágrimas escorrendo em seu rosto enquanto eu apenas vivia aquele momento no sentido literal da palavra.
      Aquelas eram boas lembranças, tinha tudo para ser uma das lembranças mais bonitas que tinha passado com meu marido, mas às vezes, não se pode ter tudo perfeito é a lei da vida, não é? Sempre haverá uma mancha... uma marca para ser lembrada como uma cicatriz de uma ferida, como se tivesse sido gravada em pedra com uma estaca de ferro e um martelo a golpes precisos de angústia e dor, era como essa marca ainda ardia em mim tornando o gosto morno da felicidade em uma mistura amarga e triste... impossível de digerir.
      Naquela manhã infeliz tínhamos nos levantado antes que o sol desponta-se atrás das árvores, seguindo pelos largos corredores frios da mansão antes alegres agora entristecidos, envoltos em sombras como se uma nuvem seca mais escura estivesse pairando sobre nossas cabeças...
      Não era para ir tomar café e nem ir ao escritório, para trabalhar, nem para ir ao lago, ou ao hospital ou a casa dos meus pais nem se quer na casa de campo, a fazenda... a nenhum destes lugares que exalavam paz e tranquilidade para fazer passeios nas folgas e celebrar a companhia um do outro... para onde iríamos era um lugar diferente por um motivo diferente, um lugar em que ninguém quase nunca pensava, um lugar esquecido... Adam e eu fazíamos isso todas as manhãs desde o dia da festa de celebração da gravidez, a semanas esse era mais um compromisso em nossa rotina.
      Parecia que fazia tanto tempo... que se passaram dezenas de incontáveis anos e não apenas algumas semana, desde a descoberta feliz da gravidez até a lembrança trágica daquele dia da comemoração... queria que fossem milhões de anos, distantes uma da outra para que eu tivesse aquele momento conservado, puro e lindo, queria separa-las sobretudo queria que a outra, a lembrança trágica não tivesse acontecido, que não estivesse na história aquele instante doloroso.
      A vida tinha perdido a cor, tinha se desbotado como uma casa velha cheia de infiltrações... mas o que teria acontecido afinal se eu tivesse descoberto um pouco antes? Quem teria se infiltrado ali? Eu teria percebido se não fosse tão ingênua? Teria? Teria tido a chance de realizar alguns reparos naquela parte da casa destruída? Se eu soubesse poderia ter impedido, se eu soubesse teria consertado antes que fosse tarde demais... a vida não dava mais uma mão de cartas para que pudéssemos jogar, tínhamos que aprender a viver com aquilo que nos foi dado, mesmo quando um ais de espadas fosse a cartada final do nosso maior adversário... ainda que fosse inaceitável, eu precisava me conformar mas me parecia tão recente para isso, eu me sentia cansada, exausta como nunca havia me sentido antes.

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