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(Esse é o Capítulo 18 de "A Última Chance")


Aviso muito importante

As cenas a seguir podem ser vistas como gatilho para suicídio, depressão ou outros problemas psicológicos. Se você acha que não estar preparada pra uma cena com esse teor, não continue. A autora agradece e deixa claro que não apoia qualquer tipo de ato contra seu corpo, contra sua vida. 

PV: Bia

Meu reflexo no espelho me olhava intensamente. Ele  tentava encontrar uma razão pra continuar, mas só via os hematomas que tomavam conta. Eu talvez também procurasse algo que mudaria tudo, mas só via o sangue seco, os arranhões e a culpa. A culpa me preenchia por inteira.

Meu pai morreu eu tinha 14 anos, foi assassinado quase na porta de casa. Já falei que fui a primeira a ver o corpo dele e os olhos, tão parecidos com os meus, e sem vida encararem o céu naquela noite? Talvez você estranhe o que aconteceu a seguir, mas eu não chorei. Apenas me virei, entrei em casa e tranquei a porta.

Minha mãe já não se importava com a vida, nem dela e muito menos a nossa, então não precisou se trancar no quarto e chorar como o Junior. Perdi minha mãe pra uma sacolinha de pó e também não me importei. O vicio parecia tão normal, que não me importei de ver minha mãe fedendo a xixi e cocaína toda vez que entrava em casa depois da escola.

A primeira vez que chorei e me culpei de verdade por tudo que havia causado na vida das pessoas, foi no dia que o Junior se foi. Não sei como saí do saco preto que me embalaram, eu só queria agarrar o meu irmão e dizer que tudo ia ficar bem. Quando sai do saco e me vi sozinha, perdi o chão. Foi ali que percebi que tudo que eu fazia tinha consequência. Foi a causa da minha primeira tentativa.

Vi a primeira lágrima cair no reflexo e só observei. Não tentei salvar meu pai, não tentei salvar a minha mãe e não tive a chance de salvar o meu irmão. Mas hoje tentei salvar a única pessoa que tinha restado, e tinha feito algo tão errado quanto não fazer nada. Outra lágrima cai no reflexo. Eu destruía tudo, mesmo que fosse sem querer.

Voltei pro Rio com apenas um propósito, dar uma vida melhor pra quem eu devia a vida. A Sofia foi a minha melhor amiga no pior tempo de nós duas, eu fui uma vadia egoísta e percebi isso tarde demais. Quis salva-la de alguém que teve a coragem que eu não tive, que tem o poder que eu nunca vou ter. E vai dar a ela algo que eu não consigo dar a mim mesma. Amor.

Ainda com os olhos fixos no espelho abri a farmácia e observei o que tinha ali. Sorri. Sem compridos, sem lâminas, sem qualquer objeto que me trouxesse o que eu precisava. Fechei e voltei a olhar o reflexo, porque ele chorava? Porque ele fungava o tempo todo? Qual era o problema com ele? Não queria mais olhar a dor nos seus olhos.

Sai do banheiro. Alguém fungava no meu ouvido, alguém... chorava desesperado no meu ouvido. Eu não queria escutar, eu não queria pensar...eu só... eu só queria sentir. Entrei no quarto dele, tava frio e vazio. Fui na gaveta que eu sabia que existia algo pra mim, mesmo que o Caveira quisesse esconder, falhava tristemente em ser tão obvio.

Eu ainda ouvia o desespero do reflexo. Eu conseguia ouvir a dor, mas não conseguia entender o porque. Abri a gaveta e no canto encontrei o que eu queria, tirei apenas uma e coloquei tudo no lugar, alguns passos e entrei no banheiro trancando a porta. Baixei a cabeça e não olhei pro reflexo, eu não queria mais ver a dor dele, não queria ver o quanto chorava, o seu barulho era quase insuportável nos meus ouvidos.

Entrei na banheira como sempre fazia, liguei a torneira e coloquei o que precisava do lado. Vi a água começar a subir, vi ela me cobrir aos poucos. Apenas via água e ouvia o reflexo gritar. Eu não sentia nada, eu só ouvia. Desliguei a torneira e peguei o que precisava. Desembrulhei a gilete, segurei firme nas minhas mãos, ela brilhava.

Salva Pelo Traficante (Livro 2 - Versão Original)Onde histórias criam vida. Descubra agora