Todas as coisas que existem no mundo, existem porque estão dentro de você.
AZRIEL
O vento no rosto e a sensação das asas cortando o ar era uma das coisas que eu mais gostava no mundo, o céu estava ficando nublado e quando subi e cortei as nuvens com o corpo, pude sentir a garoa fina se formando para cair em forma de chuva.
Meu peito estava aquecido e a lembrança dos olhos grandes e frustrados de raiva de minha parceira me fez rir.
Minha parceira.
Era isso que ela era agora. Isso que ela sempre foi, que talvez um encantador de sombras idiota não foi capaz de reconhecer antes.
Desci pelo céu em direção a clareira onde ela estava.
Tantos planos para depois, beijar seus lábios rosados e inchados, trilhar todos os caminhos de seu corpo com a língua e então...
Pelos deuses amaldiçoados, onde ela está?
Faço a volta pela clareira procurando-a onde a água fica mais escura e desce por pedras de cascalho, mas ela não estava ali, não estava em lugar algum, e o laço, o fio acobreado escurecido, iluminado e assombreado estava fraco, quase transparente.
Merda, merda, merda, onde ela está?
O pânico cresce em meu peito e eu me sinto um garoto idiota, com oito anos de novo, aprisionado no escuro de uma torre. Porque essa seria minha vida se eu a tivesse e a perdesse.
Frio, escuro e aprisionado. Minha boca enche de água, a bile sobe pela garganta e eu quase coloco as tripas pra fora quando a procuro pela extensão do local e não acho... onde você está, luz da minha vida? Vamos, por favor, onde você está?
Eu já perdi tanto, e o mundo sem seus olhos claros e seu peito aberto não seria nada. Tudo que existe no mundo, existe por causa dela, sem ela, tudo está branco e queimando como o inferno.
Onde você está? Tento raciocinar, mas as lágrimas correm desesperadas pelo rosto e minha visão fica turva, eu sinto minhas pernas falharem e minhas asas contraírem em espasmos involuntários então desço desajeitado para o chão, os joelhos trêmulos.
Se ela mergulhou e algo a puxou, se ela foi capturada, presa ou morta? Eu sabia disso, eu sempre soube, sempre vi a forma que os demais grão-senhores viam alguém com o poder dela, com apelação e desejo, eles sempre a quiseram como sua general.
Mas além de guerreira, general de guerra, imediata, magica... além de todas as qualidades exorbitantes, ela era minha parceira, minha namorada... minha vida.
Por isso eu cai de joelhos e me arrastei até o rio, me agarrando ao laço no peito, ela estava viva, sim, viva em algum lugar que parecia longe.
- ATHERA? - Eu comecei a gritar por seu nome, dentro e fora de mim.
Me arrastei tentando caminhar pela água turva mas o mundo estava pequeno e vazio e o pânico corroía minha mente.
Eu estava desabando. Como a anos não desabava. O mundo parecia se resumir em quatro paredes que se fechavam ao redor de mim.
A superfície lisa da água tornou-se um borrão trêmulo e então... pelos deuses, malditos deuses no cio, ela saiu de lá.
Não consegui parar de tremer, pensar ou ansiar, antes que pudesse ser enganado, antes que ela fosse um anjo ou uma alucinação, eu corri até ela.
As mãos geladas se entrelaçaram em volta do meu pescoço, o corpo molhado e... vivo, ela estava viva. Eu continuei chorando, sem poder me conter conforme o laço uma vez desnutrido e sumindo tornou-se forte e operante.
- Azriel? O que houve? - Ela questionou com os olhos nervosos em mim.
- Eu voltei e não te achei, eu sequer te senti, onde-onde você estava? - Gaguejei, eu provavelmente parecia louco, mas a perspectiva de que ela...
Os dedos finos e pálidos tocaram a pele do meu rosto e o mundo quebrou e sumiu, assim como meu medo, minha insegurança e meu desespero, de repente era só ela, viva, inteira e completa em mim.
- Eu fui até o fundo do rio, como usei minha magia para revestir meuspulmões, minha energia vital ficou fraca e dividida. - Ela disse pausadamente, como se tentasse me explicar.
Mas o mundo ainda parecia tão borrado.
- Ei, olhe pra mim – Ela segurou meu rosto – eu sinto muito, sei que deveria ter te avisado, ou ao menos não sumido, eu sinto muito, mas eu estou aqui, estou aqui.
Meus olhos voltaram aos poucos, a consciência do corpo molhado e gelado. Corri os dedos pelas costas arqueadas dela, era ela, ela estava viva.
- O que houve?
- Eu achei... não sei, achei que você tinha se ferido ou se afogado, eu não sei, que algo tinha puxado você para o fundo, eu não sei, eu entrei em pânico. – Eu consegui dizer.
Ela passou os polegares em minhas bochechas e sorriu muito suavemente, colando os lábios nos meus, seu hálito quente e vivo me encontrou e eu tive certeza finalmente, que era ela ali comigo.
Então todo o silêncio cessou, os peixes pulando ao longe com a correnteza, os pássaros cantando no fundo, a água em meus tornozelos, molhando a ponta das minhas asas e os olhos brilhantes dela.
- Você é a luz da minha vida. - Eu sussurrei contra os lábios dela.
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A Corte de Luz e Sombras (FINALIZADA)
FantasyAthera nunca quis mais do que uma vida tranquila ao lado de sua família, e agora, depois do fim da guerra que deixou traumas, marcas e cicatrizes, ela decide finalmente tentar. A imediata do grão-senhor mais poderoso do país vai em busca de liberda...