CENA EXTRA 02 (+18)

1.5K 92 27
                                    

Trezentos e oitenta e oito anos antes.

O rapaz escrevia com força o suficiente para rasgar o papel.

Mais uma carta. Uma carta para ela.

Azriel se perguntava o motivo de fazer aquilo. Por que ele ainda tentava? Ela havia ido embora, ela não o queria, não o desejava. Ela estava no além-mar nos braços de outro, ela estava feliz com outro, sorrindo para aquele outro de modo que jamais fizera para ela, beijando aquele outro de modo que jamais o beijara.

Mesmo se sentindo estúpido, mesmo sabendo que não havia sentido, mesmo sabendo que tudo estava contra ele, contra o sentimento em seu peito, mesmo já havendo escrito dezenas de cartas queimadas, mesmo assim... mesmo assim.

Ele marcava a página com tinta preta dizendo o quanto sentia falta dela, mesmo que isso fosse em vão, mesmo que nada valesse a pena no final, ele sentia como se fosse explodir. De certo modo, era como se ele houvesse vivido toda sua vida esperando por algo, como se, dentro de si, houvesse sempre a ausência de algo, um vazio que ele sempre acreditou que se devia a ausência de sua mãe, a falta de um pai e a dor causada por seus irmãos.

Mas quando ele a viu a primeira vez, era como o mundo entrando em um lugar onde subitamente ele devesse estar desde sempre. Como se nenhum sacrifício fosse suficiente, nenhuma paga pudesse alcançar a alegria de tê-la. Por esse motivo, ele se afastou dela.

Como uma luz brilhante demais para olhos acostumados com a escuridão, ele se contentava em vê-la de relance, em trocar duas palavras, sentar-se em silêncio com ela pelos breves minutos antes do jantar onde eles eram os primeiros a chegar até a mesa, ele se contentou com olhares, com um dedo que roçava na pele dela enquanto eles voavam lado a lado, em sentir o cheiro dela quando saia do banho.

Azriel jamais pôde mensurar como a queria até que ela fosse embora, só então ele pode sentir como as pequenas interações, os olhares de canto e pequenos sorrisos eram significativos.

Por esse motivo ele marcava a folha com suas palavras odiosas.

''Vou colecionar feridas em meus joelhos de rastejar aos seus pés pedindo que você tenha um pouco... um pouco de piedade e...''

Mesmo em toda sua dor, o mestre espião conseguia ouvir o som de passos leves fora de sua janela como se fossem dentro de seus ouvidos.

Ele largou o papel e se virou.

Seu peito ardeu.

Ele inspirou. Expirou.

Ela estava lá. Do lado de fora. Parecia triste. Mais magra. Olhos fundos e os cabelos loiros colados no corpo. Medindo cada passo, ele se colocou de pé e abriu a janela.

Ela voltou. Ela voltou e foi até a janela dele.

A chuva entrou e molhou o rosto que estava quente de raiva segundos atrás. Ela não se moveu, ele saiu pela janela, se colocou de pé na frente dela. Ele estava bem de novo.

Curado.

Perfeito.

Como se nunca houvesse havido quaisquer feridas.

- Athera? - Ele murmurou, o nome dela era como mel nos lábios do encantador de sombras.

Ela parecia assustada, não movia um centímetro do corpo, parecia insegura, como se fosse correr a qualquer momento. Ele não queria que ela corresse. Ele queria que ela ficasse. Para sempre.

Mas ele ainda tinha medo. Ele tinha medo de falar demais, cometer qualquer movimento brusco. Por que ela estava ali, para começo de conversa? Quando o encantador de sombras a vira sorrindo e feliz com outro. Ele a tinha magoado? Simplesmente não sabia como agir.

A Corte de Luz e Sombras (FINALIZADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora