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Deixe-me te contar uma história.

Era uma vez uma jovem de 17 anos chamada Miranda Days, que trabalhava no restaurante do velho Dolph Simpson, um lugar com o nome de SeaPoint, em New Shore. Das 9h às 18h, Miranda era garçonete, anotando pedidos e correndo por entre mesas lotadas, usando um uniforme pelo menos dois números menores que o seu, o que deixava seus seios apertados e doendo dentro do sutiã. Sentia-se como uma daquelas garotas em filmes de época, sufocando em um espartilho triturador de costelas. O SeaPoint, apelidado pelos moradores e alguns turistas de a Ostra, era especializado em servir frutos do mar, então geralmente Miranda voltava para casa fedendo a peixe, lula, lagosta, siri e outras fragrâncias igualmente agradáveis. Das 18h até o horário em que conseguisse manter seus olhos abertos, Miranda era uma garota que estudava para terminar o ensino médio com notas altas e ser admitida na Universidade da Califórnia, onde cursaria Teatro.

O sonho de sair de New Shore para morar em lugares como Nova York, Boston ou Los Angeles era um fator comum entre os jovens da cidade. Sempre que alguém dizia algo do tipo "não vejo a hora de dar o pé daqui e cair no mundo", outra pessoa respondia "pegue a senha e entre na fila, meu chapa, porque eu estou na sua frente". Como se o mundo não fosse grande o bastante para todos os adolescentes e suas infinitas e arrogantes ambições. E o mundo às vezes parecia mesmo pequeno demais para as visões que giravam dentro da cabeça de Miranda: enquanto ela estudava em seu quarto – quase sempre adormecendo sobre os livros – ou lia Shakespeare e ensaiava sozinha no espelho peças de teatro – seus pais não tinham dinheiro para pagar um curso de artes cênicas –, imaginando seu nome brilhando nos outdoors e cartazes da Broadway, ela pensava consigo mesma que Deus deveria ter feito sua Obra Perfeita pelo menos duas vezes maior. Só assim o planeta Terra seria capaz de comportar todos os feitos que Miranda acreditava do fundo do coração que estava destinada a realizar.

Não que New Shore fosse ruim ou carente de oportunidades. Não, nada disso. Localizada ao sul de Boston, New Shore era uma cidade litorânea, com uma praia que atraía turistas da mesma forma que um bulbo de luz no escuro atrai mariposas: aos montes. O lugar até contava com sua própria universidade – a Universidade de Sioux – e, conforme os anos passavam, mais e mais jovens se mudavam para New Shore para tentar a sorte. A vida noturna era agitada: praticamente todas as ruas possuíam pelo menos um pub, e era impossível andar por New Shore depois das 20h sem escutar jazz, rock'n'roll ou música country saindo dos bares quase sempre lotados. Quando fazia seu caminho da Ostra para casa, pedalando sua bicicleta e ansiosa por um banho, Miranda gostava de prestar atenção nos sons da noite: risos, palmas, canecas de cerveja batendo umas nas outras, Bee Gees aqui, Rod Stewart ali, Rolling Stones acolá. Diabos, ela amava aquela cidade agitada com cheiro permanente de sal marítimo. Ainda assim, via o oceano todos os dias e se imaginava velejando para longe, muito longe. Talvez os marinheiros de antigamente se sentissem dessa forma quando olhavam para o horizonte e pensavam "meu Deus, eu preciso descobrir o que me espera do outro lado. Não sei o porquê, só sei que preciso".

E Miranda chegou perto. Chegou dolorosamente perto de terminar o ensino médio com as maiores notas da turma, juntar o dinheiro necessário para mudar-se de New Shore e ingressar na mesma universidade onde Tim Robbins estudara. De velejar para longe, sumindo no horizonte, desaparecendo no oceano como os marinheiros de outrora. Ela era inteligente, determinada e cheia ambição. Teria conseguido tudo isso, não fosse uma coisa: o destino, aquele monstro sorrateiro e cruel, interferir com um grande e onipotente SE.

Miranda Days teria conseguido seguir seus sonhos SE não tivesse engravidado durante o último semestre do ensino médio.

O nome dele era Brandon Geye, dois anos mais velho que Miranda e duas vezes mais burro. Miranda nunca entendera o que a levara a abrir as pernas para ele. Brandon trabalhava como gerente de um pub chamado Golden Club. O pai de Brandon era dono do lugar e Miranda costumava frequentá-lo com as amigas nos finais de semana, quando dava uma pausa nos estudos para não enlouquecer. Até que, certa noite, depois de algumas doses de tequila, ela se viu emaranhada em um papo com Brandon, que parecia incapaz de falar sobre qualquer coisa que não fosse seu Chevrolet Camaro 1969 Novinho em Folha. Ele perguntou se Miranda queria ver o carro, e ela – Deus sabe por que – respondeu que sim. Os dois saíram para os fundos do Golden Club e, claro, fizeram muito mais do que "ver o carro". Miranda deu para ele no banco de trás. Brandon demorou quatro ridículos minutos para gozar e Miranda levou o mesmo número em semanas para descobrir que estava grávida.

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