14 (II)

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Um mês depois, Sophia estava sentada outra vez na cozinha, enquanto Josh usava uma pequena serrinha circular que trouxera da oficina para cortar o gesso em seu braço esquerdo. Quando terminou, ele pediu para que a garota mexesse o membro.

- Dói?

Não doía, embora parecesse haver mais gesso dentro do seu braço. Os músculos e tendões estavam tão duros que Sophia sequer conseguia esticar o cotovelo. Ela moveu o ombro em pequenos círculos.

- Não está doendo – ela disse. – Mas não dá para mover o braço.

- Não é pra menos – disse Josh. Ele estava ajoelhado à frente dela e se levantou, colocando as mãos na cintura. – Você ficou um mês com o braço imobilizado. Vai demorar um pouco até o movimento voltar. Pelo menos ele não ficou torto.

Sophia encarou-o.

- Havia alguma chance do meu braço ficar torto?

- Pouca. Nada considerável.

- Nada considerável?

- É – ele torceu a boca. – Já consertei coisa pior durante o meu tempo no Exército, Fran. Não se preocupe: seu braço vai ficar bom.

Ela mexeu devagar os dedos. Sua mão parecia estranhamente desacoplada de seu braço endurecido. Quase um membro fantasma.

- Se voltar a doer, me avise – Josh disse. – Vou deixar que a Lizzy retire suas ataduras. Sabe como fazer isso, não sabe, garota?

E Lizzy, cuja barriga crescera de modo assustador nos últimos 30 dias, desencostou-se da pia e empurrou o pai para fora da cozinha.

- Claro que sei. Deixe as meninas a sós, papa.

Josh saiu do cômodo com um resmungo, indo para a sala, e Lizzy fechou a porta da cozinha antes de voltar-se para Sophia.

- Não está com medo, está? Meu pai me ensinou bem – disse Lizzy.

- Não estou com medo – Sophia arrancou a blusa, ficando nua da cintura para cima. Todo o seu dorso estava envolvido por ataduras brancas e limpas.

- Ainda bem, porque não precisa. Nós tínhamos um cachorrinho há alguns anos. Ele se chamava Jack, como no filme O Estranho Mundo de Jack, sabe. Dei esse nome para ele porque eu o ganhei no Natal, de presente do meu pai. Um dia, ele foi atacado por um gato selvagem e quase morreu. Ficou cheio desses cortes medonhos por todo o corpo. Papai me ensinou a cuidar dele. Tenho experiência.

Bom, agora Sophia estava com medo. Não é porque você cuidou da porra de um cachorro que vai saber o que fazer na hora de cuidar de uma pessoa, mas ficou calada enquanto Lizzy desenrolava as ataduras que a envolviam.

- Erga os braços – Lizzy pediu.

Ela ergueu, e Lizzy terminou de tirar as ataduras, depois ficou parada atrás de Sophia, observando suas costas. Sophia escutava a língua da garota estalar, e estremeceu quando um dedo frio encostou na pele entre suas omoplatas. Lizzy subiu e desceu devagar com as mãos, indo da base da coluna até o ombro direito de Sophia.

- Meu Deus, isso foi bem feio – ela comentou.

Sophia lembrou-se do lobo negro e cego de um olho saltando em cima dela, as presas amarelas à mostra e as garras prontas para retalhar.

- Foi – ela disse. – E então? Como está?

- Está seco. E com casquinha. Vou retirar os pontos, mas você vai ficar com uma bela cicatriz. Bom, com mais uma cicatriz. Você tem outra bem aqui – Lizzy tocou a pele dura que marcava o lugar onde Abukcheech golpeara Sophia com a adaga. – Você foi... esfaqueada?

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