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(Trecho retirado do primeiro rascunho de O Lado Negro de Fallpound: Os Monstros da Floresta, de Justin Pullman).

Sentado à minha frente, o Sr. Chapman observa em silêncio as próprias mãos. Ele leva os dedos direitos à aliança dourada em seu anelar esquerdo e a gira devagar, deixando impressões digitais marcadas no ouro. Parece-me distante novamente, perdido em memórias, e dou-lhe tempo. A xícara de café que servi para ele continua na mesa, quase completamente intocada.

- Bom, Sr. Pullman – ele finalmente diz, levantando os olhos de ônix das mãos e cravando-os em mim. – Aí está: a história toda. Faltam algumas partes que eu perdi com o passar dos anos, admito, mas o principal está aí. Acho que é o suficiente para dar ao senhor e aos seus leitores uma ideia do que foi o pesadelo em Fallpound. Foram dias que passamos mergulhados na escuridão, e posso dizer com toda certeza: aquelas são águas nas quais eu nunca mais quero entrar.

Devo admitir para você: dadas as coisas que ele acabou de me contar, eu também quero ficar bem longe dessas águas. Há coisas espreitando nelas. Monstros marinhos. Assassinos cheios de dentes. Maldade. Bernard Chapman e sua equipe escaparam dessas criaturas abissais que vivem na escuridão, mas não sem cicatrizes. Eu consigo ver as marcas no homem à minha frente. Nas rugas, nos cabelos grisalhos, nos olhos escuros e secos, quase rachados. Um coração cheio de mordidas.

- Há uma última pergunta, Sr. Chapman – eu digo. E acrescento: – Se não se importa.

- Vá em frente – responde-me Chapman, fechando os dedos na xícara de café mas sem levá-la aos lábios. – Embora eu realmente ache que não resta mais nada para contar ao senhor. Pelo menos, não da minha parte.

Talvez sim, talvez não. Mas há uma curiosidade que precisa ser saciada. Grita por informações como alguém perdido no deserto grita por água.

- O que aconteceu com Sophia Manning depois que ela saiu do FBI? – pergunto.

O diretor Chapman dá um suspiro cansado. Começo a achar que ele não vai me responder, mas ele diz:

- Eu não posso responder, porque não sei o que aconteceu com Manning. Eu não a vejo há cinco anos. A última vez que nos falamos foi naquele hospital em Boston. Depois disso, ela desapareceu. Como eu disse, gosto de pensar que ela está em paz. Mas sinceramente não tenho uma resposta.

Com exceção de uma ou outra modificação, é a mesma resposta que eu obtive de Yuri Watson quando eu o entrevistei para escrever este livro. Assim como todo o resto que Chapman me contou. (Nota: o que me faz imaginar se eles não combinaram a história toda. Praticamente tudo o que Chapman me disse foi o que eu ouvi de Yuri Watson, palavra por palavra. Devo retirar este trecho durante a revisão, mas deixo aqui um pensamento para mim mesmo: será que o que aconteceu em Fallpound um dia virá à tona? E por que ninguém fala de Sophia Manning, como se ela fosse algo que precisa ser protegido? Como um segredo enterrado debaixo das raízes daquelas florestas assombradas).

- Escutei boatos de que Sophia Manning estava em Oldwheel – pressiono um pouco mais.

- Sophia nunca colocou os pés em Oldwheel – diz Chapman.

- Mas o senhor, sim.

Algo relampeja nas pedras escuras que são os olhos de Chapman, um raio que me faz entender porque aquele homem está sentado na cadeira de diretor do FBI. Quando ele se debruça para frente, retirando a xícara de café do caminho com as costas das mãos e fitando-me no rosto, sinto um frio escalar minha espinha.

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