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A mãe do chefe de polícia Dell Cohen costumava dizer que os primeiros minutos da manhã definem se o dia será bom ou uma merda completa. E aquela quarta-feira parecia ser a prova de que a falecida Bárbara Cohen estava certa. Dell acordou pouco depois das oito com o telefone tocando alto na sala. Levantou-se sonolento da cama, esfregando os olhos e deixando para trás o calor de sua esposa, com quem era casado há 20 anos.

- Alôôôô? – ele bocejou ao atender.

- Senhor Cohen, acho melhor o senhor vir para cá agora mesmo – disse uma voz feminina.

- Como? Quem é?

- É a policial Ronda, senhor Cohen. E é melhor o senhor...

- Ir para aí agora mesmo, entendi. É sobre o caso? – o que mais poderia ser?

- Não e sim. Bem... Só venha, senhor.

Cohen foi. Vestiu sua farda e saiu de casa sem sequer dar Bom dia para a esposa ou tomar café-da-manhã. Quando entrou na delegacia, todos os policiais pararam o que estavam fazendo e viraram-se para ele, como se ele fosse o aguardado aniversariante de alguma festa surpresa. Exceto que ninguém gritou parabéns ou bateu palmas. A expressão de todo mundo era pesada, como se seus rostos fossem feitos não de músculos, mas de fios de alta-tensão prestes a arrebentar.

- Alguém vai me dizer o que está acontecendo?

Aparentemente, eles tinham em mãos o retrato-falado do assassino solto em New Shore, o que era uma coisa boa. Cohen pediu a Ronda que mandasse o desenho para todos os veículos de imprensa e mídia.

- Não entendi – ele voltou-se para seus policiais após despachar Ronda. – Por que estão com essas caras? Um retrato-falado é tudo o que queríamos.

- Temos outro problema, senhor – quem falava era um policial novato na delegacia, um garoto de olhos azuis chamado Gerard. Ou Gilead, qualquer coisa assim. – Tommy recebeu uma chamada para ir ao convento.

- Convento? Ah, meu Jesus na cruz – Cohen apoiou-se na parede. – Não me diga que encontraram outra garotinha morta por lá.

Os policiais se entreolharam, e Gerard – ou Gilead – disse:

- Não. Parece que aconteceu um acidente. A madre ligou e disse que... olha, que um helicóptero caiu. Está tudo uma confusão, tudo pegando fogo e... Os bombeiros já estão lá. Nós...

- Um helicóptero? Um helicóptero caiu no convento?

- Foi, é. Um acidente, sabe. Deve ter sido um defeito no motor.

- Defeito no... Estou cagando para o que foi, filho! Só Tommy está lá?

- Tommy e o Rod.

Cohen pediu que oito policiais o acompanhassem. Dez minutos depois, quatro viaturas com as sirenes gritando e luzindo passavam pelos portões do convento, e a essa altura Cohen já tinha uma boa ideia do estrago: era grande. A coluna de fumaça subia para o céu nublado e se espalhava feito um enorme cobertor negro, e Cohen sentiu um cheiro adocicado que o fez pensar em pernil assando no forno. Pela primeira vez esse aroma não lhe deu água na boca; deu-lhe foi enjoo.

- Meu Deus, o que é que está acontecendo nessa cidade? – os olhos azuis do policial Gerard (era esse o nome dele, Cohen descobrira) fitavam esbugalhados a fumaça.

- Boa pergunta, filho.

- Vovó costumava dizer que, quando muitas coisas ruins acontecem em um só lugar, é porque espíritos malignos estão se divertindo – Gerard virou o rosto para Cohen. – Um espírito precisa ser bem maligno para derrubar um helicóptero, não acha, senhor?

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