Ela o encontra na escuridão. Eles dão as mãos. E então ela o enxerga por entre as rachaduras. Ela o vê por completo. Suas falhas, seus arrependimentos, suas feridas, sua dor, e ama cada uma dessas coisas. Ama a feiura que há nele. Ele está com medo, mas ela o puxa para si. Beija o topo de sua cabeça, deita-o em seu colo e depois o abraça.
E, uma vez que ela o tem nos braços, ela também tem o controle de tudo.
***
As mãos dele soltam Sophia. Deixam por toda a extensão do pescoço dela círculos roxos e assimétricos, quase idênticos à cicatriz que ele próprio possui. Ele desaba para frente, de joelhos. Ela faz o movimento inverso: cai para trás, enterrando mais fundo em suas costas o pedaço de vidro fincado em sua coluna e arfando desesperada em busca de ar.
Por alguns momentos, Sophia é incapaz de puxar qualquer coisa para seus pulmões sedentos, e tem certeza de que nunca mais vai conseguir respirar. De que aquelas mãos amassaram sua garganta a tal ponto que transformaram sua traqueia em uma via congestionada, fechada, e ela iria simplesmente morrer ali no chão, afogando-se no seco feito um peixe fora d'água. Então o som horrível de chaleira apitando que sai de sua boca aberta desaparece e dá lugar a uma inspiração aguda. O ar desce queimando por sua garganta machucada, misturado com sangue e com gosto de cobre, mas, meu Deus, é maravilhoso. A garota começa a tossir sem parar enquanto aquela abençoada, divina golfada enche seu peito. Lázaro deve ter se sentido exatamente assim ao respirar pela primeira vez após passar quatro dias debaixo da terra.
O oxigênio começa a circular por seu corpo, sobe até sua cabeça e acende outra vez as luzes em seu cérebro, que estava próximo de sofrer um blecaute total. Com o maquinário dentro de seu crânio voltando a funcionar direito, Sophia senta no chão e leva os dedos à garganta. Eles mal tocam seu pescoço e ela os afasta com uma careta de dor. É como se toda a pele entre seus ombros e seu queixo tivesse sido esfolada por uma faca cega.
- O que você fez comigo, sua puta?
Em seu deleite por conseguir respirar de novo, Sophia se esquecera completamente do assassino. Embora não seja ele falando naquele momento. É a boca dele se mexendo, são suas cordas vocais vibrando, mas é a coisa produzindo as palavras. Porque agora resta apenas ela naquele corpo. O homem não está mais lá – está no colo de Sophia, abraçado a ela na escuridão.
- Eu vou comer você!
De joelhos, a coisa tenta atacar Sophia – dá um bote para frente e morde o ar, mas não vai muito longe. Sophia a mantêm presa. O corpo do homem que ela habita está imobilizado do pescoço para baixo, como alguém com a espinha quebrada. Não passa de uma casca vazia.
- Você não vai fazer coisa nenhuma – disse Sophia. Dói falar, e sua voz não passa de um gargarejo velho e rouco. O tipo de som que você espera ouvir saindo da boca da bruxa em João e Maria.
A garota fica de pé, apoiando-se no espelho atrás de si enquanto o mundo brinca de ciranda e gira à sua volta. Quando a Terra entra novamente em seu eixo correto de rotação, Sophia fita a coisa de joelhos à sua frente. Ela gira cabeça do homem para todos os lados, baba escorrendo do queixo e pingando no chão, os braços caídos tão inertes ao longo de seu corpo quanto as pernas de uma cadeira. Seu olho direito e amarelo brilha de amargura. De raiva. Ela sabe que foi pega, tenta escapar, contorcendo-se, debatendo-se em sua prisão, mordendo as amarras mentais que a envolvem, mas ela pode morder o quanto quiser, fazer aquele maldito creck-creck-creck com os dentes até não aguentar mais, porque Sophia a pegou. E não tem a mínima intenção de soltar.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...