Lívia acordou com o celular tocando. Com o rosto ainda enfiado no travesseiro e pensando que pessoas que ligam para você antes das 9 da manhã deveriam ser presas, ela estendeu a mão e pegou o aparelho em cima do criado-mudo. A telinha dizia: Benny. Lívia esfregou os olhos e atendeu.
- Alô? – a palavra saiu meio pastosa, daquele jeito enrolado que você diz as coisas quando acaba de acordar e os sistemas do seu corpo ainda não pegaram no tranco.
- Oi, querida.
Lívia sentou-se com um pulo na cama, a sonolência desaparecendo no ato. 30 anos ao lado de alguém fazem com que você desenvolva a habilidade de notar as mínimas alterações no outro: uma pintinha que não estava ali ontem, um cabelo grisalho que apareceu da noite para o dia, um tom de voz diferente. E, naquele momento, a voz de Benny era uma nota aguda e trêmula, como uma corda desafinada de violino.
Ele estava se segurando para não chorar.
- Benny? – mil pensamentos se atropelavam na cabeça de Lívia. Alguma coisa aconteceu com ele. Não, alguma coisa aconteceu com Sophia. Com os dois. Ela pensou na sensação de desgraça que experimentara na segunda-feira, antes de Sophia sair para New Shore, e seu coração ficou pequeno no peito, como se sua caixa torácica tentasse esmagá-lo. – Benny, o que foi?
Ele deu um suspiro trêmulo do outro lado da linha. Durou um segundo, mas foi o suficiente para Lívia quase morrer de ansiedade. Teve vontade de gritar: desembuche logo, porra!
- É o Yuri – ele disse. Benny contara para ela na tarde anterior que Watson tinha sido baleado e estava em estado crítico no hospital. – Ele morreu, Livy.
A informação levou um longo tempo para chegar ao cérebro de Lívia e, quando chegou, ela demorou um tempo ainda maior para extrair algum sentido do que Benny tinha dito. Quando o pai de Lívia morreu, vítima de um câncer de fígado particularmente faminto, ela estava na faculdade de direito, em Stantford. O telefone do apartamento que ela dividia com uma amiga tocou às 3h da manhã, e todo mundo sabe que nada de bom acontece a essa hora. É a hora em que os demônios saem para brincar. Lívia levantara-se da cama, correra até a sala e quase arrancara o telefone da parede em seu nervosismo. Depois que sua mãe lhe deu a notícia, Lívia ficou lá, de pijamas e sentada no chão, sem conseguir entender nada. Seu pai morreu. Meu Deus, que frase mais idiota. Pais não morrem. O homem que cuidou de você a vida inteira, que levou você para passear de carro, que dançou valsa com você no baile de formatura e que e te amou incondicionalmente não fica doente, perde peso e cabelo e é reduzido a um esqueleto semivivo, desaparecendo aos poucos bem diante dos seus olhos.
Agora, depois de Benny dizer que Watson estava morto, Lívia se sentia daquela mesma forma, incapaz de entender o que ouvia. Como se a parte de seu cérebro responsável por interpretar informações tivesse queimado, e logo as nuvens de fumaça começariam a sair pelos buracos de seu ouvido.
- Livy? – disse Benny.
- Estou aqui – ela disse. – Pode repetir?
- Yuri, ele... – Benny engasgou. Depois, recuperou o controle e continuou: – Ele não resistiu. Os pulmões dele pararam de funcionar. Grimmes ligou de madrugada para dar a notícia, mas eu não queria acordar você.
De madrugada. Às 3h da madrugada, Lívia tinha certeza.
- Oh, querido – ela não se surpreendeu ao ver duas lágrimas pingando de seu rosto para o lençol da cama, embora não houvesse notado que tinha começado a chorar. – Eu sinto muito. Você já... a Thabby sabe?
- Não. Vou ligar para ela assim que terminar de falar com você.
- E Sophia? Como ela está lidando com isso? – Sophia adorava Watson. Lívia sabia disso muito bem.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...