Bater com o pente na palma. Tec! Verificar se as balas estavam todas ali e inserir o pente outra vez na arma. Tec! Travar. Tec! Colocar a arma no coldre e fechar o botão. Tec!
O ritual era o mesmo que Sophia já realizara centenas de vezes antes. Havia, no entanto, uma diferença fundamental: sem a mão direita, a garota não conseguia sequer chegar ao primeiro tec!. Era frustrante, para dizer o mínimo.
A coisa começava a degringolar no momento em que ela pegava a pistola. Sua mão esquerda era um pedaço de carne inútil e desengonçado, totalmente sem prática. Ela jamais conseguira nem se masturbar com aquela mão, quem dirá apontar e mirar com uma arma. Esse obstáculo, no entanto, podia ser superado com a prática – e o tempo para praticar qualquer coisa era curto. Muito curto. O maior problema aparecia de fato na hora de trocar o pente vazio por um cheio.
Era impossível. Sophia demorava o ridículo tempo de quase um minuto para realizar a substituição que, antes, ela fazia num piscar de olhos. Precisava colocar a arma no cós do jeans para deixar a mão esquerda livre, usar aquele membro praticamente alienígena para pescar do bolso o pente cheio, pegar novamente a pistola e encaixar o pente com a ajuda da porra do toco. Um minuto, pelo amor de Deus. Qualquer idiota que jamais dera um tiro na vida seria capaz de explodir a cabeça dela nesse ínterim tão longo. O assassino de Ashley Morgan e Danny Straub iria reduzi-la a picadinhos.
- É como se eu tivesse desaprendido a respirar – Sophia disse entre os dentes enquanto tentava usar o toco para empurrar o pente na pistola. – Isso é ridículo.
O pente escapou, desenhou uma pirueta no ar e estatelou-se aos pés da garota com um barulho metálico. Sophia deu um grito de frustração e girou nos calcanhares, atirando pelo quarto a pistola que o agente Jonathan lhe emprestara. A arma rodopiou e chocou-se contra a parede, depois caiu inútil em cima do criado-mudo. Sentada na cama, Lívia encolheu-se um pouco.
- Ficar com raiva só vai tornar tudo mais difícil – disse Lívia. Ela pegou a pistola e estendeu-a de novo para Sophia. – Você tem que ter paciência.
- Paciência? – disse Sophia. – Paciência? O filho da puta que matou Benny está lá fora neste instante, provavelmente pensando em centenas de formas diferentes de me matar também, e eu não consigo usar a. Porra. De. Uma. ARMA!
Vlóóósh! Uma língua de fogo surgiu no centro do colchão, por pouco não incendiando os cabelos de Lívia. Ela deu um pequeno grito, pegou o travesseiro e bateu com ele nas chamas antes que elas se espalhassem.
- Incendiar o quarto também não vai ajudar em nada, Sophia – disse Lívia, dando uma última batida com o travesseiro. Uma cratera escura que soltava fumaça se abrira no centro do colchão, como se um pequeno meteorito tivesse acabado de cair ali.
Sentado no sofá, o agente Jonathan olhava boquiaberto a cena. Tinha no rosto a expressão de um garotinho de três anos que via pela primeira vez um mágico tirar um coelho da cartola. Lou Campbell, por outro lado, ainda amarrado à cadeira no centro do quarto, mas com a consciência 100% recobrada, fitava os restos do pequeno incêndio com admiração pura e simples.
- Pirocinese – ele disse, virando para Sophia o rosto quebrado e coberto de crostas escuras de sangue. – Fascinante.
- Gostou? – disse Sophia. – Posso tocar fogo em você também, se quiser. Isso não seria fascinante?
Ele soltou um risinho pelo nariz e balançou a cabeça, recostando-se à cadeira e ficando quieto. Sophia esfregou o rosto e suspirou fundo, tentando se controlar. Era difícil. Manter a calma naquele momento mostrava-se uma tarefa tão complexa quanto recarregar a arma dispondo de uma só mão.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...