O pente da Beretta 9mm deslizou para a mão de Sophia Manning. Ela bateu com ele de leve na palma. Tec! Verificou e viu que as balas estavam todas ali. Bom. Inseriu o pente outra vez na arma. Tec! Travou-a. Tec! Colocou-a no coldre e fechou o botão. Tec! Geralmente, Sophia não levava mais do que poucos segundos para cumprir esse ritual que já realizara tantas e tantas vezes. Naquela noite, porém, todo o processo pareceu demorar séculos. Seus dedos tremiam. Suor ensopava sua nuca, escorria por seu pescoço, pela linha de sua coluna, debaixo de seus braços. O colete à prova de balas com FBI escrito em letras garrafais amarelas pesava quilos. Ela se mexeu, desconfortável. As botas apertavam seus pés. Tirou o maço de cigarros do bolso da jaqueta e colocou um Marlboro entre os dentes. Acendeu.
As árvores se erguiam diante dela. Silenciosas. Vivas. Sophia conseguia sentir a mente da floresta espreitando por entre os galhos, uma consciência antiga e primitiva, diferente de todas as que ela já tocara. Era composta por milhões de vozes, de lembranças, de sussurros saídos das entranhas da Terra. Aquele lugar era o lar de coisas que habitavam o mundo há muito, muito tempo. Elas falavam na cabeça de Sophia, todas de uma vez, numa língua que ela não conseguia entender.
Não faremos mal a vocês, Sophia disse em inglês, esperando que as vozes entendessem. Estamos aqui para salvar o seu lar do monstro que o invadiu.
A floresta respondeu,
(o bicho-papão em nosso armário)
projetando na mente de Sophia a imagem de algo que se aproximava na névoa. Algo enorme. Alguma coisa inimaginável que abria passagem pelas árvores, afastando-as como se fossem cortinas, os troncos sendo jogados de lado e desabando iguais a soldadinhos de papel, arrancados do solo pelas raízes. Uma nuvem de pássaros voou, fugindo aos berros do que quer que viesse atrás. Cada passo que aquilo dava era seguido por um tremor cataclísmico. A madeira estalava e a terra rugia. Uma silhueta surgiu, gigante e animalesca, tão alta quanto as copas das árvores. Caminhava de pé como um homem, o corpo alongado sustentado por cascos traseiros. Seus membros se moviam com o som de dobradiças velhas rangendo. Uma coroa negra repousava sobre sua cabeça de veado, uma galhada de mil chifres em torno da qual aves desenhavam pequenos círculos. A coisa abocanhou uma delas e mastigou, triturando ossos. Seus olhos laranjas encontraram os de Sophia, cheios de uma fome que podia engolir o mundo inteiro. Aquela coisa cresceu e cresceu até ocupar todos os cantos da mente da garota. Sophia gritou.
Alguém fechou uma mão em seu cotovelo.
- O que foi? – disse Chapman ao pé da orelha dela.
- Há um monstro debaixo da cama onde a floresta dorme – disse Sophia, virando-se para ele. – Estamos ficando sem tempo.
Não havia necessidade de dizer isso. Chapman sabia. Os tambores não tinham começado a rufar como na noite anterior, ainda não, mas dava para sentir o tempo fluindo para longe de uma forma quase palpável. Escorrendo entre os dedos. Se não pegassem os Monstros nas próximas horas, o ciclo de assassinatos se encerraria e eles teriam que esperar 10 ou 12 anos para ter outra chance. E Chapman sabia disso também.
- Certo – disse Chapman, batendo as mãos enluvadas. – Venham todos aqui.
Daniel, Grimmes e Watson, que até então repetiam o ritual de Sophia de checar a munição nos pentes das pistolas, foram até Chapman e formaram um semicírculo em torno dele. Naquela noite, eles pareciam diferentes para Sophia. Talvez fossem os coletes à prova de balas e as armas nos coldres em suas cinturas; ou talvez fossem seus rostos, com as linhas dos maxilares bem delineadas, gotas de suor brotando em suas testas e seus olhos cheios de uma vontade férrea. Fosse o que fosse, era algo que deixava todos eles mais velhos, fazendo Sophia pensar em pistoleiros em um deserto. Ocorreu a Sophia que Abukcheech pensaria duas vezes antes de matar se soubesse que homens como aqueles iriam atrás dele. Naquele momento, a garota sentiu tanto orgulho de seus amigos que achou que seu coração poderia se partir.
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A Voz da Escuridão.
Paranormal[Obra registrada na Biblioteca Nacional.] Um garoto de 8 anos é sequestrado e morto na pequena cidade de Fallpound, no interior dos Estados Unidos: o primeiro de uma série de assassinatos que assolou a região em 2009, cometida por uma seita satâ...